25 de abril de 2024
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Memórias e revelações do centenário de Jânio Quadros

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Memórias e revelações do centenário de Jânio Quadros

No dia em que se celebra o centenário de nascimento do ex-presidente Jânio Quadros, um dos homens mais próximos, seu amigo e ex-secretário particular, Victor Eugênio, relembra fatos curiosos e inéditos que marcaram sua relação com um dos políticos mais enigmáticos e pitorescos do País. Ele fala como o “homem da vassoura”, conhecido também por sua lisura e honestidade no trato com o dinheiro público, viveria nos dias de hoje e esclarece controvérsias a respeito do nome e do nascimento do ex-presidente.

É exagero dizer que o senhor é o homem que mais conviveu com o ex-presidente Jânio Quadros?

Victor Eugênio              Foto: Daniel Machado 

Eu prefiro dizer que faço parte do seleto grupo de cinco ou seis pessoas que tiveram a oportunidade e o privilégio de conviver mais de perto com essa figura notável e rara que foi o ex-presidente Jânio. No entanto, ele disse certa vez, durante o exílio em Corumbá, que fui o único a se manter fiel ao seu lado “desde o início da desgraça”, período que abrange desde sua renúncia, em 1961; passando pela cassação dos seus direitos políticos por parte do governo militar do ex-Presidente (Artur da) Costa e Silva, em 1964; o confinamento de 120 em Corumbá até a recuperação de seus direitos políticos, na Leia da Anistia, em 1979.

Quando e onde foi que o senhor conheceu pessoalmente o ex-presidente Jânio?

Foi em São Paulo, ano de 1960, na residência do professor Valério Giuli. Ele havia convidado o Jânio para um jantar e me chamou também.  Estávamos à mesa e quando ele soube que eu era campo-grandense passou a conversar comigo.  Ele era deputado federal pelo estado do Paraná e estava em plena campanha presidencial, enquanto eu tinha 23 anos e pouco sabia de política. No ano anterior até havia me candidatado a vereador de São Paulo, mas sem dinheiro, apenas com a cara e a coragem, não fui eleito. Eu era do Partido Libertador na época e tomei algumas iniciativas polêmicas em prol da moralização do partido, fui hostilizado por alguns mas ganhei o apoio de importantes figuras como Ideval de Almeida Pivetta e o vereador Silva Ribeiro. Aquilo ganhou uma repercussão nacional e depois de um tempo, mais especificamente na virada de 1962, uns três meses após a renúncia do Jânio, passei a ficar ligado umbilicalmente com ele, representando-o no recém-criado Movimento Trabalhista Renovador (MTR), uma dissidência do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), liderada por Fernando Ferrari, grande liderança nacional. No MTR fui eleito primeiro-secretário e depois vice-presidente do diretório municipal de São Paulo, sempre representando Jânio Quadros. Fui o interlocutor responsável por levar grandes nomes do nosso Estado, como Enzo Zahran, o ex-governador Pedro Pedrossian e o então prefeito Levi Dias, entre tantos outros, ao encontro do presidente Jânio.

O senhor disse que o ex-presidente Jânio foi um homem raro. Por que?

Porque pessoas como o Jânio surgem de 100 em 100 anos. Ele hipnotizava as massas por sua cultura, pelo carisma e poder de comunicação com o povo. Ninguém conhecia tanto a Língua Portuguesa quanto ele. Mesmo em meio à anarquia dos comícios, quando o doutor Jânio era anunciado virava um silêncio de cemitério, todos aguardavam ansiosamente para ouvi-lo. E mais, foi um modelo de cidadão, de gestor e governante. Um verdadeiro fiscal da lei, capaz de demitir quem quer que fosse diante da menor suspeita de atitude ilícita. Não foi à toa que o famoso jingle da vassoura (“varre, varre vassourinha, varre a corrupção”) se popularizou no País todo no pleito presidencial de 1960, quando ele foi eleito com a maior votação até então obtida no Brasil, vencendo o marechal Henrique Lott de forma arrasadora, por mais de dois milhões de votos. O povo via nele um modelo de honestidade. Repetia a todos os que trabalhavam com ele: “dinheiro público é dinheiro do povo, por isso é sagrado”. Aliás, dinheiro era algo que não significava nada para Jânio. Tanto é verdade que ele é o único até hoje que recusou-se a receber pensão de ex-presidente. Dizia que essa pensão era algo “legal, mas imoral”.

Fico imaginando ele nos dias de hoje. Se estivesse vivo, como reagiria ao modelo de política praticado atualmente?

Se ele estivesse vivo morreria de desgosto! Já naquela época ele dizia que a vassoura não estava mais bastando, que era preciso um escovão. Imagina hoje, então, qual seria o instrumento utilizado para limpar tanta corrupção? Nem faço ideia!

Existem algumas controvérsias a respeito da cidade de nascimento do ex-presidente Jânio Quadros. Alguns historiadores dizem que foi em Miranda, mas o registro foi lavrado em Campo Grande. Qual a sua versão para este fato?

Jânio Quadros é campo-grandense! O que ocorre é que sua família morava em Miranda e ele foi concebido lá, mas seu pai, o farmacêutico Gabriel Quadros, achou prudente trazer a esposa, dona Leonor, a Campo Grande onde havia mais infraestrutura médica disponível. Até estava decidido a regressar ao município de Miranda, porém, por vários motivos, optou por continuar com a família aqui na capital, onde ficou até Jânio completar 3 anos de idade. Depois disso, eles foram para Curitiba, no Paraná, até por volta dos 16 anos de Jânio e dali partiram para São Paulo, com passagens por Cândido Mota e Lorena. Depois a família foi para a capital, onde Jânio cursou Direito no Largo São Francisco, na Universidade de São Paulo.


Aliás, até o nome do ex-presidente suscita dúvidas até os dias de hoje.

Sim, muitos equivocadamente o chamam de “Jânio da Silva Quadros”. Esse é um erro comum, inclusive de jornalistas e historiadores em algumas biografias. No entanto, poucos sabem que o “Silva” é um sobrenome da mãe, dona Leonor, que ele não herdou em seu registro de nascimento. O nome correto é somente Jânio Quadros.

Alguns historiadores alegam também que, por conta dessa breve passagem de Jânio por Campo Grande, nem na biografia do ex-presidente ele fala sobre a cidade.

O que eles desconhecem é que sempre que tinha a oportunidade, o doutor Jânio elogiava sua cidade natal em seus pronunciamentos. Quando ocupou cargos públicos em São Paulo, agradecia os paulistanos por acolherem tão bem um campo-grandense. Certa vez, após a renúncia, ele me disse, em tom de lamento: “apenas sete meses no poder e nenhuma chance de ajudar meu Estado”. Numa palestra a alunos de uma universidade uma vez falou que tinha orgulho de ser mato-grossense de Campo Grande e ter nascido na principal rua da cidade, que era a 14 de Julho, e completava: “se bem que quando eu nasci, deveria ser a única rua”. Poucas pessoas também sabem que ele fez um pedido muito particular à família, de ser cremado após a morte e ter parte de suas cinzas guardadas em Campo Grande, São Paulo e Curitiba. Pedido que, lamentavelmente, não foi atendido pela filha.

Neste 25 de janeiro, data que marca o centenário de nascimento de Jânio, qual a importância do resgate da memória do ex-presidente em sua cidade natal?

Resgatar a memória de Jânio é um reconhecimento da nossa própria história! Que outro campo-grandense foi presidente da república? E um dos maiores presidentes da história com uma biografia tão rica! Por isso, não posso deixar de agradecer os esforços dos ex-prefeitos Juvêncio Fonseca e Nelsinho Trad, que aceitaram minhas sugestões e batizaram o Centro de Especialidades Médicas (CEM) e o Parque Linear do Segredo com o nome do Presidente Jânio Quadros. Tudo, obviamente, com o apoio e empenho da Câmara Municipal, a quem também sou muito grato.

E temos ainda 2017 inteiro pela frente para celebrarmos o ano do centenário deste que é o mais ilustre campo-grandense da nossa história.

E de que forma o senhor pretende colaborar com isso?  

Eu tenho um projeto de viajar o estado todo este ano ministrando uma série de palestras sobre o Jânio nas câmaras municipais. Essa ideia eu tive a partir de uma palestra sobre isso que fiz tempos atrás na Câmara Municipal de Corumbá e que recebeu muitos elogios.

Infelizmente, muitas pessoas insistem em lembrar de Jânio apenas pelo ‘presidente que renunciou’ ou pelos uísques que ele gostava de tomar. Poucos sabem ou levam em consideração, por exemplo, que ele foi o responsável pela abertura política internacional do Brasil com o Leste Europeu e com os países africanos. Já em 1960 dizia que o Brasil tinha de deixar de ser um mero fornecedor de matéria-prima.

Logo após ter sido eleito e antes de assumir a presidência da república, ele viajou a Portugal para se encontrar com o então presidente (Antônio da Silveira) Salazar e, com todo o protocolo que a ocasião exigia, disse o seguinte ao estadista português: “senhor presidente, a despeito de todo o respeito que o Brasil tem à sua Pátria-Mãe, quero lhe informar que tão logo eu tome posse, instruirei nosso embaixador na ONU e no Itamaraty para combater permanentemente o colonialismo de Portugal na África”. Depois disso, tornou-se persona non grata em Portugal, é verdade. Mas, me diga que outro presidente teria essa coragem e ousadia?

Foi o primeiro mandatário do mundo a criar uma legislação específica para a preservação e fiscalização dos recursos hídricos de um país; criou o Parque Nacional do Xingú e estabeleceu uma comissão de especialistas para a criação do Parque Nacional do Pantanal, projeto que infelizmente não foi a frente por conta do pouco tempo na presidência. Enfim, há muitas coisas importantes que a maioria das pessoas não sabe sobre Jânio Quadros e tenho certeza de que posso colaborar muito ainda a respeito.