28 de março de 2024
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Ídolo do futebol sul-mato-grossense morre e grande imprensa ignora

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De acordo com Edson Moraes, a morte do craque Francisco Brandão foi praticamente ignorada pela “grande imprensa” estadual, - Só teve parte de seu merecido destaque reverberada nas mídias sociais, por meio das manifestações de contemporâneos e familiares. Chico Bera, como ficou conhecido em Ponta Porã, morreu sábado passado, aos 68 anos, vítima de complicações cardíacas e levou consigo uma das histórias mais consagradoras do esporte de Mato Grosso pré-divisão.

Chico Bera não gostava muito de ser alvo de celebrações, embora tivesse consciência de ser um craque de excelência no futebol de salão e de campo. Nas quadras, sobretudo, era um jogador de altíssimo nível. Para quem o viu jogar ou atuou a seu lado era o melhor salonista brasileiro. Particularmente, esta é minha opinião. Empolgada, entretanto sincera e fundamentada no que vi e no que vivi.

Professor e aluno 

Edson revela que quando morou em Ponta Porã em 1971 e 1972. Teve o privilégio da convivência e da amizade com Chico, quem ele classifica como um 'ser humano excepcional', de quem foi aluno de Educação Física na Escola São José. Nas quadras, Moraes, jogou contra e também ao lado de Bera.

Segundo o fã de Chico, quando ele jogava a favor do mestre, tudo ficava mais fácil com seus gols e suas assistências. Contra, era quase impossível marcá-lo, especialmente por causa da facilidade com que dominava, driblava, deslocava-se com incrível rapidez, tabelava e era ambidestro, tinha chutes fortes e precisos nos dois pés. Na época, eu tinha 16 para 17 anos e ele ainda atravessava os 23. E já me dava aulas do campo, da quadra e da vida.

Pela seleção ponta-poranense de salão, Chico fez parte de alguns dos quintetos que fizeram história no futsal do Estado e do País. Os goleiros Aldo e Gege e os de linha Tararau, Português, Papi Fernandes, Salinas, Careca (que jogou com Aldo pelo Comercial de Campo Grande), Morbeck e Paulista estavam entre os nomes de elite da categoria e isso tornava as coisas ainda mais fáceis e simples para ele. Simples, porque o talento de Chico desfilava com simplicidade, sem afetação, mas para cada drible que um zagueiro sofria era impossível não sentir um certo gosto de humilhação.

O craque, porém, não driblava para humilhar. Ele apenas usava seu inesgotável e mágico repertório de fintas. Divertia-se jogando futebol. Adorava fazer gols. E fazia. De todo jeito. Num tempo em que as regras proibiam gols dentro da área – a não ser com a cabeça -, ele marcava de cabeça. E era letal nos sem-pulos em cobranças de escanteio ou lateral. Elástico, lambreta, meia-lua e caneta eram alguns de seus dribles.

A lambreta na qual o jogador usava o calcanhar de um pé e apoiado sobre o outro para aplicar um chapéu no adversário – era a finta predileta. Mas não para humilhar de acordo com Edson. Fazia questão de me ressalvar que o esporte sem respeito e sem criatividade não vale a pena.

“Corumbá [um apelido que ele deu a Edson Moraes e como Edson é conhecido pelos amigos da fronteira], futebol precisa ser visto com alguns objetivos básicos. O maior deles é construir amizades. E futebol precisa de criatividade, de talento e especialmente ser uma diversão pra quem joga e pra quem assiste”.

O fã de Chico Bera ainda relembra momentos com o craque, "Não esqueço o dia em que ouvi dele essas palavras: 15 de março de 1971. Eu fazia 16 anos, recém-desembarcado com a família na cidade, e ele, meu professor de Educação Física, alugou um táxi para levar a mim e o meu irmão, o Corumbinha, para um passeio de comemoração da data", diz emocionado.  

Foto: Reprodução/Arquivo pessoal 

Carta ao Chico, por Edson Moraes 

O Chico era assim. Previsível no gesto humanista. No figurino clássico do craque do povo, era desligado de vaidades e não tinha vocação (ou jeito, ou vontade, sei lá) para fazer de seu talento uma ferramenta poderosa para enriquecer. Testemunhei e soube de várias chances que ele teve de projetar-se em centros maiores onde lucraria com atraentes contratos. O Corinthians (SP) e o Sumov (do Ceará), que eram as maiores equipes de salão da época investiriam no Chico Bera. Mas o Chico Bera parecia mesmo seduzido pela vida simples, descompromissada e até bucólica do interior. Amava a fronteira e as suas amizades. Seu protagonismo no esporte era de uma amplitude tal que os nossos olhos comuns e limitados não conseguiriam entender ou ver como cabia naquele universo tão pequeno e provinciano.

Vi em ação alguns dos melhores craques do salonismo do mundo. Na época do Chico, o Jackson e o Douglas eram os bambambans. Depois vieram outros: Fininho, Manoel Tobias e os ETs Falcão e Serginho, entre outros. Mas o Chico Bera era único, a meu ver superior, por causa de detalhes que diferenciavam. A velocidade incrível com a bola controlada nos pés combinava com a velocidade do raciocínio para fazer o passe, ou chutar, ou driblar. Uma inteligência rara, que dispensou a planície bajulativa dos comuns para permanecer digna, acessível e convivente na planície das relações humanas que fazem do amor, da dignidade, do respeito e da humildade os patrimônios mais caros e mais essenciais a qualquer pessoa.

Chico Bera não conseguiu driblar o mau humor do traiçoeiro e generoso coração. Sofreu a pesada e implacável marcação de uma parada cardíaca no sábado, dia seis de maio de 2017. O que lhe valeu a convocação automática para o time do céu. Já entra em campo encarregado de bater a falta que sua ausência nos comete nesta saudade que não tem fim...porque Chico Bera continuará fazendo gols para que nossa alegria não cesse. (Com Edson Moraes).