23 de abril de 2024
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Patrimônio Cultural Indígena

Semana do Patrimônio Cultural Indígena é aberta com exposição, palestra e criação de GT

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A multiplicidade cultural indígena está sendo evidenciada esta semana com uma vasta programação que busca reconhecer os índios como participantes da formação cultural do Estado. A Semana de Valorização do Patrimônio Cultural Indígena de Mato Grosso do Sul foi iniciada na noite desta segunda-feira (15.4), no MIS, e trouxe uma rica exposição fotográfica sobre o cotidiano dos índios Kaiowá Guarani, palestra sobre cerâmica indígena e a criação do Grupo de Trabalho do Patrimônio Cultural Indígena.
 
Já no saguão de entrada os visitantes podem conferir a exposição “Matriarcas Kaiowá e Guarani”, da gestora e produtora cultural da Casa dos Ventos, Fabiana Fernandes, em coautoria com a índia Daniela Jorge João. A exposição são estudos de etnografia visual a partir da fotografia, registros do cotidiano por meio da imagem. “A fotografia foi a linguagem que eu encontrei para expressar a cultura Kaiowá Guarani”, diz Fabiana, que não se diz fotógrafa profissional, mas se utiliza deste meio, entre outros, para externar todo o seu amor pelos povos indígenas.

Este carinho, este cuidado, está evidenciado não só nas imagens, mas na forma em que elas foram expostas para apreciação do público. Cada foto possui como moldura um elemento do grafismo Kaiowá e uma série de “potis”, que são pompons coloridos feitos de algodão que os índios utilizam em suas vestimentas.

As imagens revelam rituais, comidas típicas, rezadeiras, parteiras, professoras, anciãs, atividades do dia-a-dia de uma aldeia, sorrisos espontâneos e a alegria de ser índia. “É um registro das mulheres que estão nessa liderança cultural. Para mim o que é fundamental são as formas de transmissão do saber de geração a geração, que registro de uma maneira muito poética. É um trabalho feito com elas e para elas,” explica, sobre a coautoria com Daniela.

Os presentes foram convidados a presenciar a criação oficial do Grupo de Trabalho do Patrimônio Cultural Indígena, que tem o objetivo de estabelecer discussões a cerca da educação cultural e estabelecer políticas públicas de salvaguarda do Patrimônio Cultural Indígena. O GT terá dois membros de cada etnia indígena e está formadopelas seguintes entidades: UFGD, Museu das Culturas Dom Bosco, Iphan (Brasília, PA e MS), UCDB, Funai, FCMS, Subsecretaria de Políticas Públicas para a População Indígena, Casa dos Ventos, UFMS, UEMS, Rede Saberes, Secretaria de Educação de Caarapó, Semed, Associação de Caciques, MIS e Associação Cultural de Realizadores Indígenas.

Grupo de Trabalho do Patrimônio Cultural Indígena.

Maria Clara Scardini, superintendente do Iphan, explica que o Grupo de Trabalho surgiu a partir do 1ºSimpósio do Patrimônio Cultural Indígena, realizado pelo órgão no fim do ano passado: “Dentro do Iphan não temos nenhum patrimônio cultural indígena registrado, mas esta questão sempre esteve permeando nossas ações. Sempre ficou como se faltasse algo, levantar as discussões sobre o assunto. Daí surgiu o deságio do Simpósio. Temos muita vontade de continuar, a cada dois anos. O Iphan entende a importância que é a cultura, a gente tem muita vontade e quem sabe, futuramente, ter um registro do Patrimônio Cultural Indígena”.

Depois de criado oficialmente o GT, o professor Gilberto Luiz Alves falou com muita propriedade sobre “Cerâmicas Kadiwéu, Kinikinau e Terena” e deu indicou a necessidade de políticas públicas para a atividade. Gilberto é doutor e pós-doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas, foi professor da UFMS e atualmente é professor pesquisador da Universidade Anhanguera-Uniderp e estuda os impactos culturais e ambientais decorrentes de propostas de desenvolvimento regional formuladas por órgãos governamentais, não governamentais e movimentos sociais.

O professor diz que as cerâmicas Kadiwéu, Kinikinau e Terena eram, nos séculos XIX e XX, utilitárias. A partir da década de 1970, passaram a ser produzidas para turistas, tendo o tamanho das peças diminuído e surgido as figuras antropomorfas. “O que salvou a cerâmica indígena foi o turismo. Hoje existem 80 artesãs terenas na aldeia Cachoeirinha. Os Kinikinaw foram declarados extintos em 1530 e registrados como Terena. Têm uma história linda de resistência, hoje reivindicam sua identidade e a sua cerâmica foi uma reinvenção nesse processo de reconhecimento étnico. Têm um polo de produção na aldeia Mãe Terra, em Miranda, em que os homens também fazem cerâmica”.

Segundo o professor, a cerâmica indígena é o que existe de mais significativo na área do artesanato em Mato Grosso do Sul, e carece de políticas públicas. “A cerâmica indígena possui duas limitações: são frágeis, extremamente quebradiças e sua pintura é feita a frio, o que não propicia a fixação. As universidades têm condições de ajudar na melhoria deste processo. Fiquei feliz pelo convite para este evento, que pode ser um divisor de águas. Precisamos de políticas públicas para dar apoio à cerâmica indígena. É necessária melhoria na fixação da pintura, na resistência da cerâmica, e auxílio na comercialização. No passado, as compras eram feitas a vista nas Casas do Artesão; hoje são feitas em consignação, o que eliminou a cerâmica indígena destes postos de venda. Não basta falar do nosso respeito às culturas indígenas, mas é necessário desenvolver ações que confiram mais condições de existência”.

A diretora-presidente da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, Mara Caseiro, agradeceu a parceria com o Iphan para a realização do evento e o empenho dos servidores, que têm trabalhado para fazer o melhor a cada dia para a sociedade sul-mato-grossense. “Temos um trabalho extenso a fazer no resgate da cultura indígena. No artesanato, a cerâmica Kadiwéu e a Terena são muito expressivas e estão na memória do sul-mato-grossense. Queremos fazer um levantamento buscando os traços característicos das nações indígenas e valorizar as identidades das demais etnias. Temos que respeitar os povos indígenas e saber a importância da identidade que a gente carrega, que todos os brasileiros carregam. Esta semana é um momento de comemoração e reflexão. Vamos celebrá-la com muito amor e carinho pelas comunidades indígenas de Mato Grosso do Sul”.

A subsecretária de Políticas Públicas para a População Indígena, Silvana Terena, manifesta seu orgulho de ser mulher e índia e estar na militância, protagonizando um cargo público: “Sou muito feliz de ter nascido numa família de pai e mãe indígena e de ser mulher e militante. Nasci com vontade de fazer a diferença e ocupo o primeiro espaço indígena na gestão de um governo. Nosso povo não gosta da conversa fiada, gosta da ação. Conseguimos ser respeitadas e vamos dar nossa contribuição e sairmos com mais aprendizado. O que fortalece a identidade de um povo é a cultura. Somos 79 aldeias no Estado, as lideranças vão, mas deixam o seu legado. Viva os povos indígenas!”

A Semana de Valorização do Patrimônio Cultural Indígena de Mato Grosso do Sul vai até o dia 20 de abril. Confira aqui a programação e participe!