29 de março de 2024
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Política

Violência contra indígenas impressiona políticos europeus

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Após dois dias no Estado e visitas em aldeias da etnia guarani-kaiowá,  parlamentares estrangeiros dizem que há genocídio e sérias violações de direitos humanos contra os povos indígenas

Um grupo de parlamentares europeus e brasileiros, lideranças de movimentos sociais e ONGs de defesa dos direitos humanos passou dois dias em terras sul-mato-grossenses com a missão de apurar a situação dos povos da etnia guarani-kaiowá no Estado. 

Depois de visitarem áreas ocupadas pelos índios em Caarapó, Aral Moreira e Amambai, palcos de ataques que culminaram na morte de índios, eles se reuniram nesta quarta-feira (8) com membros da Comissão de Desenvolvimento Agrário, Assuntos Indígenas e Quilombolas e da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado.

A comitiva foi composta por seis deputados do Parlamento Europeu, além do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal (CDHM), Padre João (PT/MG), dos deputados federais Zeca (PT/MS), Janete Capiberibe (PT/AP) e Edmilson Rodrigues (PSOL/PA), representantes do Senador João Capiberibe (PSB/AP), além dos deputados estaduais João Grandão (PT) e Pedro Kemp (PT) e lideranças do Conselho Indigenista Missionário e da ONG internacional UNPO (Organização das Nações e Povos Não Representados). 

De acordo com o português Francisco Assis, chefe da delegação, a iniciativa da visita ao Brasil se deu a partir de denúncias que chegaram ao Parlamento Europeu por parte de órgãos internacionais, como a Organização das Nações Unidas, sobre a violência e violação de direitos contra os povos guarani-kaiowá em Mato Grosso do Sul.

“Em novembro o Parlamento Europeu, que representa 28 países e é formado por 751 integrantes, aprovou uma resolução por ampla maioria condenando veementemente os atos de violência perpetrados contra as comunidades indígenas no Brasil e a situação que a população guarani-kaiowá enfrenta em termos de pobreza, violência e direitos humanos em Mato Grosso do Sul”, disse o parlamentar.

“Viemos aqui afim de conferir in loco essa situação toda e ficamos impressionados com o que vimos. A situação de violência contra os povos indígenas é o que o Brasil tem de pior e prejudica muito a imagem do País no exterior”, disse Assis, advertindo que a omissão e a falta de medidas urgentes de proteção aos direitos indígenas pode ter um impacto comercial negativo para o estado do Mato Grosso do Sul, sobretudo para as commodities do agronegócio.

“No Tratado Comercial com o Mercosul, o Parlamento Europeu pode até acrescentar determinadas cláusulas que restringem o comércio de produtos de países ou de produtores com situação de violência contra indígenas”, alertou.

Massacre

Segundo o deputado e presidente da CDHM, Padre João, as visitas serviram também para que a comissão chegasse a algumas conclusões. “Não há conflitos entre ruralistas e índios guarani-kaiowá. Há sim um massacre por parte dos ruralistas, pois a correlação de forças é muito desproporcional. Os pistoleiros andam fortemente armados, enquanto os indígenas mal tem arco e flecha. A quantidade de cápsulas de balas que eu vi em Caarapó é impressionante. E tudo com a conivência da Polícia Militar e da Polícia Federal e a morosidade do Governo Federal, que vem há anos sucateando a Funai”. 

Na visita às aldeias, os parlamentares europeus ouviram os relatos da mãe do cacique Nizio Gomes, morto em 2011 em Aral Moreira e cujo corpo jamais foi encontrado.

“Eles saíram “indignados” e “comovidos” com a situação dos guarani-kaiowá de Mato Grosso do Sul, os assassinatos e, principalmente, em relação ao sumiço de cadáveres, que aprofunda a dor da família”, afirmou. “O Nizio Gomes era uma grande liderança, uma referência para esse povo, mas sumiram com o cadáver. Não restou à família nem o direito de enterrar seu ente querido. Isso aprofunda a dor e também a indignação dos guarani-kaiowá”, declarou o deputado mineiro.

Para Fernando Burgés, coordenador da UNPO, a tendência de violência contra os indígenas no Mato Grosso do Sul tem “requintes de crueldade”.

"Por diversas vezes nos últimos anos, o povo guarani-kaiowá, em seu espírito de resistência, cansados de denunciar o processo de morte a que são submetidos, buscaram levar o seu grito a vários países e instâncias mundiais. Estiveram na ONU por várias vezes. Estiveram denunciando a situação na OEA, no Parlamento Europeu", disse o integrante do Secretariado Nacional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Egon Heck, que atuou durante mais de uma década no Mato Grosso do Sul.  

CPIs

A deputada estadual Mara Caseiro aproveitou a ocasião para entregar ao chefe da Delegação, Francisco Assis, uma cópia do relatório final da CPI do CIMI. A parlamentar voltou a alegar que não há genocídio contra os indígenas e que a maior causa de violência é do índio contra ele mesmo. O deputado Pedro Kemp encaminhou o documento do voto que fez em separado ao final da comissão, discordante dos demais membros da CPI, absolvendo o CIMI de qualquer tipo de manipulação dos indígenas em confrontos contra os ruralistas.

Na qualidade de presidente da CPI que investigou a Ação/Omissão do Estado do Mato Grosso do Sul entre 2000 e 2015, o deputado João Grandão entregou ao chefe da delegação uma cópia do resultado final da comissão, que isenta o poder público. No entanto, entregou também a cópia do voto  que fez em separado, publicado no Diário Oficial, no qual o parlamentar diz haver ação e omissão do Estado nos casos de violência contra os índios e faz 30 recomendações para diversas instâncias afim de que seja resolvida a situação.

PEC 132

Sobre o incentivo à ocupação do território sul-mato-grossense pelo Estado, em terras "antropologicamente indígenas", como citou Edmilson durante a reunião, os integrantes da CDHM acreditam que a solução está na aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 132 na Câmara. A proposta, que prevê a indenização dos fazendeiros pela terra nua - hoje proibida pela Constituição Federal - foi um dos assuntos tratados no encontro.

"Se ele tem que sair da terra indígena, o que nós defendemos? Que se aprove a PEC 132 na Câmara, que originalmente era PEC 71 no Senado, já está aprovada no Senado, é fácil aprovar ela na Câmara. Quem está impedindo a aprovação? Os próprios ruralistas, que não querem a expansão das terras indígenas", criticou Edmilson.

O deputado estadual Pedro Kemp (PT) também criticou a questão. "As terras ocupadas pelos índios foram vendidas, por isso estão tituladas. Houve incentivo por parte do governo para trazer pessoas de fora pra cá. Alguns defendem uma tese de que ampliar as terras indígenas vai prejudicar o desenvolvimento do Estado", afirmou.

"O Mato Grosso tem 14% do território com terras indígenas e a economia deles é mais pujante do que a nossa, que temos só 3%. Não é a demarcação que vai prejudicar a economia", explicou.

Após a reunião, a missão seguiu para Brasília, onde participa de outros encontros. Fazem parte da missão conjunta os deputados Francisco Assis (Portugal), chefe da delegação europeia, Marisa Matias (Portugal), Julie Ward (Reino Unido), Estefania Torres Martínez (Espanha), Lilith Verstrynge (França), Giuseppe Lo Monaco (Itália), Francesco Giorgi (Itália), Umberto Gambini (Itália), Fernando Burgés (Espanha) e Lukas Van Diermen (Holanda). Os eurodeputados Ignazio Corrao (Itália), Pier Antonio Panzeri (Itália) e Ramon Tremosa i Balcells (Espanha) foram representados por assessores.