20 de abril de 2024
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Porto Primavera: MS e SP arrastam pendenga há quase três décadas

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Idealizado e aprovado em 1980 no governo de Ernesto Geisel e posto em prática por outro general-presidente, João Batista e Figueiredo, o projeto da Hidrelétrica de Porto Primaverá é considerado a última grande obra do regime militar. O cronograma inicial previa seis anos de execução, mas esse prazo triplicou ao longo de oito interrupções por causa de má gestão e de complicações como o estouro de orçamentos e demandas ambientais. O custo original de US$ 1,4 bilhão acabou chegando a mais de US$ 10 bilhões.

Para produzir em 14 unidades geradoras 1.814 MW – o suficiente para abastecer cinco cidades do porte de Campinas (SP) – a obra aproveitou o potencial hídrico do Rio Paraná e formou um lago com 80% de seu volume em solo sulmatogrossense, onde foram inunados 225 mil hectares de terras economicamente ocupadas ou em condições de exploração em nove municípios sulmatogrosseses na divisa com São Paulo. Essa área, chamada de Varjão do Paraná, abrigava um dos mais importantes ecossistemas das Américas. O lago sepultou uma imensa reserva arqueológica. A inauguração da primeira unidade geradora aconteceu em 1988 e da 14ª em 2003.

Para formar o lago a Cesp precisou derrubar uma liminar solicitada à Justiça pelo Ministério Publico. Os impactos sociais, econômicos, culturais e históricos provocaram danos, alguns irreversíveis, de valor incalculável. Por causa desse impacto, Mato Groso do Sul exigiu indenização compensatória do governo paulista e teve respaldo do Ministério Público. Anaurilândia, Bataguassu, Batayporã, Brasilândia, Santa Rita do Pardo, Três Lagoas, Angélica, Ivinhema, Nova Andradina e Taquarussu, os municípios que tiveram parte de seu território alado e sofreram outros danos, ganharam, com o tempo, relativa atenção da empresa para negociar investimentos setoriais, basicamente nos setores de moradia, lazer, saúde, esporte e cultura, além de apoio à agricultura familiar.

No entanto, além das indenizações, a Cesp ainda viu acumular outros custos extras, como as obrigações de desembolso para reacomodar famílias que exploravam atividades como olarias e hortas, capturar exemplares da fauna – alguns em extinção, como a onça pintada, o logo guará, o jacaré do papo-amarelo – e cobrir os juros a que teria direito se aplicasse esses recursos no mercado financeiro. Centenas de famílias tiveram que mudar-se para cidades próximas, inclusive em terras paulistas.

Após as seguidas paralisações no projeto, o ministro Maílson da Nóbrega, titular da Fazenda e responsável pelas liberações de verbas no Governo do presidente José Sarney, comentou: “Essa obra é um manual de como não e deve lidar com o dinheiro publico”. Em 1995, o governador Mário Covas (PSDB), de São Paulo, mudou o nome do empreendimento, de Porto Primavera para Sérgio Motta, homenagem a um dos maiores articuladores políticos do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Desde o final dos anos 1980 e sobretudo em meados de 1990, Mato Grosso do Sul vem obtendo, a conta-gotas, esporádicos repasses da Cesp à guisa de compensação. Uma das saídas encontradas pelo Estado foi encontrada pela Assembleia Legislatva, por meio da criação de comissões especiais encarregadas de acompanhar as negociações. A comissão mais recente está instituída desde março passado, tendo como presidente o deputado estadual Amarildo Cruz (PT). E ele, mesmo confiante em bons resultados, e lembrando os avanços conquistados pela comissão anterior – presidida pelo deputado Akira Otsubo -, é incisivo: não há dinheiro que pague os prejuízos causados pela obra. “A Cesp, se prevalecerem justiça e direitos, será eterna devedora de nosso Estado, opina.