28 de março de 2024
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AMAZÔNIA

Fundo Amazônia não aprovou nenhum projeto em 2019

Pelo menos 54 propostas estão paradas aguardando análise técnica. Ministério do Meio Ambiente quer mudar aplicação dos recursos, mas depende de negociações com Noruega e Alemanha, principais doadores.

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Criado em 2008 para financiar projetos de redução do desmatamento, o Fundo Amazônia está paralisado em 2019. Nenhum projeto foi aprovado para financiamento neste ano. No mesmo período do ano passado, quatro haviam sido aprovados. Ao todo, 11 propostas foram apoiadas em 2018, com investimento total de R$ 191,19 milhões.

O Fundo Amazônia, que já captou R$ 3 bilhões em doações, financia projetos de estados, municípios e da iniciativa privada para o desenvolvimento sustentável da Amazônia Legal. Noruega e Alemanha contribuem juntas para mais de 90% do total do fundo, que é administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O impasse sobre o seu futuro se tornou público em maio, quando Ricardo Salles, titular do Ministério do Meio Ambiente, anunciou a intenção de alterar seu funcionamento e destinar recursos para indenizar proprietários de terras.

Os principais países doadores do fundo disseram, à época, que estavam satisfeitos com a gestão dele e com os resultados obtidos. No último sábado (10), diante do aumento do desmatamento no Brasil, a ministra do meio ambiente alemã, Svenja Schulze, disse que irá suspender o financiamento de R$ 150 milhões (35 milhões de euros) em projetos para a proteção da floresta e biodiversidade no país. É um dinheiro extra, que não é destinado aos projetos do fundo.

Em resposta, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o Brasil não precisa do dinheiro da Alemanha para preservar a Amazônia.

Paralisia desde fevereiro

ONGs relatam que a paralisia do Fundo Amazônia começou em fevereiro, quando funcionários do BNDES informaram que as análises técnicas de novos projetos seriam interrompidas para que fosse feito um "pente-fino" nos contratos anteriores, a pedido do ministro Salles.

Além disso, o BNDES informou ao G1 que  54 projetos em análise técnica atualmente. Alguns deles foram aprovados em dois editais concluídos em 2018, mas ainda não foram contratados, o que causa apreensão entre as organizações selecionadas. São ao menos R$ 350 milhões parados, que deveriam ser destinados a programas de aumento de produtividade de agricultores e recuperação da vegetação.

Outro indício da estagnação do fundo é a interrupção das atividades do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa). Responsável por estabelecer critérios para aplicação dos recursos a cada biênio, o conselho não se reúne desde novembro de 2018, apesar de haver previsão legal para que os encontros ocorram duas vezes por ano. Não foram definidas ainda as diretrizes e critérios que determinam como as verbas devem ser empregadas em 2019 e 2020.

Desde 30 de julho, o G1 tem pedido ao Ministério do Meio Ambiente, por e-mail e por telefone, para esclarecer alguns pontos sobre a paralisia dos projetos, mas não obteve resposta até as 10h desta segunda.

 

Projetos afetados

Entre as iniciativas aprovadas em edital ano passado e que até agora não foram assinadas e financiadas pelo Fundo Amazônia há projetos de geração de renda e de assistência técnica para agricultores em regiões carentes. É o caso da proposta feita pela ONG Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), que foca em estimular a agroecologia apoiando pequenas associações de produtores locais.

"Pode ser apoiado, por exemplo, um grupo de moradores que trabalha com a cadeia produtiva da castanha e quer aumentar a produção de maneira integrada à proteção da floresta", explica Eduardo Ditt, secretário executivo do IPÊ.

Também aprovado em edital no ano passado, o projeto da ONG Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) deve beneficiar 3 mil famílias oferecendo assistência técnica na cultura de cacau e açaí. O objetivo é aumentar a renda das comunidades e estimular a produção sustentável, que ajuda a preservar a floresta. "Em muitas áreas você pode ter gente morando, pode ter extrativismo, pode ter atividade econômica na floresta", diz André Guimarães, diretor executivo do Ipam.

"A ideia é justamente trabalhar com as pessoas e a agricultura, não é deixar a Amazônia como um santuário 100% intocado, sem ninguém", diz Guimarães, do Ipam.

 

Além de afetar as ONGs, que contavam com os recursos do Fundo Amazônia para o ano de 2019, a paralisia no fundo também prejudica os moradores da região amazônica, que são os principais beneficiários dos projetos, avalia Guimarães.

"Existe um misto de expectativa e frustração entre as famílias beneficiadas, porque eles já tiveram contato com um projeto financiado pelo Fundo Amazônia, e viram o resultado, mas agora esperam a continuidade", explica o diretor do Ipam. "Nas 3 mil famílias que trabalhamos nós conseguimos, em média, uma redução de 75% do desmatamento nos lotes que eles possuíam e um aumento de renda de 120%. Foram 5 anos com visitas semanais a essas famílias. E agora nada, porque o projeto novo está parado."

"Quanto maior é a demora pra fazer com que esses projetos aconteçam, mais tempo a gente perde para implantar ações que comprovadamente funcionam contra o desmatamento e na geração de renda", diz Ditt.

Em adição aos projetos de ONGs, também foram afetadas iniciativas estaduais e municipais. Estão parados recursos para ajudar proprietários rurais da região amazônica a se inscrever no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e obedecer ao Código Florestal, que estabelece a área verde que deve ser preservada em cada propriedade.

Um dos entes governamentais afetados é o governo do estado do Amazonas. A verba para o estado investir no CAR nos próximos três anos, de R$ 29,8 milhões, foi aprovada em 2018, mas ainda não saiu do caixa do BNDES.

Até o momento, com os repasses do Fundo Amazônia, foram inscritas 746 mil propriedades no CAR. Somadas, elas ocupam uma área equivalente ao território da Venezuela.

 

'Pente-fino' nos contratos

Em maio, o ministro Ricardo Salles disse que após um "pente-fino" nos contratos do Fundo Amazônia, teriam sido encontrados indícios de irregularidades nos serviços prestados por ONGs parceiras. Segundo o ministro, cerca de 30 contratos foram avaliados rigorosamente. No entanto, o ministério não divulgou o teor dos contratos ou o nome das ONGs envolvidas nos casos citados. Ao todo, 60 organizações sem fins lucrativos recebem recursos do Fundo Amazônia.

Apenas projetos de ONGS foram analisados na auditoria. Apesar disso, a maior parte dos recursos do Fundo Amazônia vai para instituições ligadas ao governo. Juntos, União, estados e municípios recebem R$ 1,113 bilhão dos R$ 1,860 bilhão contratados por meio do Fundo desde 2010, o que equivale a 60% do valor total do portfólio de projetos.

 

Em nota, o BNDES disse que não recebeu, até o final de julho, nenhum relatório, ofício ou comunicado formal do Ministério do Meio Ambiente sobre a conclusão da análise dos documentos disponibilizados pelo banco.

Segundo fontes ouvidas pelo G1, a análise pedida por Salles e parcialmente apresentada em maio teria dado início à estagnação no fundo. A equipe técnica e jurídica do BNDES responsável pelo Fundo Amazônia é pequena e, diante do pedido do ministério, teve que abandonar o processamento de novos projetos em detrimento do "pente-fino".

"Em fevereiro, a gente foi informado que eles [BNDES] iam ter que dar uma parada nas análises dos projetos aprovados em edital", relata Eduardo Ditt, secretário-executivo da IPÊ. "Isso foi em fevereiro. De lá para cá não tivemos mais notícias."

"Pelo que a gente sabe, está tudo parado [no Fundo Amazônia]. A equipe responsável no BNDES está focada em produzir informações para o Ministério do Meio Ambiente, e todo o resto está parado", diz André Guimarães, diretor executivo do IPAM.

 

Defesa do trabalho do BNDES

Em carta assinada por 51 integrantes e ex-integrantes da equipe técnica e jurídica do Fundo Amazônia, funcionários do BNDES criticaram os indícios de irregularidades levantados por Salles.

"O Fundo Amazônia é um dos mecanismos financeiros mais controlados e auditados do país e nenhuma das auditorias ou avaliações já feitas, inclusive a recentemente realizada pelo TCU, indicou qualquer tipo de irregularidade na gestão do Fundo", afirma o grupo em carta aberta.

Os responsáveis pelos projetos de ONGs apoiadas pelo Fundo Amazônia acreditam que a equipe do BNDES está disposta a ajudar, mas fica engessada pelas determinações do Ministério do Meio Ambiente.

"A gente percebe um engajamento forte da equipe do BNDES, eles realmente querem que aconteça, os técnicos, as pessoas que interagem com a gente. Por parte deles, a gente percebe realmente um desejo de ver os projetos saírem do papel", diz Eduardo Ditt, do IPÊ.

 

Importância da Amazônia

Sendo a maior floresta tropical do mundo, a Amazônia tem papel importante na redução das mudanças climáticas. No caso do Brasil, desmatamento e agricultura, entre outros usos da terra, são os principais emissores de gás carbônico, que tem sido o maior responsável pelo aumento da temperatura do mundo. Por isso, o investimento em preservação da floresta é a grande meta brasileira dentro do Acordo de Paris.

 

Outros países que integram o acordo têm como objetivo investir em projetos de preservação com grande impacto no planeta. É o que fazem Alemanha e Noruega. O dinheiro aportado por eles no Fundo Amazônia não tem gera retorno econômico a esses países e visa apenas a preservação ambiental.

Além de manter o clima, a Amazônia tem plantas e animais que são base para a fabricação de alimentos e medicamentos. Povos indígenas e outros grupos que vivem no local aperfeiçoam o uso de produtos naturais.

Indicadores do fundo

Um dos indicadores selecionados para medir a evolução do objetivo geral do fundo foi o índice de "Desmatamento anual na Amazônia Legal", feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O fundo tem como meta reduzir a taxa de desmatamento anual da Amazônia Legal a 3.925 quilômetros quadrados até 2020.

O segundo indicador selecionado para medir a evolução do Fundo Amazônia é a participação do Produto Interno Bruto (PIB) dos estados da Amazônia Legal em relação ao PIB brasileiro.