29 de março de 2024
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Racismo

Guardas entregam ator vítima de assalto para ser espancado por assaltantes por ele ser negro

"Eu sou só um ator, um ‘vagabundo’, que passa dia e noite tentando manter minha dignidade..."

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O ator Diogo Cintra foi espancado próximo ao Terminal de Ônibus Parque Dom Pedro 2º, no centro de São Paulo, na quarta (15), após sofrer tentativa de assalto e pedir ajuda aos seguranças do local. Em nota, a SPTrans afirma que apura o caso e, comprovada as agressões e o racismo, punirá os envolvidos.

De acordo com o relato do artista, publicado em sua página no Facebook, tudo ocorreu após ter sido abordado por dois bandidos, próximo às 5h. Na noite anterior, ele havia atuado no espetáculo “O Inferno do Velho Buk”, no Karaokê Augusta, onde está em cartaz até 12 de dezembro, sempre às terças, 21h.

Diogo é negro, e ao perceber a aproximação dos assaltantes, que queriam seu celular e seu dinheiro, reagiu e correu, acreditando que teria segurança ao se abrigar no terminal.

“Chegando lá, ainda sendo perseguido, eu tentei pedir ajuda pra uma segurança, que virou pra mim e disse: ‘Meu, só corre. Sai daqui’. Eu corri pra pedir ajuda pra outros seguranças que estavam lá. E aí os mesmos homens que me abordaram poucos minutos antes, apareceram – agora em maior número – dizendo que era eu que tinha roubado eles. Os seguranças acreditaram neles sem pensar duas vezes e aí começaram a me segurar com força e violência”, conta Diogo.

Segurança mandou o ator negro calar a boca e o entregou para os bandidos

“Eu gritava, tentando argumentar com os caras, dizendo que o celular que eu tinha no bolso era meu e que eu não tinha roubado”, lembra. “Tentei provar isso mostrando o conteúdo que havia no aparelho, mas ele estava descarregado. Mas sempre que eu tentava falar algo, o segurança me mandava calar a boca”, recorda.

Segundo o relato do artista, “assumindo logo de cara que eu era o culpado”, o segurança o “entregou pros caras, que me arrastaram para fora da estação, e lá do lado de fora eu fui espancado por eles”.

“O segurança chegou a perguntar o que eles iam fazer comigo, e disseram que iam me levar pro ‘rio’. Apavorado com o que poderiam fazer comigo, entrei em desespero e comecei a me debater. Quando consegui me soltar, saí correndo, mas os caras tinham três cachorros com eles. Eu fui atacado pelos cães”, conta Diogo.

Segundo o relato do ator, a violência só parou porque uma mulher amiga dos bandidos pediu misericórdia. O ator foi para a casa de um amigo, que o levou ao hospital, onde seus ferimentos foram cuidados.

Vítima do racismo institucional

Diogo Cintra é mais uma vítima do racismo institucional e estrutural do Brasil.

“Por pouco, eu não fui morto por uma injustiça e por conta de um ato racista. Racista, porque eu sou negro e estava simplesmente andando de madrugada. Racista porque ninguém naquela noite acreditou em mim, e além de ser assaltado, fui sentenciado por pessoas que nem quiseram me ouvir falar. Por que diabos automaticamente o segurança assumiu que eu era o bandido e que os outros caras estavam falando a verdade? E o pior, o segurança também era negro. O que diabos levou a ele a não sentir sequer o mínimo de empatia por mim? Por que ele não chamou a polícia para resolver a situação, ao invés de simplesmente me enxergar como um bandido e me entregar pros cães?”, questiona o ator.

“Eu sou só um ator, um ‘vagabundo’, que passa dia e noite tentando manter minha dignidade, ganhando meu dinheirinho e fazendo o que eu posso através da arte. Eu inclusive participei recentemente de uma peça de teatro voltada ao público escolar para falar do quanto negros como eu são sentenciados à morte no nosso país, culpados por crimes simplesmente por serem negros. O racismo mata todos os dias! […] Quantos Diogos ainda vão ter que passar por isso?”, pegunta o ator Diogo Cintra.

Outro lado

Ator Diogo Cintra. Foto: Divulgação/Assessoria

Procurada pelo Blog do Arcanjo do UOL, a Prefeitura de São Paulo, responsável pelo Terminal Parque Dom Pedro 2º, enviou a seguinte nota, por meio da assessoria da SPTrans:

“Ao tomar conhecimento da ocorrência, a São Paulo Transporte (SPTrans) solicitou esclarecimento à SPURBANUS, responsável pela administração do Terminal Parque Dom Pedro II, e vai colaborar com as autoridades para elucidar os fatos.

A SPTrans repudia quaisquer atos de agressões e racismo e, se comprovadas as denúncias, solicitará o afastamento imediato dos envolvidos.”

“Estou muito emocionado e espero ajudar muitos irmãos”, diz ator Diogo Cintra. 

Ao sentir a forte repercussão do caso, Diogo Cintra postou a seguinte mensagem em sua rede social:

“Gente, peço perdão por não responder a muitos comentários de amigos e todos que se solidarizaram com o ocorrido, estou resolvendo na medida do possível essa situação, estou muito emocionado em ver muita gente preocupado comigo e com o ocorrido, espero poder estar ajudando muitos irmãos que já passaram por isso, espero que pelo menos um pouco esse modo de ver nosso povo, porque não queremos só viver de direitos, mas poder viver bem sem se preocupar que roupa vestir para não ser enquadrado ou espancado na rua. Muito obrigado pelo carinho gente!”