28 de março de 2024
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Crônicas do Brasil por Alberto Leonel de Paula e Manna

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FLAMENGO  VENDE  ZIZINHO  AO  BANGU, O  MAIS  CARO JOGADOR  DO  BRASIL
As manchetes da imprensa brasileira estavam ocupadas, em março de 1950,   com o rumoroso caso da transferência, do Flamengo para o Bangu, de Tomás Soares da Silva, o ZIZINHO.
O mais famoso jogador brasileiro pressionava  para sua transferência, ameaçando transferi-se ao  futebol Colombiano, indo juntar-se a Heleno, Ari e outros.
Segundo o Jornal de Uberaba, LAVOURA E COMÉRCIO, de 15 de março de 1950, o sr. Dario de Melo Pinto, Presidente do Flamengo, resolveu por um fim à situação, uma vez que o clube estava na iminência de perder seu mais famoso jogador e sem receber um 'níquel' pelo seu 'passe'.
Procurou os dirigentes do Bangu e realizou a transação por um milhão de cruzeiros, cifra recorde no profissionalismo nacional e continental.
O GANHO DE ZIZINHO
Com a transferência, o Bangu se comprometeu a pagar a Zizinho 200 mil cruzeiros de 'luvas' e mais uma casa de retalhos em Niterói-RJ.
Garantiu o ordenado mensal de Cr$ 14.000,00, fora os " bichos " correspondentes aos jogos ganhos.
A negociação estava concluída.
Pouco mais de dois meses antes de se iniciar  a Copa do Mundo no Brasil, estava assegurada a participação do mais perfeito atacante em sua posição, no selecionado nacional.
REPRESENTANTES DE CAMPINA VERDE-MG NA COPA DE 1950
Enquanto isso,  os irmãos Manoel da Costa Faria, o Neneco e Francisco da Costa Faria, o Chiquito Faria, nascidos em Campina Verde, no Triângulo Mineiro, queriam assistir à Copa do Mundo no Maracanã, maior Estádio de Futebol do mundo.
Não conheciam a Capital do Brasil e, mineiros do interior, estavam curiosos para provar se a água do mar era, de fato, salgada. Neneco, flamenguista fanático, já falecido e Chiquito Faria,  que contou toda essa história, ao lado de seu sobrinho Heleno Faria,   vascaíno doente, residente em sua cidade natal, com cerca de 94 anos, armavam seus planos.
Neneco estava  inconformado e triste com a saída de Zizinho do seu Flamengo, mas poderia vê-lo na Seleção.
Combinaram os dois:
   -   " Vamos à Copa, Chiquito ? "
   -   " Ora, Neneco, com que dinheiro ? "
Filhos de Fazendeiro, mas, com seus mais de 20 anos, teriam que ganhar o  suficiente para as despesas rumo ao Rio de Janeiro.
Que sorte !
O Fazendeiro Dimas Justino os contratou para conduzir uma boiada de 1.000 cabeças, que deviam ser entregues em Pereira Barreto, Estado de São Paulo, em Fazenda da Família Borges, grandes invernistas de bois.
E o ganho daria para realizarem seu sonho: presenciar os jogos do Brasil no Estádio do Maracanã, ver o Brasil ser Campeão do Mundo !
CONCLUSÃO DO NEGÓCIO
Ao conferirem os bois, encerrados em curral não muito seguro, apuraram a quantia de 1.111 cabeças.
E o negócio anteriormente conversado era de 1.000 bois.
Dimas Justino queria o mesmo preço pedido, para os 1.111 bois.
Zequinha Faria, o irmão mais velho e experiente, ali presente, aconselhou Dimas Justino  a aceitar preço menor nos 111 bois, porque, se não, o negócio não sairia.
   -   " Mas, se apartar, os 111 são refugos da boiada ", questionou o Sr. José Elias dos Santos, conhecido por Zé Major, intermediário e representante dos compradores.
   -   " Concordo em levar os 111 bois, sem apartar, mas por um preço menor ", concluiu Zé Major, pois  verificou que o curral não suportaria uma nova apartação, com grande risco de se perder o serviço e atrasar a viagem.
   -   " Negócio fechado ", concluiu Dimas Justino.
E se deram as mãos.
Acertados os detalhes de preço  e  reunida a turma de encarregados,  peões e cozinheiro,  - 1 peão para cada 100 bois - ,  ficaram 'a postos' para a partida.
Os três experientes cães faziam parte da comitiva: 'Sultão', 'Boca Preta' e 'Tigre'.
ORDEM DE PARTIDA
No dia seguinte, ainda no escuro, Chiquito Faria mandou reunir  a tropa e 'formar', para que cada um dos 11 cavaleiros pudesse jogar o 'buçal' em seu animal escolhido.
Rédea, carona, baixeiros, arreio, pelego, alguns metros de correia de couro cru para 'maneio' e baldrana compunham a 'arreata', além, é claro, do laço, um par de esporas, a capa de chuva e o chapéu firme na cabeça.
   -   " Pode soltar, Chiquito ? ",  grita  Neneco lá na frente, junto ao 'ponteiro', com o berrante em posição.
   -   " Pode dar a partida. Cuidado com o curral, que é fraco ", responde Chiquito Faria.
De  'madrugadinha', no momento em que conseguiram enxergar os bois para a última conferida, saiu vagarosamente a boiada.
O som do 'berrante' deu o sinal e a 'comitiva'  iniciava a primeira 'marcha'.
A tropa reserva,  os burros de carga carregando as 'broacas' e  a carroça com os 'precisos' para o 'arroz carreteiro' e a 'boia' em geral,  iam à frente do peão 'ponteiro',  ao som de dois ou três 'cincerros',  pendurados ao pescoço dos animais já 'amansados' para tal finalidade.
Atentos a toda a movimentação da boiada, principalmente os peões da 'culatra', cuidavam para que não ficasse nenhum boi de 'arribada'.
Os ruidosos estalos dos chicotes faziam voltar ao seu lugar algum boi 'malandro', com a ajuda do 'Sultão' e os mantinham todos atentos no 'estradão'.
A boiada partiu da Fazenda, próximo à Serra do Dimas, para uma viagem em torno de vinte ' marchas '.
A conhecida "SERRA DO DIMAS", de triste lembrança para os Campinaverdenses, localiza-se na Rodovia denominada "São Paulo-Cuiabá".
Foi ali que se acidentou e faleceu o ex-Prefeito Orlando Paula, pessoa muito querida e de família tradicional de Campina Verde.
Viagem tranquila.
POUSO DE BOIADA
Atravessaram o Rio Grande para o Estado de São Paulo, próximo à cidade mineira de "FRONTEIRA", rumo a Pereira Barreto.
Ali realizaram um dos 20 'pousos' em currais seguros.
Aguada boa, para o gado beber a vontade, com o caminhar previamente calculado para a chegada antes do anoitecer.
E a peonada já estava ansiosa pela 'noitada' que teriam junto à " Casa das Mulheres ".
Estas  poderiam também 'faturar', pois tinham ótimos argumentos para limpar o bolso da turma.
Neneco e Chiquito, experientes, liberavam apenas alguns 'trocados', parte dos 'haveres', para a gastança.
No outro dia, tinham que ser pontuais para merecerem nova 'cachaçada'.
O 'embornal' com alguma miudeza, a 'guampa' que serviria, além da água, para tomar, de vez em quando, um 'golinho' de pinga, guardada no 'corote', iam pendurados ao 'arreio'.
Escuro ainda, o cozinheiro já servia o 'carreteiro' com dois ovos fritos e 'pé na estrada'.
Boiada conferida.
   -   " Vem, vem, vem ", chama o 'ponteiro' para mais uma 'marcha' !
Enfim, chegaram ao destino.
Boiada conferida, tudo dentro do que foi planejado e combinado, pois, Neneco e Chiquito Faria eram os melhores, os mais experientes nesse tipo de trabalho.
Restava somente conferir a 'grana', justo e merecido pagamento pelo serviço prestado, sem nenhuma 'arribada' que exigisse a 'recoluta'.
E  guardaram o dinheiro na 'guaiaca' de couro, com todo cuidado, para o regresso a Campina Verde.
Deu tudo certo.
RUMO AO MARACANÃ
A moçada de Campina Verde morria de inveja dos dois caboclos que arrumavam as malas e iam ver o Brasil ser 'Campeão do Mundo'!
De Campina Verde ao Rio de Janeiro, pegaram cavalo, 'jardineira', trem de ferro e 'bonde'.
Enfim, chegaram à então Capital do Brasil.
Nosso país contava, nesse tempo, com 52 milhões de habitantes.
Sinalizaram para o 'bonde' que seguia  pela Avenida pertinho daquele 'marão',  que os mineiros ainda não conheciam,  rumo ao Maracanã.
Os dois irmãos deram uma 'descidinha' na praia de Copacabana e correram para provar se a água do mar era mesmo salgada.
   -   " Não é que é verdade, Neneco ? "
   '   " É mesmo, sô ! ", confirma Chiquito, com uma rápida cospida.
Tomaram, novamente, o 'bonde'.
De repente,  enxergaram na calçada da Avenida, nada menos que o Campinaverdense, parente, estudante de medicina, Edmur Nunes da Silva, que se tornaria um dos grandes médicos do Município.
Desceram do ' bonde '  e foi aquela festa !
Mais um companheiro para ver o Brasil ser Campeão do Mundo !
A última Copa fora conquistada pela Itália em 1938, pois, a Segunda Guerra Mundial, que matou 100 milhões de pessoas, não permitiu sua realização em 1942 e 1946.
A Argentina, que desejava realizar a Copa em seu país, boicotou o evento, e se negou a participar.
Com outras desistências, iniciou-se com apenas 13 países participantes.
A Taça Jules Rimet, de posse da Itália, chegou ao Brasil de navio e foi entregue à CBD, ( depois substituída pela atual CBF ).
A abertura da Copa se deu pelo então Presidente Eurico Gaspar Dutra, ao som de Bandas de Música, quando foram soltas cerca de 5.000 pombas.
E as vitórias de nossa Seleção foram se sucedendo !
Na Suécia, 7 a 1, e 6 a 1 na Espanha.
Neneco vibrando com os gols de Zizinho.
As goleadas !
O Brasil inteiro preparado para comemorar o título !
FINAL DA COPA: BRASIL x URUGUAI
Chegou a Final contra o Uruguai !
O tão esperado 16 de julho de 1950 !
Seria a primeira vez que as camisas dos jogadores levariam números nas costas.
Chiquito Faria, já enturmado na torcida, fazia  sua aposta:
   -   " 4 a 0 para o Brasil ! "
Início de jogo, Brasil faz o primeiro gol !
   -   "Vai ser de goleada ", grita Neneco.
Edmur, de pouca conversa, mas confirmou:
   -   " Goleada !"
Não passou muito tempo, aos 26 minutos do primeiro tempo, o Uruguai empata com Schiafino !
   -   " Ai, que frio na barriga ! ", cochicha o Chiquito.
   -   " Ainda bem que, com o empate, o Brasil é Campeão," explicou o torcedor mais próximo .
Aos 36 minutos do segundo tempo, 9 minutos para o final, a casa caiu !
Gol do Uruguai !
Gol de Ghiggia !
O Uruguai fez 2 a 1 !
Silêncio ensurdecedor toma conta do Maracanã !
Deu tremedeira no time brasileiro, incapacitado de reagir, no tempo que restava !
O juiz apita, final de jogo !
O Brasil perdeu a Copa !
O Uruguai é o Campeão do Mundo !
Choradeira geral !
Final do Jogo, cadê o Edmur ?!
   -   " Chiquito, ele se vira...,  vamos embora ! ", exclamou engasgado o Neneco.
E o Neneco puxou a fila, de cabeça baixa, iniciando o retorno a Campina Verde.
Qual nada, já foram direto para a Fazenda do Pai, esconder seu desapontamento, prometendo nunca mais irem ao Maracanã !
...  e o sonho acabou ... Alberto Leonel de Paula e Manna, Especial para o MS Notícias