25 de abril de 2024
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Hotel onde Mario Zan escreveu "Chalana" é revitalizado em Corumbá

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“Lá vai uma chalana/Bem longe se vai/Navegando no remanso/Do rio Paraguai/Ah! Chalana sem querer/Tu aumentas minha dor/Nessas águas tão serenas/Vai levando meu amor”.

Contam-se nos dedos as pessoas que moram em Mato Grosso do Sul e não cantarolam a música que embala esses versos. “Chalana” é uma das obras mais conhecidas e cantadas do cancioneiro popular brasileiro. A ela, é atribuída a gênese da fusão entre as partituras regionalistas do Brasil e do Paraguai. E poucos sabem também que o parto melódico aconteceu na fronteira com a Bolívia, em Corumbá, no Hotel São Bento, onde se hospedara o acordeonista ítalo-brasileiro Mário Zan.

Quando o músico instalou-se naquele hotel, em 1946, durante uma excursão, o prédio, construído em 1907 por um italiano, ainda guardava traços vigorosos de sua arquitetura de época. O desenho de pilares e colunas, a pintura e a angulação estratégica – na esquina da Frei Mariano com a General Rondon, duas vias de lajotas na descida para o Rio Paraguai – revelava influências estéticas diferentes, com leituras ortodoxas  do barroco, transitando por riscos neoclássicos e do art-nouveau. Influências multicontinentais, principalmente européias, eram conduzidas por navios que faziam daquela cidade portuária um centro de difusão cultural das mais universalistas.

Com o tempo e a falta de cuidados adequados, o rico mapa arquitetônico de Corumbá, que tem como ponto de referência o Casario do Porto, sofreu dura descaracterização. O São Bento, que passou a chamar-se Hotel Galileu, também foi fisicamente castigado. Perdeu a cor e passou a ser um endereço, apenas, cultuado nas lembranças dos mais velhos.

Só agora, na segunda década do Século 21, o centenário edifício ganha um fôlego renovado. Não a restauração arquitetônica plena. Mas uma importante sobrevida. Por meio de uma parceria entre a Prefeitura e duas empresas de tintas, o Galileu respira diferente no charme de uma pintura nova, renovadora. Quem não consegue aquilatar a dimensão da história, vai achar que é muito pouco. Ou nada. Porém, o reencontro com vestígios do que era dá à cidade uma sensação grata de começar a entender o que é e o que poderá ser. Não é apenas uma história que se está preservando. É a identidade cultural de uma civilização que se manifesta, como se quisesse proclamar: “Eu estou viva”!

ÁGUAS SERENAS – No “S” das curvas do Rio Paraguai - que servem de moldura às barrancas de tantos amores, sagas , encontros, despedidas – Mário João Zandomeneghi viu o avanço lento da chalana que se distanciava do porto deixando e levando sonhos e saudades. Ele estava numa das janelas do hotel. Alguns contam que ele chorava a partida de uma moça, passageira da embarcação naquele dia. Outros garantem que a imagem da chalana sumindo ao avançar rio afora simbolizava despedida e distância.

Mário Zan estava saudoso e melancólico. Havia deixado sua família em São Paulo para fazer aquela excursão caça-níquel. Com a proibição dos jogos de azar pelo presidente Eurico Dutra, cassinos foram  fechados e os músicos perderam uma de suas principais fontes de sustento. Tinham contratos garantidos para se apresentar nas casas de jogo. Ele era um exímio acordeonista. Para não passar fome, topou juntar-se a meia dúzia de músicos e cantores para viajar pelo Sudeste e Centro-Oeste. Chegou em Corumbá desembarcando de trem em Porto Esperança e continuando de navio até o destino.

A música foi composta por Mário Zan, para acordeon, em 1946, mas Arlindo Pinto só foi escrever a letra em 1954. Nascido em Veneza, na Itália, no dia nove de outubro de 1920, Morreu em oito de novembro de 2006, aos 86 anos. Fez centenas de músicas e várias delas exaltando belezas e coisas regionais. Não se tem conta de quantos artistas gravaram “Chalana”. Mas esta é uma das músicas que todo mundo canta.

Edson Moraes,