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Economia

Como os planos de desestatização da Eletrobras afetam o investidor

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A MP 1.031, de 23 de fevereiro de 2021, que trata da desestatização da Eletrobras, é um tema bastante complexo. Já passou o prazo das emendas e foram 570 no total. O prazo para seguir todo o trâmite pode levar até oito meses. Mas pode ser bastante longo.

Isso vai depender muito do trâmite e do interesse de celeridade da relatoria, pois as discussões das emendas passam pelo Congresso. Mas sabemos que no Congresso há muitos interesses. É complicado. É mexer no vespeiro.

Um dos pontos importantes dessa MP é a cotização das usinas. Foi aquela que a presidente Dilma Rousseff fez. Aquelas usinas que já estavam depreciadas, acabado o tempo da concessão, tiveram seus contratos renovadas automaticamente, mas com uma tarifa muito baixa. A tal modicidade tarifária tão alardeada por Dilma. Então, basicamente, relacionada ao valor dos ativos depreciados, depois de 25 a 30 anos.

Isso gerou uma tarifa entre R$ 40 a R$ 60 por MWh. O propósito dela foi baixar a tarifa com uma canetada. Essa tarifa não permite nenhum investimento adicional e apenas cobre os custos. A conta chegou. Falta energia por falta de investimentos, situação que só não está pior pela recessão causada pela pandemia.

Hoje, os novos contratos, mesmo passando a leilão, têm margem de 80%, ou margem EBITDA, que é o lucro sem as depreciações sobre a receita ou receita autorizada. Isso para cobrir o investimento e dar o retorno determinado na concessão, que é o WACC, custo médio do capital, ponderado entre dívida e capital acionista. O mesmo princípio do EVA (sigla em inglês que significa valor econômico adicionado ou criado) que é a ferramenta de avaliação das empresas que utilizamos na Trígono. E a tarifa será determinada dessa forma.

Tem de ser um preço para viabilizar todo o equacionamento do investimento, da dívida, dos juros e proporcionar um retorno para o acionista, mas ainda para viabilizar os investimentos necessários para manter as usinas em perfeito funcionamento. Como as turbinas e os equipamentos se desgastam, há a necessidade de investimento constante para manter em operação em perfeito estado de manutenção.

Assim, podemos dizer que essas 15 usinas seriam relicitadas. Haveria um novo valor de mercado. Seria o que se cobra hoje, como se fosse uma usina nova, mas com custo de reposição e de remuneração ao acionista. Isso vai trazer, obviamente, maior valor/custo de energia, onerando as tarifas. Porém, corrige uma distorção e traz capacidade de reinvestimento nas usinas. Estando essas usinas debaixo da Eletrobrás, há aumento de valor da holding.

A Eletrobrás é uma holding com várias subsidiárias e essas usinas estão debaixo dessas subsidiárias. Por exemplo, em Furnas no Sudeste, Eletronorte com a usina de Tucuruí, na CHESF na bacia do Rio São Francisco. No meu ponto de vista, a medida é correta. Principalmente porque vai trazer capacidade de reinvestimento.

Não adianta cobrar energia muito barata, como foi feito no passado, e não ter novos investimento, ocasionando possível falta de energia, como o racionamento que tivemos em 2001, ou seja, a energia que não existe é mais cara.

Os consumidores tiveram de reduzir o consumo de energia em 20% entre julho de 2001 e fevereiro de 2002, no episódio conhecido como crise do Apagão, que dizem ajudou na eleição do Lula em 2002. Sem investimentos, poderá haver déficit na oferta e o custo de energia que existe no mercado livre deverá aumentar muito de preço. Então, a conta final é elevada e os consumidores acabam pagando. Já vimos esse filme antes. Só não tivemos um colapso ano passado e neste ano por causa da recessão causada pela pandemia de covid-19. No entanto, os investimentos demoram, de 2 a 5 anos, dependendo do tipo de fonte de energia, licenças ambientais, leilões, construção, e comissionamento da produção.

Além disso, o governo espera vender novas ações da Eletrobrás, capitalizar num valor próximo de R$ 25 bilhões. Metade desse valor seria usado na redução da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um tipo de subsídio cruzado que acaba sendo pago por todo mundo.

Estaria desonerando parcialmente o custo da energia com os recursos não só do novo capital como também de novas concessões. Então, o propósito em contrapartida da arrecadação dessa outorga e até da capitalização da Eletrobrás, seria reduzir esses subsídios denominados CDE e o custo do consumidor final, notadamente a indústria.

Você viu?

Outro ponto importante são os entulhos dentro da Eletrobrás. Se podemos chamar assim, por exemplo, a questão dos empréstimos compulsórios. Na primeira quinzena de março, houve um novo julgamento no STF. Então, lembrando, eram empréstimos que os consumidores faziam à Eletrobrás, que seriam remunerados (devolvidos) com juros de 6% ao ano e com esses recursos a Eletrobrás realizou seus investimentos através das subsidiárias. Esse período foi estendido, na realidade, de 1973 até 1995.

Só que houve inflação, uma série de planos econômicos no caminho e a Eletrobrás não considerou esses custos adicionais, inflacionários. Ela calculou como se fosse apenas 6% ao ano em encargos. Em 1995, ela também determinou que o pagamento seria feito em ações. Então, essa dívida seria calculada, capitalizada, em vez de devolver em dinheiro, devolveria em ações. Isso não aconteceu, nem houve a conversão das ações, nem o cálculo correto. Isso já se estendeu por 26 anos, com muita discussão. A Eletrobrás pagou aqueles 6% de juros que ela realmente reconhecia, ou o incontroverso, mas a correção monetária relacionada à inflação e os cálculos são os pontos de discussão.

Cada empresa tinha que fazer sua peritagem, calcular o valor de consumo, quanto foi emprestado para a Eletrobrás mais os juros. Então, a Eletrobrás acabou pagando em dinheiro e para certas companhias que entraram judicialmente, isso aconteceu. E a parte controversa é essa conversão e a forma como seria pago. Então isso ainda não terminou.

E, como todos os julgamentos têm sido desfavoráveis para a Eletrobrás, ela acaba solicitando que o pagamento desses encargos seja da União, transferindo para a sua controladora (e todos nós contribuintes) as suas obrigações. Mas o Judiciário não tem atendido a essas requisições da Eletrobrás. Então, de fato, terão de ser calculados esses encargos e feita a devolução e se será feita em ações.

Conversamos com empresas sobre esses créditos e cada uma calcula de uma forma diferente. Existem entendimentos jurídicos diferentes dependendo dos escritórios de advocacia de seus peritos. Então, de uma forma geral, as companhias já disseram que, ao receber em ações, elas serão vendidas, caixa extra em momento tão necessário.

Imagine, é difícil dizer, R$ 15 bilhões, R$ 20 bilhões, sabe-se lá qual o valor, sendo despejados no mercado que corresponde basicamente a conversão dos empréstimos compulsórios pelo valor patrimonial das ações da Eletrobras. E, em qual classe, pois existem ações ON e PN.

Além disso, existem esses R$ 25 bilhões que a Eletrobrás pretende levantar, dinheiro novo, para se capitalizar. Uma enxurrada de empresas que receberam essas ações da Eletrobrás poderá ir ao mercado vende-las, oriundas dos compulsórios. Mas quando? Então, poderá haver uma grande diluição dos acionistas da Eletrobrás, inclusive da própria União e desses novos acionistas que estariam adquirindo essas ações na capitalização almejada, caso a conversão dos compulsórios ocorra depois da capitalização.

Mas o que ocorrerá primeiro? Imagino que a capitalização só será possível após o total equacionamento da questão dos empréstimos compulsórios. Ou seja, imagino que isso não será possível enquanto não resolver esses compulsórios que não se sabe exatamente quais são os valores e quando serão equacionados definitivamente. Não se sabe o tamanho ou quantidade de ações que serão emitidas.

Tudo isso vai determinar o valor patrimonial da Eletrobrás e o valor das ações que serão emitidas no aumento de capital, ou follow on, em que os investidores farão suas propostas de volume e preço dentro de uma faixa indicativa que provavelmente o BNDES e/ou bancos de investimentos indicarão. Hoje as ações são negociadas aproximadamente 25% abaixo do patrimonial.

Imagine agora com a grande quantidade de ações novas oriundas da conversão pelo valor patrimonial. Mas também, ao mesmo tempo, aumenta a quantidade de ações. Essa conta terá de ser feita para saber qual será o valor da companhia e dado que haverá uma grande diluição de todos os acionistas pela nova quantidade de ações a serem emitidas.

Então é mais um complicador. Imagine a conta que tem de ser feita dessas novas outorgas, o valor que isso vai gerar, qual será o valor dessa conta de energia. São contas muito complexas e, para o investidor, muito difíceis de serem feitas. Eu fico em dúvida sobre o interesse do mercado em investir R$ 25 bilhões em Eletrobrás com tantas opções disponíveis no mercado.

Relacionada a essa questão, que vou abordar em próxima coluna, está o destino de Itaipu Nacional e Eletronuclear, hoje vinculadas à Eletrobrás, e a respeito disso, nessa desestatização da Eletrobrás, haveria a separação, segregação desses investimentos.