18 de abril de 2024
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Economia

Plano de Guedes contra o desemprego é superficial e ineficaz, diz especialista

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Ministro da Economia, Paulo Guedes propõe bônus a desempregados que fizerem cursos de capacitação
Alan Santos/Presidência da República
Ministro da Economia, Paulo Guedes propõe bônus a desempregados que fizerem cursos de capacitação

O ministro da Economia, Paulo Guedes , anunciou em entrevista ao jornal O GLOBO o projeto de criação de um novo programa contra o desemprego . A medida, batizada de Bônus de Inclusão Produtiva (BIP) , pretende qualificar e treinar principalmente jovens que nem estudam nem trabalham, os chamados nem-nem, para incluí-los ao mercado de trabalho. Para especialista ouvido pelo iG, porém, a medida não passa de um plano superficial, que não foca no real problema: a falta de oportunidade e acessos à educação e serviços públicos.

O advogado trabalhista Gabriel Pacheco enxerga que o problema não são as leis trabalhistas, como aponta o ministro da Economia. Segundo o especialista, o problema está no ensino básico que é oferecido a esse jovem.

"O quê, na legislação atual, impede o jovem de ser contratado? O fato do empregador ter de lhe pagar salário, férias, décimo terceiro, FGTS? Ou é a falta de preparo e qualificação desse jovem?", questiona. Para o governo, de acordo com a fala de Guedes, o jovem é "vítima da nossa legislação trabalhista ".

Segundo o advogado entrevistado pelo iG, o plano de bônus a jovens desempregados não passa de uma medida que pensa no curto prazo, em reduzir o  desemprego temporariamente para melhorar a imagem do governo.

"Não é papel do Estado ensinar o jovem a trabalhar. O papel do Estado é dar educação para que o jovem tenha condições de aprender a profissão. Essa medida de incentivar o jovem oferecendo 'dinheiro', com o intuito de melhorar a qualificação, só faz com que o povo seja ainda mais dependente do Estado para que seja possível o ingresso no mercado de trabalho", aponta.

Sem acesso à educação básica, futuro comprometido

Menos da metade da população brasileira consegue chegar à universidade ou curso técnico e, ainda assim, o ensino superior concentra a maior parte dos recursos públicos destinados à educação.

Segundo um estudo de 2017 feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil gasta, anualmente, US$ 3,8 mil (atualmente, mais de R$ 20 mil) por aluno do ensino fundamental e médio. No ensino superior, a quantia passa para quase US$ 11,7 mil (R$ 60 mil, segundo a cotação atual do dólar).

"O fato de alguém ser graduado não lhe qualifica para o trabalho se não possuir qualificação básica suficiente para enfrentar a realidade do mercado", aponta Pacheco.

"O trabalhador não tem condições de se profissionalizar por falta de recursos e por não ter o conhecimento necessário para o ingresso em algum tipo de especialização profissionalizante . Isso se torna um ciclo sem fim. Esse ciclo não acaba enquanto a educação na base de formação do indivíduo não lhe der opções de crescimento e escolha pela qualificação profissional", garante.

O que propõe Guedes?

"Então você é um jovem, de uma família pobre, sem recursos, e ao mesmo tempo não está estudando nem trabalhando. Então, toma aqui R$ 300. Agora, vai ter que bater ponto e ser treinado para ser servente de pedreiro, mecânico. É uma oportunidade", disse Guedes na entrevista ao GLOBO. Na prática, seria como aprender a exercer tarefas que ele poderá assumir após a qualificação sendo bancado pelo Estado no processo.

"Ele (jovem) não consegue emprego com salário mínimo . Ele é a vítima da nossa legislação trabalhista. Vamos dar o dinheiro para você ser incluído produtivamente. Não é só a inclusão social como dependente do Estado. Queremos valorizar a dignidade do trabalho. Eles não eram reconhecidos em nada. Vamos começar com o BIP e depois evoluir para a Carteira Verde-Amarela", conta o ministro.

A chamada Carteira Verde-Amarela é um plano antigo de Guedes por meio do qual pretende flexibilizar a legislação trabalhista.

Caso seja criado, o BIP deverá gerar, para o governo, custo mensal entre R$ 200 e R$ 300 por pessoa que fizer um curso preparatório para o mercado de trabalho . As empresas treinariam os beneficiários do bônus com dinheiro público para, no final, acabar com o problema da falta de qualificação que, segundo Guedes, impede os jovens de conseguir o primeiro emprego. A expectativa é que 2 milhões de empregos sejam gerados com isso .

O ministro não informou qual seria a fonte dos recursos que bancariam o BIP. A falta de espaço no Orçamento foi uma das razões do atraso do auxílio emergencial neste ano. O aperto também contribuiu para que o valor do benefício fosse menor e abrangesse menos pessoas do que em 2020, o que mostra a contradição da falta dinheiro quando convém e planos sem fontes especificadas pouco tempo depois.

Setor privado já tem obrigação de "ensinar" trabalhadores

O advogado trabalhista consultado pelo iG lembra que nem todos os vínculos empregatícios têm finalidade trabalhista. Alguns, como o estágio e a aprendizagem , focam na preparação para o mercado de trabalho.

Segundo Pacheco, o foco desses vínculos de trabalho está na preparação. Além disso, a maioria das empresas tem normativas em seus regulamentos para a profissionalização periódica de seus colaboradores.