23 de abril de 2024
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ENTREVISTA

Reforma bolsonarista reduz imposto de 'carros de luxo' e aumenta para escolas

Everardo Maciel critica o debate de mudanças tributárias em meio à 'crise apocalíptica' provocada pelo coronavírus

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Ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel critica a proposta de reforma tributária do governo. Para ele, o texto aumenta impostos sobre escolas para aliviar a carga sobre “carros de luxo”, em referência à diferença de tributação entre setores do projeto.

Como o senhor avalia a proposta do governo para a reforma tributária? Primeiramente, vou reproduzir a frase dita ontem por Delfim Netto: é um equívoco tratar de reforma tributária antes de reforma administrativa. Subscrevo a frase. Em segundo lugar, é incompreensível estar discutindo essas coisas quando nós temos, próximo, uma crise apocalíptica, envolvendo emprego, envolvendo problemas empresariais, problemas fiscais, dos estados e municípios. O mundo inteiro está lidando com o assunto e estamos nos divertindo com projetos de reforma tributária.(…)

Há risco de aumento da carga tributária? Ele (o governo) faz a seguinte argumentação: realmente tem aumento de carga tributária para empresas de serviços que estão no regime cumulativo. Entretanto, é só para 10% das empresas, porque 90% estão no Simples (Nacional). Como você me avaliaria se eu dissesse a seguinte frase?: ‘Dos infectados pela Covid, apenas 10% morrem’. Se a carga tributária é constante, alguma coisa (setor) cai, e quem cai é quem está na ponta da indústria. Estão aumentando a carga tributária da escola e diminuindo a do carro de luxo.

COMO O SENHOR AVALIA A PROPOSTA DO GOVERNO PARA A REFORMA TRIBUTÁRIA? 

Primeiramente, vou reproduzir a frase dita ontem por Delfim Netto: é um equívoco tratar de reforma tributária antes de reforma administrativa. Subscrevo a frase. Em segundo lugar, é incompreensível estar discutindo essas coisas quando nós temos, próximo, uma crise apocalíptica, envolvendo emprego, envolvendo problemas empresariais, problemas fiscais, dos estados e dos municípios. O mundo inteiro está lidando com o assunto e estamos nos divertindo com projetos de reforma tributária. 

NÃO SERIA O MOMENTO DE TRATAR DESSAS QUESTÕES PARA O PERÍODO APÓS A PANDEMIA? 

Nem um pouco. Isso não resolve nada. Isso é puro aventureirismo. Eu lidei já com isso, enfrentei essas coisas. Sei do que estou dizendo. Esses projetos, como é visível agora, têm repercussão diferenciada sobre os contribuintes. É a hora de aumentar tributação de contribuinte? O que tem que fazer é mitigar a ação tributária sobre os que estão sofrendo, o critério é esse? Ninguém no mundo está discutindo isso. 

MAS O QUE ACHOU DA PRIMEIRA FASE DA REFORMA? 

O PIS e a Cofins têm a mesma legislação. Todo mundo, inclusive a imprensa, chama de PIS/Cofins, porque é um só. Está tendo fusão de quê? E, na fusão, você vai discutir uma destinação de recursos, porque o PIS é vinculado ao seguro-desemprego, ao abono salarial e ao BNDES. Cofins é seguridade social. Essa previsão é constitucional. Como vai tratar por lei ordinária? 

HÁ RISCO DE AUMENTO DA CARGA TRIBUTÁRIA? 

Ele (o governo) faz a seguinte argumentação: realmente tem aumento de carga tributária para empresas de serviços que estão no regime cumulativo. Entretanto, é só para 10% das empresas, porque 90% estão no Simples (Nacional). Como você me avaliaria se eu dissesse a seguinte frase? ‘Dos infectados pela Covid, apenas 10% morrem’. Se a carga tributária é constante, alguma coisa (setor) cai, e quem cai é quem está na ponta da indústria. Estão aumentando a carga tributária da escola e diminuindo a do carro de luxo. 

A PRÓXIMA ETAPA ENVOLVE UM NOVO IMPOSTO SOBRE PAGAMENTO… 

Isso eu não sei o que é. Ele já falou de tanto jeito. O que é imposto sobre pagamento? Não sei o que é isso. Cada dia usa um termo… 

O GOVERNO FALA QUE SERIA UM IMPOSTO SOBRE TRANSAÇÕES FINANCEIRAS... 

Tudo depende da alíquota, de base de cálculo. Só falo quando olho o projeto. O demônio mora nos parágrafos. 

EM TESE, A IDEIA DE DESONERAR A FOLHA DE PAGAMENTO E COMPENSAR DE ALGUMA FORMA FAZ SENTIDO? 

A folha de salário é muito onerada no Brasil. É um obstáculo à geração de emprego. Agora, isso envolve uma rediscussão de benefícios e encontrar formas mais adequadas e menos traumatizantes. Precisa uma coisa um pouquinho mais sofisticada. 

SE O SENHOR TIVESSE QUE ENCONTRAR UMA FONTE PARA COMPENSAR PERMANENTEMENTE, O QUE FARIA? 

Pensaria em tributação de serviços digitais. Isso é algo que está em discussão na França, Itália, Bélgica e Reino Unido. 

DESCARTARIA TRANSAÇÕES FINANCEIRAS? 

Não descartaria. A solução é mais complexa. 

O SENHOR AFIRMA QUE O GOVERNO DEVERIA SE CONCENTRAR EM MEDIDAS EMERGENCIAIS. O QUE CONSIDERA MAIS URGENTE? 

Moratória para os setores que necessitam. Já tem projeto de lei, que ajudei a redigir, definindo todo o regramento para empresas optantes do Simples. Não é só essa. Há setores, como o setor aeroviário, de turismo, entidades esportivas. 

A REFORMA TRIBUTÁRIA DEVERIA FICAR PARA DEPOIS? 

É preciso tratar do que for necessário sem esse nome de reforma tributária, que se converte num desfile de moda de soluções. 

Fonte: [O Globo].