29 de março de 2024
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INTERNACIONAL | MARYLAND (EUA)

David recebe 1º transplante de coração de porco: "É um divisor de águas", diz doutor

"Bom, eu vou falar oinc?", questionou o paciente, antes da cirurgia; veja o vídeo do transplante

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O americano David Bennett, de 57 anos, passou por um transplante de coração na última 6ª feira (7.jan.2022) inédito envolvendo um coração de porco geneticamente modificado. Ele é morador da cidade de Baltimore, no Estado de Maryland (EUA). Dr. David Klassen, diretor da United Network for Organ Sharing (UNOS), celebrou a cirurgia e disse: “É um divisor de águas”. 

De acordo com a Universidade de Medicina de Maryland (UMMC), ele sofria de doença cardíaca terminal e foi considerado inelegível para um transplante de coração convencional por causa de sua condição grave. Ele foi internado e operado na UMMC.

Na véspera de Ano Novo, os médicos da UMMC receberam autorização de emergência da Agência federal, Food and Drug Administration (semelhante a Avisa) para tentar o transplante de coração de porco com Bennett, que estava hospitalizado e acamado há vários meses.

Bennett disse que viu a cirurgia arriscada como sua última opção. "Era morrer ou fazer esse transplante. Eu quero viver. Eu sei que é um tiro no escuro, mas é minha última escolha", disse ele um dia antes da cirurgia, de acordo com a UMM. "Estou ansioso para sair da cama depois que me recuperar."

A cirurgia teve 8 horas de duração. Segundo os cirurgiões do Centro Médico da UMMC, o paciente David Bennett passava bem até a 2ª feira (10.jan.22).

“Está funcionando e parece normal” , disse o cirurgião Dr. Bartley Griffith, que realizou a operação. “Estamos emocionados, mas não sabemos o que o amanhã nos trará” , completou.

O transplante é resultado do trabalho dos pesquisadores para desenvolver suínos com órgãos que não fossem rejeitados pelo corpo humano.

O porco é frequentemente utilizado pela fácil criação e o tempo curto de amadurecimento – em torno de 6 meses.

O médico Dr. David Klassen acrescentou que a operação abre portas para “grandes mudanças na forma como tratamos a falência de órgãos”.

Para estar habilitado a ser doador do xenotransplante, – termo técnico para a transferência de órgãos, tecidos ou células entre diferentes espécie s– o porco selecionado passou por 10 modificações genéticas.

Houve a inativação ou remoção de 4 genes, incluindo um que mantinha o crescimento do coração após a operação. Os pesquisadores adicionaram também 6 informações genéticas para facilitar o reconhecimento do coração pelo sistema imune de Bennett.

O paciente foi informado da possibilidade da operação durante uma conversa “memorável” , mas “bastante estranha” em dezembro, quando a opção pela cirurgia era sua “última chance” de sobrevivência.

“Bom, eu vou falar oinc?” teria dito o paciente norte-americano a Griffith.

Bennett estava tão doente antes do transplante que ele estava em uma máquina de oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO) - que bombeia e oxigena o sangue de um paciente fora do corpo - e também foi considerado inelegível para uma bomba de coração artificial, de acordo com a Universidade de Maryland. 

"Seu nível de doença provavelmente excedeu nossos padrões para o que seria seguro para o transplante de coração humano", explicou Griffith, que também é professor de cirurgia de transplante da Faculdade de Medicina da Universidade de Maryland.

TRANSPLANTE 

Griffith foi quem transplantou o coração de porco em Bennett. Ele e uma equipe de pesquisadores passaram os últimos cinco anos estudando e aperfeiçoando o transplante de corações de porco, e então o fizeram até o momento considerado "sucesso". 

Os corações de porco são semelhantes em tamanho aos corações humanos e têm uma anatomia semelhante, mas não idêntica.

Até agora, o corpo de Bennett não rejeitou o coração de porco, que especialistas dizem ser a maior preocupação após um transplante.

O xenotransplante, o transplante de células, tecidos ou órgãos de animais para um ser humano, traz o risco de desencadear uma resposta imune perigosa, que pode causar um “resultado potencialmente mortal para o paciente”, de acordo com a Universidade de Maryland Medicine.  

"Nós modificamos 10 genes neste coração de porco. Quatro genes foram removidos, três deles responsáveis pela produção de anticorpos que causam rejeição".  

Agora o pacidente segue ligado ao ECMO que era o que o mantinha vivo antes da cirurgia, o que é comum entre pacientes de cirurgias cardíacas. 

"Ele está acordado. Ele está se recuperando e falando com seus cuidadores", disse Griffith. "E esperamos que a recuperação que ele está tendo agora continue."

Se mantiver quadro estável, Bennett poderá receber alta na 5ª feira (13.jan.).

PESQUISA 

Este transplante de órgão demonstrou pela primeira vez que um coração de animal geneticamente modificado pode funcionar como um coração humano sem rejeição imediata pelo corpo. 

“Estamos procedendo com cautela, mas também estamos otimistas de que esta cirurgia inédita no mundo fornecerá uma nova opção importante para os pacientes no futuro”, celebrou Griffith. 

O estudo acerca do transplante de órgão de animais em humanos, foi idealizado por Muhammad M. Mohiuddin, MD , Professor de Cirurgia da UMSOM - ele é considerado um dos maiores especialistas do mundo em transplante de órgãos de animais.  Muhammad M. Mohiuddin, ingressou no corpo docente da UMSOM há cinco anos e estabeleceu o Programa de Xenotransplante Cardíaco com o Dr. Griffith. Dr. Mohiuddin atua como Diretor Científico/Programa do programa e Dr. Griffith como seu Diretor Clínico.

“Este é o culminar de anos de pesquisas altamente complicadas para aprimorar essa técnica em animais com tempos de sobrevivência que ultrapassaram nove meses. A FDA usou nossos dados e dados sobre o porco experimental para autorizar o transplante em um paciente com doença cardíaca em estágio terminal que não tinha outras opções de tratamento”, analisou o Dr. Mohiuddin. “O procedimento bem-sucedido forneceu informações valiosas para ajudar a comunidade médica a melhorar esse método potencialmente salvador de vidas em futuros pacientes", destacou. 

Cerca de 110.000 americanos estão atualmente esperando por um transplante de órgão, e mais de 6.000 pacientes morrem a cada ano antes de conseguir um, de acordo com o organdonor.gov do governo federal .  
 

HISTÓRIA 

Os xenotransplantes foram tentados pela primeira vez na década de 1980, mas foram amplamente abandonados após o famoso caso de Stephanie Fae Beauclair (conhecida como Baby Fae) na Universidade Loma Linda, na Califórnia. A criança, nascida com um problema cardíaco fatal, recebeu um transplante de coração de babuíno e morreu um mês após o procedimento devido à rejeição do sistema imunológico ao coração estranho. No entanto, por muitos anos, válvulas cardíacas de porco têm sido usadas com sucesso para substituir válvulas em humanos.

A UMMC destacou que antes de consentir em receber o transplante, o Sr. Bennett, foi informado sobre os riscos do procedimento, e que o procedimento era experimental com riscos e benefícios desconhecidos. 

"Ele havia sido internado no hospital mais de seis semanas antes com arritmia com risco de vida e foi conectado a uma máquina de bypass coração-pulmão, chamada de oxigenação por membrana extracorpórea  ( ECMO), para permanecer vivo. Além de não se qualificar para estar na lista de transplantes, ele também foi considerado inelegível para uma bomba cardíaca artificial devido à sua arritmia", explicou a UMMC em seu site.  

O PORCO 

A Revicor, uma empresa de medicina regenerativa com sede em Blacksburg, Virgínia, forneceu o porco geneticamente modificado para o laboratório de xenotransplante da UMSOM. Na manhã da cirurgia de transplante, a equipe cirúrgica, liderada pelo Dr. Griffith e pelo Dr. Mohiuddin, retirou o coração do porco e o colocou no XVIVO Heart Box, aparelho de perfusão, máquina que mantém o coração preservado até a cirurgia.

Os médicos-cientistas também usaram uma nova droga junto com as drogas anti-rejeição convencionais, que são projetadas para suprimir o sistema imunológico e impedir que o corpo rejeite o órgão estranho. O novo medicamento utilizado é um composto experimental fabricado pela Kiniksa Pharmaceuticals.

Três genes – responsáveis pela rápida rejeição mediada por anticorpos de órgãos de porco por humanos – foram “nocauteados” no porco doador. Seis genes humanos responsáveis pela aceitação imunológica do coração de porco foram inseridos no genoma. Por fim, um gene adicional no porco foi eliminado para evitar o crescimento excessivo do tecido cardíaco do porco, que totalizou 10 edições genéticas únicas feitas no porco doador.

“Este procedimento histórico e sem precedentes destaca a importância da pesquisa translacional que estabelece as bases para os pacientes se beneficiarem no futuro. É o culminar de nosso compromisso de longa data com a descoberta e inovação em nosso programa de xenotransplante”, disse E. Albert Reece, MD, PhD, MBA , vice-presidente executivo de assuntos médicos da UM Baltimore e John Z. e Akiko K. 

Bruce Jarrell, MD, presidente da Universidade de Maryland, Baltimore, que é cirurgião de transplantes, lembrou: “Dr. Griffith e eu começamos como cirurgiões de transplante de órgãos quando estava em sua infância. Naquela época, era o sonho de todo cirurgião de transplante, inclusive eu, realizar o xenotransplante e agora é pessoalmente gratificante para mim ver claramente esse objetivo há muito almejado. É uma conquista espetacular.”

INVESTIMENTOS 

Dr. Mohiuddin, Dr. Griffith e sua equipe de pesquisa passaram os últimos cinco anos aperfeiçoando a técnica cirúrgica para transplante de corações de porco em primatas não humanos. A experiência de pesquisa em xenotransplantes do Dr. Mohiuddin se estende por mais de 30 anos, período durante o qual ele demonstrou em pesquisas revisadas por pares que corações de porco geneticamente modificados podem funcionar quando colocados no abdômen por até três anos. O sucesso dependia da combinação certa de modificações genéticas no porco doador experimental UHeart™ e drogas anti-rejeição, incluindo alguns compostos experimentais.

A UMSOM recebeu US$ 15,7 milhões para pesquisa patrocinada para avaliar o porco geneticamente modificado Revicor UHearts em estudos com babuínos.

*Com MEDSCHOLL