23 de abril de 2024
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INDENIZAÇÃO

Doméstica resgatada de condomínio receberá R$ 300 mil

Trabalhou dos 13 aos 46 em na casa de uma família em condições análogas a escravidão

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Resgatada em condições de trabalho análogas à escravidão em um condomínio em São José dos Campos (SP), uma empregada doméstica de 46 anos, que trabalhava para a família desde os 13 anos, receberá R$ 300 mil de indenização pelo período de 25 anos que esteve restrita de liberdade no local. 

A decisão está em acordo judicial construído por Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF) e Defensoria Pública da União (DPU) e homologado pela 3ª Vara do Trabalho de São José dos Campos nesta quinta (21.out.21). 

Conforme histórico do caso, em abril de 2021, mediante denúncia de maus tratos recebida, a Polícia Militar de São José dos Campos foi ao condomínio mas não conseguiu entrar. No entanto, foi lavrado um Boletim de Ocorrência para apuração. Em junho, o MPT conseguiu uma decisão cautelar para entrar no imóvel onde ela trabalhava, ocasião em que 18 de junho comprovaram os problemas e a resgataram, em diligência realizada em conjunto com a Polícia Federal e funcionários do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS).

"A vítima trabalhava em jornada exaustiva, de segunda a domingo. Ela inclusive era levada para viagens com a família, de forma que pudesse manter a prestação de serviços durante os momentos de lazer dos empregadores. Os depoimentos demonstraram que a trabalhadora tinha medo constante da patroa, gerando pressão psicológica e, assim, impedindo que ela fosse contra as suas ordens", disse o MPT.  

O empregadou alegou que o salário era pago em conta corrente da mãe da empregada doméstica, com quem ela não mantinha contato próximo; na prática, a trabalhadora não recebia qualquer remuneração.

Segundo o acordo, a doméstica receberá R$ 200 mil para a compra de uma casa e 80% do valor relativo aos salários dos últimos cinco anos de trabalho, que corresponde a cerca de R$ 70 mil. Também ficou garantido à mulher uma pensão de um salário-mínimo por cinco anos e o pagamento da contribuição facultativa ao INSS pelo mesmo período. Caso ela estabeleça algum vínculo de trabalho neste período, esse pagamento será encerrado.

O MPT disse que após ela ter sido resgatada, ela recebeu R$ 22 mil pagos pela rescisão trabalhista e teve regularizada a sua situação junto a previdência.

PASSO A PASSO DA INVESTIGAÇÃO

Em junho, a procuradora Ana Farias Hirano obteve uma decisão cautelar para ingressar no domicílio onde trabalhava a vítima. O MPT, pela procuradora Catarina von Zuben, em conjunto com auditores fiscais do Trabalho, Polícia Federal e funcionários do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) foram à casa e comprovaram as irregularidades, sendo o empregador preso em flagrante e a empregada encaminhada a um abrigo municipal.

A Defensoria Pública da União foi procurada por representantes do MPT e do MPF com o objetivo de atuar no caso para garantir os direitos individuais da trabalhadora no acordo a ser firmado com o empregador.

“O trabalho conjunto entre as instituições garantiu o melhor desfecho possível para garantir direitos que podem ser usufruídos de forma imediata, sem a necessidade de tramitação judicial. Contudo, é importante pontuar que nenhum dinheiro no mundo será capaz de reparar a perda de 25 anos vivendo em condições análogas à escravidão, mas ao menos propiciará condições mais confortáveis de vida à trabalhadora daqui para a frente”, afirmou a procuradora Ana Farias Hirano, do MPT em São José dos Campos.

"Foi muito importante a participação das três instituições no caso (DPU, MPT e MPF), cada uma focada nas suas especialidades, pois a atuação em harmonia permitiu a rápida resolução do conflito, restando clara a necessidade de a DPU participar cada vez mais desse tipo de ação integrada com os demais órgãos, uma vez que dentre suas atribuições está a defesa da vítima e a busca de seus direitos individuais", destacou o defensor público federal Djalma Pereira.

“Foi um trabalho coordenado entre MPF, MPT e DPU, com apoio da Prefeitura Municipal, que ainda fornece abrigo e apoio à vítima”, explicou o procurador da República Fernando Lacerda Dias. “O acordo viabilizou amplo ressarcimento à vítima, que vai ter condições de retomar sua vida plena e autônoma, mas também garantiu segurança jurídica aos investigados, com encerramento de possíveis demandas individual, coletiva trabalhista e penal. Acho que o resultado foi bom para todos".

O acordo firmado entre as partes foi subdividido em três cláusulas com especificidades de atuação da DPU, MPF e MPT. A cláusula de “ressarcimento à vítima” foi atribuição da Defensoria Pública da União; o item “termo de ajustamento de conduta trabalhista”, do Ministério Público do Trabalho; e a parte de “acordo de não persecução penal”, do Ministério Público Federal.

Atuaram em conjunto na construção desse documento, além da procuradora do Trabalho Ana Farias Hirano, o defensor público federal Djalma Pereira e o procurador da República Fernando Lacerda Dias.