20 de abril de 2024
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Esfaqueador fez aulas de tiro em escola de amigo dos filhos de Bolsonaro

Adélio Oliveira dizia que queria "tacar fogo em Brasília" e "ficar famoso"

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Detido no Presídio Federal de Campo Grande acusado de tentativa de homicídio contra Jair Bolsonaro (PSL), Adélio Bispo de Oliveira, 40 anos, fez aulas de tiro em Florianópolis (SC) em escola cujo dono é amigo particular de dois dos filhos do presidente eleito: o deputado federal reeleito por São Paulo, Eduardo Bolsonaro, e o vereador do Rio de Janeiro, Carlos Bolsonaro. Ambos são do mesmo partido do pai.

É o que descobriu a terceira fase de investigações da Polícia Federal, a primeira comandada pela Superintendência de Brasília (DF), e que o Correio do Estado teve acesso a parte do conteúdo. Oliveira esfaqueou Bolsonaro no dia 6 de setembro, durante ato de campanha do então candidato em Juiz de Fora (MG). Dois dias depois, foi transferido para a Capital.

De acordo com o conteúdo do texto, Oliveira se matriculou no dia 3 de julho deste ano na Escola de Tiro Ponto 38, onde fez aulas teóricas sobre legislação e manuseio de armas, além de exercícios práticos, atirando 70 tiros ao todo, 30 de revólver e 40 de pistola. Foi aprovado.

Um detalhe chamou a atenção da PF e mereceu destaque no inquérito: no mesmo dia que Oliveira concluiu o curso e recebeu seu diploma, Carlos Bolsonaro esteve no local para iniciar atividades.

ISOLADO E QUIETO

Segundo o depoimento do dono da Ponto 38, Tony Hoerhan, Oliveira pagou valor do curso à vista, R$ 659, o que é geralmente raro, e não chamou a atenção pelo seu jeito: passou a maior parte isolado, sem interagir com os outros participantes e sempre em locais afastados durante os intervalos.

Também prestou depoimento à PF o instrutor de tiro de Oliveira, Rafael Machado, que contou ter tentado puxar assunto com o silencioso aluno. Em uma das tentativas, perguntou o motivo pelo qual ele passava a maior parte do tempo observando a escola, como se "estudasse o local." Mais uma vez ficou sem resposta. 

Ainda em sua fala, o instrutor aponta que Oliveira segurou as armas de fogo "como se estivesse familiarizado com elas."

SONHO EM "TACAR FOGO EM BRASÍLIA" E "FICAR FAMOSO"

A defesa de Adélio Bispo de Oliveira ganhou aliados importantes na tentativa de qualificar a justificativa de que ele sofre de insanidade mental: o depoimento de testemunhas ouvidas pela Polícia Federal Florianópolis (SC) onde o mineiro morou antes de seguir para Juiz de Fora e, diferente das aulas de tiro, mostrava-se bem comunicativo. Até demais. Entre outras promessas, revelou a colegas que tinha como motivação "tacar fogo em Brasília (DF)" e "ficar famoso."

Sócios e funcionários da construtora onde Oliveira trabalhou afirmaram que ele perdia a cabeça ao falar de política, "ficando muito agressivo" e diendo que ia "tacar fogo em Brasília." Em sua despedida da capital catarinense, disse que "iria ficar muito famoso", sem dar mais detalhes de como faria.

Mais de 20 pessoas prestaram depoimentos nessa etapa das investigações. Outros colegas de trabalho de Oliveira contam que ele admitiu ser filiado ao Psol, mas que "saiu do partido por desgosto, pois pegou ódio de políticos." "Ele falava que eles (políticos) ganhavam bem, enquanto ele nem conseguia dormir pois quando chovia a goteira caía sobre seu rosto", disse um deles.

Os sinais de isolamento, apesar dele parecer mais comunicativo, apareciam. Por vezes Oliveira se irritava quando puxavam assunto com ele nos intervalos e almoços. Em outras falava sozinho. Alguns dos colegas que moravam com ele relatam que era comum ele se dizer evangélico, ficar orando por horas e passar longos períodos da noite falando ao celular.

Adélio Bispo chega a Campo Grande após transferência (Arquivo/Correio do Estado)

INVESTIGAÇÃO

A investigação da Polícia Federal também ouviu servidores da Câmara dos Deputados sobre um registro de entrada de Adélio Bispo de Oliveira na Casa legislativa na mesma data do atentado. Os depoimentos destacam que, assim que a identidade do agressor foi revelada pela imprensa, funcionários buscaram no sistema da Câmara por entradas dele. Por engano, então, um dos servidores incluiu, de forma incorreta, a informação de que ele esteve no local naquela data. O sistema da Casa registra duas entradas de Adélio em 2013 – ainda sendo investigadas. 

A PF ainda busca a identidade de um homem que aparece posando para uma foto junto de Adélio durante um protesto em Florianópolis em maio deste ano. No Facebook, Adélio chama a pessoa de “mergulhador”.

Conforme o Correio revelou, a cúpula da Polícia Federal se assustou quando apareceram as primeiras menções ao Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa que controla o tráfico de drogas e armas na fronteira de Mato Grosso do Sul com Paraguai e Bolívia, no segundo inquérito que investiga Oliveira. Mas o alarme, aparentemente, é falso.

Utilizando perfis falsos em redes sociais na internet, Oliveira foi além de prometer "uma revolução" no Brasil comandada pela facção criminosa caso Bolsonaro seja eleito. Também enviou mensagens para lideres petistas dando conselhos de como Fernando Haddad, atualmente no segundo turno da disputa contra o candidato do PSL, pode vencer o pleito.

A PF instaurou um novo inquérito para dar continuidade à investigação sobre o ataque a faca de Adelio Bispo. O primeiro foi encerrado no início de outubro por causa do prazo mais curto devido ao fato do acusado estar preso. Na Justiça Federal, investigações com réu preso podem durar no máximo 30 dias.

Segundo a reportagem apurou, após ouvir mais de 30 pessoas, quebrar os sigilos financeiro, telefônico e telemático de Bispo, o delegado federal Rodrigo Morais e sua equipe não encontraram nenhum indício de que o autor da facada tenha agido a mando de outra pessoa ou em grupo.

O segundo inquérito vai herdar do primeiro todas as informações colhidas. Além das quebras de sigilo e depoimentos, a PF vai analisar todo o sistema de câmera da cidade de Juiz de Fora (MG), onde ocorreu o ataque, para traçar todos deslocamentos de Bispo desde sua chegada na cidade.

O objetivo da nova apuração, segundo relatou um investigador, é fazer uma devassa nos últimos dois anos da vida de Bispo e mapear qualquer relação dele com outras pessoas que possam indicar a participação de mais pessoas no ataque.

Embora vá se debruçar sobre todas as informações coletadas novamente nessa segunda investigação, a PF já descartou varias das hipóteses levantadas, principalmente, por apoiadores de Bolsonaro.

Todas pessoas indicadas por seguidores do candidato nas redes sociais como sendo “ajudantes” de Bispo foram investigadas e não foram encontradas indícios mínimos de participação na ação. Entre essas pessoas, como revelado, foram ouvidas três mulheres com o nome Aryanne Campos. 

Segundo os apoiadores de Bolsonaro, a mulher com esse nome teria passado a faca para Oliveira. A versão foi completamente descartada investigação.

Na verdade eram perfis falsos usados pelo próprio acusado.

REVELAÇÕES

Os investigadores descobriram que a escolha da faca como arma para o crime é explicada pelo fato de Oliveira ter trabalhado como açougueiro e em uma restaurante de comida japonesa.

A PF também esmiuçou todas as transações financeiras de Oliveira. Não foi encontrado nenhuma movimentação suspeita. O único depósito em espécie anormal teve origem em uma causa trabalhista. O cartão internacional que ele tinha nunca havia sido utilizado e foi enviado pelo banco sem a solicitação de Oliveira.

Os equipamentos eletrônicos – celulares e notebook – também foram analisados. Dois dos quatro celulares estavam desativados e os outros não continham, pela apuração feita até agora, informações sobre contato com outras pessoas para a prática do crime. O notebook encontrado com ele estava quebrado e não era utilizado há cerca de um ano.

SEQUÊNCIA

Oliveira será enquadrado pela PF no artigo 20 da Lei de Segurança Nacional.

Esse artigo prevê a punição para quem cometer “atentado pessoal” por “inconformismo político”. Segundo a investigação da PF, foram as divergências políticas entre Oliveira e Bolsonaro que levaram o ex-açougueiro a atacar o candidato.

Somente após a conclusão do segundo inquérito é que a PF decidirá se indicia ou não Oliveira por alguns dos crimes cibernéticos, visto que a tentativa de homicídio é considerado delito de maior importunação ofensiva.

Ao Correio do Estado, o advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior, que comanda a junta responsável pela defesa de Oliveira, afirmou se sentir aliviado pelas investigações até agora não mostrarem a participação de ninguém no ataque a Bolsonaro. "Nossa tese é verdadeira desde o início", disse.

Depois da conclusção do primeiro inquérito da PF e a autorização da Justiça para a elaboração do laudo por parte do psiquiatra paulistano Hewdy Lobo Ribeiro, a defesa quer confirmar a alegação de insanidade mental. Duas reuniões estão sendo realizadas por semana em Campo Grande entre os dois para entrevistas e exames, sem dias certos.

 
Parte da justificativa a ser usada além do laudo, contudo, já está pronta: familiares de Oliveira e amigos dos tempos de escola gravaram depoimentos onde confirmam os problemas psicológicos do esfaqueador, incluindo o apelido de 'Tonho da Lua' pelo qual era chamado, referência ao personagem de Marcos Frota na novela 'Mulheres de Areia', cujo remake foi exibido em 1993 pela 'Rede Globo'.

Sobre as denúncias feitas em sites pró-Bolsonaro, de que Oliveira seria levado de volta a Minas Gerais para ficar ao lado da família, Júnior desdenhou e garante que o acusado seguirá preso na Capital. "Não tem para onde ele ir. Está bem e seguro onde está agora", disse.