17 de abril de 2024
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‘Há uma campanha contra a cultura’, diz diretora da Mostra de Cinema de SP

Em entrevista, Renata de Almeida fala sobre a autorização para captar recursos via Lei Rouanet para o evento deste ano, que perdeu o patrocínio da Petrobras

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Marcada para acontecer entre 17 e 30 de outubro, a 43ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo passou por momentos difíceis nos últimos meses. Perdeu em abril seu maior patrocinador, a Petrobras, após dezenove anos de apoio. Em 2018, o patrocínio da petrolífera já havia caído pela metade, mas o corte definitivo, um dos primeiros sinais de uma reestruturação geral que o governo de Jair Bolsonaro está desenhando no apoio estatal à cultura, assustou: a colaboração ainda respondia por algo entre 30 e 40% dos custos totais do evento – valor que fica na faixa dos 6 milhões de reais a cada ano. O festival também teve que aguardar a abertura de inscrições de projetos para captar recursos via Lei de Incentivo à Cultura, popularmente chamada de Lei Rouanet, e temia-se que poderia ainda demorar. Na semana passada, porém, uma boa notícia para o festival: o evento recebeu autorização do Ministério da Cidadania (ao qual a Secretaria de Cultura é subordinada) para captar 3,4 milhões de reais.

Em entrevista a VEJA, a diretora da Mostra, Renata de Almeida, garante que o evento vai acontecer, fala sobre o alívio de ter o projeto aprovado para captação de recursos e analisa o momento atual do evento. “Penso todos os anos em parar”, diz. “Mas continuo pelo público.”

O que podemos esperar para a Mostra deste ano, sem a Petrobras? Vai acontecer, já prometi. Quando o Leon (Cakoff, criador da Mostra Internacional de Cinema e marido de Renata) morreu e fiz a edição seguinte, em 2012, a única coisa que eu tinha naquele momento era a minha palavra, e ela aconteceu. Este ano, eu já dei a minha palavra, então vai acontecer. Como? Não sei. Pode ser bem menor.

Quão menor? Depende. A Mostra é um pouco elástica, ela pode ter o tamanho que o orçamento permite – o desafio é saber quanto vai ser. Já tivemos Mostra com 100 filmes, já chegamos a 500 e, no ano passado, exibimos 300. O que queremos é manter essa média de 300, que é um tamanho ideal para a cidade. Se diminuirmos muito, as sessões vão ficar lotadas e as pessoas vão ficar frustradas. Quando sofremos um corte no ano passado, tentamos reduzir tudo o que não atingisse diretamente o público: convidados internacionais, festa de abertura, coisas assim.

Quais seriam as outras formas de financiamento da Mostra? A parte que arrecadamos com ingressos é muito pequena, em torno de 10%, então contamos com os patrocínios. Hoje temos apoio da prefeitura por meio da Spcine, que prometeu manter, e do Sesc, com quem ainda estamos conversando. Parte da verba vem do Fundo Setorial do Audiovisual e também devemos ter o Itaú e a Sabesp, mas estes apoiam via Lei Rouanet.

Quanto as mudanças na Rouanet afetarão a Mostra? A Mostra se encaixou como festival, que possui teto de 6 milhões de reais. Meu medo era a Rouanet não abrir as inscrições de novos projetos, então fiquei aliviada quando abriram. Recebemos autorização para captar 3,4 milhões de reais e já retomamos as conversas com o Itaú e a Sabesp para que eles apoiem. A Secretaria de Cultura pediu para que inscrevêssemos o projeto para captar recursos via Rouanet com o mesmo valor que costumávamos usar em edições anteriores do evento. Eles disseram que, caso a gente captasse mais do que os 3,4 milhões de reais autorizados, deveríamos voltar a falar com eles. Temos em mente também que podemos não conseguir captar o valor total aprovado, mas de qualquer maneira o evento vai acontecer, já assumimos esse compromisso. Vamos fazer uma Mostra bonita como as anteriores.

A diretora Laís Bodanzky publicou em nome da Spcine uma carta aberta falando do “desmonte da política audiovisual brasileira”. Você concorda que há um desmonte em curso? É um desmonte do audiovisual e cultura. Aliás, da indústria criativa como um todo. Como, no mesmo ano em que retiram o apoio da Petrobras, que é um grande patrocinador da cultura, também paralisam a Rouanet? Isso é muito grave. Entendo que a lei precisa ser aperfeiçoada, mas é preciso ter um plano. Não se pode, simplesmente, parar tudo. E você vê as notícias sobre o corte de verbas para universidades e pensa: o que fazem os países modernos, que têm os melhores índices de educação? Valorizam a cultura. Porque cultura é uma forma de educação, elas andam juntas.

Fonte: VEJA