20 de abril de 2024
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"Não é gripezinha e não será resolvida com varinha mágica", diz desembargador

Rui Ramos ainda critica população por descumprir medidas de prevenção ao Covid

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O desembargador do Tribunal de Justiça (TJMT), Rui Ramos Ribeiro, negou um recurso interposto pela prefeitura de Cuiabá contra o “endurecimento” das medidas de controle social em decorrência da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Numa decisão tomada em regime de plantão nesta quinta-feira (25), Ramos lembrou que o Covid-19 não é só uma “gripezinha” – em alusão à “célebre” frase do presidente da república, Jair Bolsonaro (sem partido), que assim qualificou as complicações de saúde decorrentes do vírus que já matou quase 54 mil pessoas no país.

Em razão de uma decisão judicial tomada na última segunda-feira (22), Cuiabá e Várzea Grande implementaram, desde a 0h de hoje, medidas mais restritivas de controle social, como “quarentena coletiva obrigatória no território do município, por períodos de 15 dias”. A decisão ainda determina “controle do perímetro da área de contenção, por barreiras sanitárias, para triagem da entrada e saída de pessoas, ficando autorizada apenas a circulação de pessoas com o objetivo de acessar e exercer atividades essenciais”.

Além disso, apenas serviços públicos e atividades essenciais – como supermercados, farmácias, postos de combustíveis e unidades de saúde -, poderão permanecer abertos. Ao contrário da prefeita de Várzea Grande, Lucimar Campos (DEM), Emanuel Pinheiro (MDB), gestor de Cuiabá, não recebeu a decisão de forma positiva, e interpôs um recurso no TJMT contra as medidas.

Ele se queixou de “interferência” do Poder Judiciário no Poder Executivo. “Compete a cada Poder constituído atuar no seu âmbito de competência de forma independente e harmônica, sem a intervenção dos demais Poderes. Neste contexto, a gestão de políticas públicas não é função típica ou atípica do Poder Judiciário, inexistindo fundamento apto a legitimar uma decisão que dispõe acerca de quais são as melhores medidas a serem adotadas por outros Poderes, permitida a intervenção, tão somente, de forma excepcional”, alegou o prefeito.

Emanuel Pinheiro, que na decisão que determinou o “endurecimento” das medidas restritivas foi acusado de enfrentar a pandemia tomando decisões “aleatórias”, sem respaldo científico, apontou o dedo para o Poder Judiciário. Em sua avaliação, a Justiça é quem não teve critérios uma vez que as medidas teriam sido baseadas num decreto do Governo do Estado que, por sua vez, também não contaram com estudos. “Culminando em uma determinação que tende a causar prejuízo a todo um trabalho técnico que vem sendo realizado pelo Município de Cuiabá desde março do corrente ano, bem como no Decreto Estadual não se verifica nenhuma menção a qualquer estudo técnico que comprove que os critérios e classificação de risco por ele adotadas são os mais acertados à luz da ciência”.

O prefeito de Cuiabá esclarece, ainda, que a diminuição de leitos de UTI na Capital não ocorreu em razão de uma contaminação descontrolada na região, e sim por conta de pacientes moradores de outras cidades e regiões de Mato Grosso que buscam tratamento na região metropolitana.

GRIPEZINHA E VARINHA MÁGICA

O desembargador Rui Ramos, por sua vez, rechaçou todos os argumentos do prefeito Emanuel Pinheiro. Ele começou dizendo que o Poder Judiciário não extrapolou sua linha de atuação e que os municípios devem observar diretrizes impostas tanto por órgãos estaduais quanto federais.

Ramos lembrou que é papel da Justiça “proclamar nulidades e coibir abusos”. “Os entes federativos não podem ultrapassar esses limites meramente suplementares. Logo, a União fixa regras gerais e os Estados, sem deixar de observá-las, pode suplementá-las, para atender aos interesses regionais. Igualmente, os Municípios, em respeito aos interesses locais, também podem suplementar as normas federais e as estaduais, porém, observando as suas balizas”, explicou o magistrado.

O relator do recurso interposto pela prefeitura de Cuiabá também revelou que a Justiça vem analisando uma série de ações que tentam garantir, por meio da via judicial, leitos de UTI a pacientes contaminados com o Covid-19. Ele lembrou que este é mais um aspecto da “judicialização da saúde” – ou fazer com que a Justiça obrigue o Poder Executivo a propiciar tratamento médico aos cidadãos. “Nunca é demais ressaltar que o tema tratado neste agravo de instrumento se colore mais uma vez e de certa forma na denominada ‘judicialização da saúde’, ainda que em tempos de pandemia”, lembrou o desembargador.

Rui Ramos também criticou a falta de linearidade e de uma política consistente de enfrentamento ao coronavírus, que atualmente é baseada em “indas e vindas”. Nos últimos meses, não só Mato Grosso, mas todo o Brasil, vem alternando medidas rígidas de isolamento social ao mesmo tempo que “relaxa” as restrições ao comércio e a indústria.

A situação vem provocando a morte de dezenas de milhares de pessoas no país, vítimas da influência de empresários incapazes de pensar a médio prazo na sobrevivência do próprio negócio. “Devemos ter em mira que o consenso no combate à Covid-19 é imprescindível, assim como uma coordenação técnica, inclusive, sob pena de não se resguardar o acolhimento daqueles que estão em situações mais vulneráveis ou de risco iminente à sua saúde e ‘as idas e vindas’ que são apresentadas ao longo das semanas formulam aos mais incautos a ideia de que ‘está tudo resolvido’, de que não se faz necessário evitar-se aglomerações, reuniões de família, amigos ou de grupos”, observou o desembargador.

Ainda sobre a solução de enfrentamento à pandemia, Rui Ramos também chama a atenção para a falta de disciplina das pessoas em seguir as orientações para minimizar os impactos do coronavírus. O desembargador suplica à população não esperar por um “milagre”, e que a situação não será resolvida por uma “varinha mágica”. “Por mais que houvesse dinheiro, seria sempre insuficiente, pois o ‘milagre’ está exatamente na disciplina que todos devemos ter para superarmos esse período de pandemia, e não ficar-se esperando que alguém terreno ou extraterreno venha aqui salvar a todos com uma ‘varinha mágica’”.

Rui Ramos também cita em sua decisão que as pessoas vem agindo numa “falsa e perigosa impressão de que tudo não passa de uma ‘gripezinha’ e por isso mesmo, não se convencem nem se condicionam às excepcionais exigências desse trágico momento de vida social”.

Fonte: Folha Max.