18 de março de 2024
Campo Grande 29ºC

MORTE INDÍGENA

Ruthe perdeu a vida, e seu filho, no 8º mês de gestação após esperar 12h por ultrassom

Terena deixou para trás outros quatro filhos, além do marido Elciney que pede justiça por possível negligência do Hospital Regional

A- A+

Organizações indígenas, coordenadas pelo Movimento Coletivo Indígena e Conselho do Povo Terena, realizam amanhã (14.mai.2021), às 15h, uma manifestação pela morte prematura da terena, Ruthe Luiz Mendes, 38 anos, da Aldeia Ipegue, que faleceu com o seu filho durante o oitava mês de gestação. Mãe e bebê deram entrada em 12 de março no Hospital Regional de Aquidauana e mulher chegou a esperar cerca de 12 horas por um ultrassom, seu marido que ficou com outros  quatro filhos agora pede justiça.

Elciney Ciney, também com 38 anos, é agente administrativo e conta que a esposa apresentou um pequeno sangramento em 12 de março, na Aldeia Ipegue, onde chegou a ser atendida por uma técnica de enfermagem que orientou a ida até o Hospital Regional de Aquidauana para averiguar a saúde do bebê.

"Chegamos no hospital às 21h45, fomos direto para a maternidade onde foi encaminhada para tirar o batimento do bebê. Até encontrou um, mas nos avisaram que estava muito fraco e que teria que ser encaminhado para Campo Grande, que não tinha operador de ultrassom naquele momento", conta.

Ele revela que a vaga para transferência até Campo Grande saiu, entretanto a médica optou por não levar, alegando que só poderia levar a mãe e criança até a Capital se constatada a presença de batimento cardíaco ou que a criança estava bem.

"Como não tinha operador de ultrassom, ela cancelou a vaga. Esse cancelamento foi por volta quase meia noite já. Então ficamos no hospital a noite inteira esperando o operador", revela Elciney.

De acordo com relato do marido, o tempo inteiro ele buscou saber quando a esposa - formada em pedagogia - passaria por um procedimento, tanto para confirmar o estado de saúde do bebê quanto para a retirada do feto, em caso de óbito, sendo que o operador de ultrassom só apareceu depois de 09h da manhã de sábado (13.mar.2021).



"Quando ele foi ver, disse que precisava preparar uma cesária com urgência. Foram preparar a sala de cirurgia, nesse momento o médico me chamou e disse que, diante da imagem, o bebê morreu por causa de um descolamento do cordão umbilical, que deu um pequeno sangramento que caiu dentro da barriga dela, que um parto normal não ia limpar, tinha que ser cesária, mas que ocorreria tudo tranquilo e bem", explica o agente administrativo.

Segundo Elciney, ele lembra que após dar entrada no procedimento cirúrgico, por volta de 10h da manhã, os funcionários informaram que sua esposa estava bem e realizava uma laqueadura.

"Mas aí depois, ele [o médico] saiu da cirurgia e disse que não fez esse procedimento, mas que tirou o útero dela. Logo após isso, umas duas ou três horas, ela faleceu", aponta Elciney.

DÚVIDAS SOBRE O CASO

Perguntas ainda rondam a cabeça de Elciney sobre os acontecimentos no Hospital Regional de Aquidauana, entre os dias 12 e 13 de março. "Cadê o operador de ultrassom que não estava lá?"; "Por que os médicos e enfermeiras o tempo inteiro me dizendo que ela estava bem?"; "O que aconteceu dentro daquela sala de cirurgia, que deu um sangramento muito forte nela?"

Ainda, de acordo com o viúvo, não foi Elciney o responsável pela liberação do corpo de Ruthe e ele suspeita que pode ter acontecido ocultação de provas.

"A irmã dela ficou no hospital, depois que eu trouxe o bebê para ser enterrado aqui na aldeia, ela me disse que foi avisada lá pelas 15h20 do óbito. Minha irmã ligou aqui da aldeia para saber e disseram que ela estava viva e bem. Eu saí daqui era 15h30 e cheguei lá dez pras cinco (16h50min). Chegando lá fiquei sabendo que ela tinha ido à óbito e procurei ver o corpo dela, só que eles já me levaram para fora do hospital para ver dentro do carro de funerária".

Elciney ficou sem entender a rapidez da saída do corpo de sua mulher, mas conta que, em momento de desespero em que ainda estava com um dos filhos, não pensou em pedir uma necrópsia do corpo.

Quanto à estratégia da doutora, que cancelou a transferência da paciente para a Capital, o marido pensa hoje que poderiam optar por preservar a vida de Ruthe. O pai conta que a morte da criança, por falta de batimentos, havia sido constatada ainda por volta da meia noite do dia 12 de março.

Sobre as causas da morte da mão, no atestado de óbito de Ruthe constam choque hipovolêmico (quando se perde grande quantidade de líquidos e sangue, o que faz o coração enfraquecer a capacidade de bombeamento); anemia por hemorragia; sangramento uterino e descolamento de placenta.

Ruthe e Elciney, sem uma resposta definitiva, ficaram à espera da boa vontade da equipe. Ele conta que um dos enfermeiros disse que a dra. entrou em contato com o operador de ultrassom imediatamente, mas sem sucesso.

"Me disse assim 'um está em Campo Grande, dois não respondem'. Foi o que ela me passou, além de avisar o médico também. Ela ainda me disse que geralmente eles passavam lá de madrugada e que, se ele passasse, elas iriam chamar. O primeiro operador, ou o único, não sei, chegou às 09h da manhã de sábado", afirma Elciney.

Hoje, Elciney cuida de quatro outros filhos que criava com Ruthe, uma menina de 17 e três meninos, de 15, 13 e 11 anos.

"Ela me deixou quatro tesouros, quatro jóias preciosas que tenho a responsabilidade de cuidar, dar a melhor educação, lembrar de tudo o que ela falou que queria que eles fossem. São todos muito amorosos, afetivos e que estão sofrendo como nunca. A dor da saudade, cada dia que passa é maior do que no primeiro, segundo, terceiro dia. Quanto mais tempo passa mais a dor chega e corrói", finaliza o pai.

Segundo apurado pelo Portal Midiamax, o Hospital Regional de Aquidauana informou, por meio do setor jurídico, que os fatos foram passados ao diretor clínico do Hospital e que segue apurando o caso. Também o O Conselho Municipal e a comissão da Câmara podem fazer investigação para apurar se houve negligência.

A manifestação pela morte de Ruthe Luiz Mendes e Raviel acontece amanhã, às 15h, em frente ao Hospital Regional da cidade de Aquidauana.