A Polícia Civil do Pará pediu à Justiça a exumação dos corpos do ambientalista José Gomes, conhecido como 'Zé do Lago', da sua esposa, Márcia Nunes Lisboa, e da filha dela, Joane Nunes Lisboa, de 19 anos, enteada de Zé. Eles foram chacinados por pistoleiros e achados mortos no dia 9 de janeiro, na zona rural de São Félix do Xingu (PA).
Um filho de outro casamento de Zé chegou de barco na zona rural e encontrou a família "inchada”, mortos com sinais de tiro.
Mostramos o vídeo aqui no MS Notícias do momento em que o filho achou Zé e família em meio ao barro sob a chuva. Eles estavam em estágio de putrefação.
De acordo com o pedido da Polícia Civil a perícia deve indicar direção de entrada e saída de projéteis, entre outros detalhes técnicos que podem auxiliar a investigação do crime. O caso é tratado como crime por motivação ambiental.
Apesar disso, uma amiga da família diz acreditar que “causa ambiental dada como pista" foi vazada para a imprensa para confundir a investigação.
Na quarta-feira (12.jan), a Polícia Civil disse que deveriam ser ouvidas testemunhas. O delegado responsável pelo caso não concedeu entrevista sobre a investigação. O caso está sendo investigado pela Divisão de Homicídios de Marabá e pelo Núcleo de Apoio à Investigação (NAI) de Redenção. O NAI e o DHM não atenderam as tentativas de contato da reportagem, para falar se já há suspeitos.
FAZENDA ILEGAL
O local onde Zé vivia com a família está em uma região conhecida como Ilha da Cachoeira da Mucura e está há uma hora e meia de barco com motor da Terra Indígena Kayapó. A chácara de Zé era próxima a fazenda Bom Jardim, que tem denúncias de desmatamento ilegal e grilagem de terras, de propriedade do prefeito de São Félix do Xingu, João Cleber (MDB).
João Cleber Torres tem desmatado pelo menos desde 2008 as áreas. A propriedade, segundo dados cruzados pela ONG Greenpeace, encontra-se em uma floresta pública não destinada na Amazônia e não tinha autorização para desmate, fatores que indicam ilegalidade no processo e grilagem — como é conhecida a ocupação ilegal de terras.
A área tem multas e embargos pelo Ibama, por destruição de floresta. A propriedade, que é usada para criação de gado, faz parte indiretamente da cadeia de fornecedores da JBS — a empresa diz que cumpre compromissos e que vai averiguar situação.
São Félix do Xingu é o município com maior rebanho do Brasil, com cerca de 2,4 milhões de cabeças. Segundo o IBGE, a população na cidade é de 135.732. É também, historicamente, uma das cidades com mais desmatamento no país.
O enorme rebanho e a elevada destruição levam São Félix do Xingu ao posto de município que mais emite gases-estufa no Brasil, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg).
Procurado pela Folha, João Cleber negou haver desmates na fazenda e disse que a destruição poderia ser culpa de indígenas.
"Pode acontecer que, em razão da fazenda ser confrontante com uma aldeia indígena Kaiapó e os indígenas utilizam [sic] fogo para limpeza de uma roçada para o plantio de mandioca e este fogo algumas vezes alastra-se, atingindo áreas da propriedade", argumentou o prefeito, em nota.
A afirmação, porém, não condiz com as imagens de satélite. O Prodes registra, com satélites, o chamado corte raso de floresta, ou seja, a derrubada completa de áreas de mata em um curto espaço de tempo.
O prefeito também afirmou que a área é de sua família desde 1984 e que "estamos em processo de regularização da fazenda e suas atividades junto aos órgãos competentes", mas não enviou à reportagem documentação que comprove a posse da terra.
Nem o prefeito da cidade e nem o governador do estado Helder Barbalho (MDB) se manifestaram sobre a excução da família.
Há poucos meses o governador do Estado do Pará, havia editado o decreto 1684/2021 que premia grileiros e invasores de terras públicas com a venda de terras a um preço no valor de 1,2% do valor de mercado, um subsídio de mais de R$ 6,7 bilhões para desmatadores no Estado que mais destrói a Floresta no país.
O tipo de política que só favorece os latifundiários e grandes empreendimentos é responsável por toda a perpetuação da violência contra trabalhadores rurais, lideranças indígenas, camponesas e ambientalistas que se reproduz no Pará e em toda a região amazônica.
O MPF PARÁ
Ministério Público Federal (MPF) do Pará quer acompanhar as investigações sobre os assassinatos do casal José Gomes, o Zé do Lago e Márcia Nunes Lisboa e Joane. Para tanto, abriu procedimento com o objetivo de cobrar providências das autoridades e celeridade na elucidação do crime.
A família de ambientalistas mantinha projeto de proteção a quelônios das espécies tracajá e tartaruga, morava na localidade Cachoeira da Mucura, em São Félix do Xingu. Terra que é de jurisdição do ITERPA e está inserida na APA Triunfo do Xingú, uma área de preservação com mais de 1,5 milhões de hectares.
“Para o MPF, os fatos são de extrema gravidade e se inserem em um contexto de reiterados ataques a ambientalistas e defensores de direitos humanos no país”, consta em comunicado oficial.
O crime é alvo de investigação de equipe da Divisão de Homicídios do município de Marabá e do Núcleo de Apoio à Investigação da Polícia Civil de Redenção. Órgãos de proteção aos direitos humanos, como a Anistia Internacional, a Comissão Pastoral da Terra e Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos também estão acompanhando as ações da polícia.
Em nota a CPT lembrou que nas últimas quatro décadas 62 trabalhadores rurais e lideranças em conflitos de terra foram mortos no município onde o casal morava, São Félix do Xingu. Até hoje, todos os casos seguem impunes.