18 de abril de 2024
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Porque Falta água em São Paulo

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Com muito comedimento, a imprensa nacional vem mostrando a fragilidade do governo paulista na gestão da água tratada, um dos maiores bens que a humanidade dispõe para sobreviver. O baixo nível dos reservatórios das represas para o abastecimento de água para consumo domiciliar, comercial e industrial em São Paulo tem sido a tônica, generosa aliás, da mídia neste ano de embate político-eleitoral. Mas, em sã consciência, como a população do estado mais rico do país e a da maior metrópole brasileira podem ficar à mercê do volume de chuvas precipitadas na região, como no tempo dos barões do café? É como se quiséssemos atribuir a São Pedro toda a responsabilidade sobre nossos recursos hídricos, em pleno século XXI... Longe de cairmos na tentação de simplificar uma questão relevante e complexa como a dos sistemas de saneamento – diga-se de passagem, tão bem desenvolvidos no Brasil nas últimas décadas, mais por mérito dos técnicos das empresas estatais de saneamento que por iniciativa dos governantes –, inegavelmente a falta de planejamento levou ao estrangulamento da capacidade de captação, tratamento e distribuição – enfim, gestão – das águas potáveis no estado de São Paulo. E aí é desnecessário dizer que, legal e moralmente, cabe ao governo estadual tal responsabilidade. Sem planejamento não há nem pode haver investimentos num setor complexo e rigorosamente técnico como é o de saneamento. E o que se vê hoje, a exemplo do ocorrido em nível federal entre 2001 e 2002 no setor energético, é o risco iminente de “apagões” (termo surgido no fim da era FHC para designar as interrupções programadas, que acabaram inevitáveis, por conta da má gestão energética de então, tamanha a sanha tucana pelo “Estado mínimo” e o destrato com os serviços públicos, que na ocasião eram tratadas como mercadorias e objeto das privatizações obsessivas). É unânime entre os cientistas que atuam nessa área que São Paulo dedica à gestão da água a mesma lógica dos romanos, 2.000 anos atrás: para “resolver” a falta de água, traz-se de mais longe, o que encarece e não resolve a fundo essa delicada e vital questão, de interesse de todos os cidadãos. Em vez de “tapar o sol com a peneira”, é preciso acabar com a perda abismal de água tratada na distribuição – segundo o SNIS (Sistema Nacional de Informação dos Sistemas de Saneamento, do Ministério das Cidades), a operadora paulista é detentora de uma média absurda de perda de 36,22% de água tratada na capital paulista (pior que muitos estados menores, inclusive o nosso), quando o índice preconizado pelos organismos internacionais é de, no máximo, 10% de perda. Curiosamente, quando o Governo Federal abre como nunca, desde 2005, linhas de financiamento de obras de infraestrutura (como, aliás, é o saneamento), por meio do tão injustiçado PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), os diferentes governadores paulistas que se sucederam, todos do PSDB, não deram a devida importância aos constantes alertas não só dos competentes técnicos da Sabesp (operadora paulista de saneamento) como da comunidade científica. Voz corrente, entre os gabaritados técnicos e pesquisadores de centros de excelência, é que, além da urgente adoção de medidas efetivas de redução de perdas da água tratada com a adoção de novas tecnologias atualmente disponíveis, sejam criados mecanismos de estímulo ao consumo responsável de água pela população (inclusive por meio da educação ambiental). Ainda mais: troca de dutos com mais de duas décadas de uso, apesar dos transtornos causados à circulação dos moradores dos centros metropolitanos, e a implantação de um efetivo sistema de detecção de vazamentos subterrâneos, com a aplicação de multas ao desperdício irresponsável e adoção de taxas desconto de incentivo ao consumo racional do líquido precioso. O senso comum ensina que a água é vital para todos os seres vivos, mas a dura realidade nos impele a dar o necessário e inadiável tratamento a quem comete o desperdício criminoso, seja o governante demagogo e irresponsável ou o cidadão inconsciente da gravidade do momento. Porque investir em medidas efetivas, ainda que muitas vezes impopulares, é obrigação do gestor público, quando verdadeiramente comprometido com o interesse coletivo.   (*) Semy Alves Ferraz é engenheiro civil e secretário de Infraestrutura, Habitação e Transporte de Campo Grande.