19 de abril de 2024
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Efeito Janot

Delações contaminadas desqualificam provas da Lava Jato

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Não se ouviu foguetório nem panelas batendo, mas é perceptível a sensação de alívio e até de contida euforia nos principais ambientes de poder institucional no Brasil. O Parque dos Poderes em Mato Grosso do Sul, espelhando sentimentos e motivações que grassaram nos meios políticos nacionais, experimenta desde a noite de segunda-feira, 4, um clima dominado pela comemoração de aliados das três maiores lideranças guaicurus: o governador Reinaldo Azambuja (PSDB) e os ex-governadores André Puccinelli (PMDB) e Zeca do PT, hoje deputado federal.

A razão desta alegria de uns e da decepção de outros é justificada: com o manifesto do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao lançar gravíssimas suspeitas que podem tornar inevitável a anulação do acordo de delação premiada firmado na Operação Lava Jato com os irmãos Joesley e Wesley Batista, sócios-proprietários do Grupo JBS.

A desqualificação dessas delações tem sido o grande objetivo jurídico das defesas dos principais alvos da operação, que vão dos escalões superiores da República, a começar do presidente Michel Temer, aos escalões intermediários, nos quais foram alojados diversos políticos com e sem mandato, entre eles Azambuja, Puccinelli e Zeca. Segundo Janot, a PGR, ao vasculhar novos trechos de gravações e documentos fornecidos por Joesley e Wesley, constatou que ambos ocultaram fatos relevantes para a investigação. Algumas dessas peças, conforme Janot, sugerem dúvida sobre a lisura de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e outros insinuam condutas inadequadas do ex-procurador Marcelo Miller para favorecer os investigados.

O mandato de Janot como procurador-chefe do MPF vai até a próxima dia 19. E até lá o labirinto em que ele se encontra é de complexa solução para sair. Está a um passo de fazer história como um dos maiores operadores do saneamento ético no Brasil ou naufragar num processo que ele próprio construiu – de acordo com avaliações críticas – na base do açodamento.

O exemplo mais recorrente da pressa acusatória de Rodrigo Janot estaria na tentativa de enquadrar o presidente Temer num processo de improbidade por uma conversa noturna e fora de agenda no Palácio Jaburu com Joesley Batista, quando, supostamente, teria tratado de ações nada republicanas, como pagar pelo silêncio do deputado Eduardo Cunha (PMDB), que depois disso perdeu o mandato e foi preso por ordem do juiz Sérgio Moro. Na Câmara, por larga maioria, os deputados rejeitaram o pedido de Janot para que Temer fosse afastado do cargo por 180 dias e submetido ao julgamento do STF.

VERBO FORTALECER – Em Mato Grosso do Sul, a reviravolta que se anuncia com as surpreendentes manifestações de Rodrigo Janot renova expectativas de fortalecimento de lideranças políticas que, em maior ou menor grau, foram duramente atingidas pelas delações dos donos da JBS. Na Assembleia Legislativa, a Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada para apurar denúncias de joesley sobre a existência de esquemas fraudulentos na concessão de incentivos fiscais ganhou um novo curso e, em vez de incriminar o atual e os dois ex-governadores, verifica que os irmãos Batista têm muito mais a explicar à Justiça que os alvos de suas acusações.

Azambuja, Puccinelli e Zeca do PT não titubearam quando se viram alvos das delações. Imediatamente acionaram sua defesa legal e, sem papas na língua, nomearam de “criminosos” e “caluniadores” os colaboradores premiados da JBS. O deputado federal Carlos Marun (PMDB-MS), um dos homens-fortes da base de sustentação do Planalto e aliado de ponta de Puccinelli, estava ao lado de Temer na visita presidencial à China quando seus assessores o informaram sobre as declarações de Janot. E comemorou, discreta, mas vigorosamente:

“Nunca me fingi de ignorante para agradar aos desinformados. Confio no presidente. E era evidente que nesse mato tinha coelho”, pontuou Marun, referindo-se às denúncias que caíram sobre Temer por causa do encontro com Joesley Batista. “Não fiquei inerte, entrei com uma representação junto à PGR pedindo que fosse investigada a atuação do procurador Marcelo Miller. Fico feliz agora que a verdade se estabelece”, enfatizou Marun.

DESMONTE - Os analistas políticos mais respeitados no país tratam o episódio como o início de um processo de enfraquecimento probatório da Lava Jato e põe sérias dúvidas no teor e na validade dos acordos de delação premiada, o que pode acarretar a suspensão dos benefícios concedidos pelo Ministério Público e Judiciário aos colaboradores.

Segundo avalia o jornalista Pedro Dias Leite, o primeiro efeito colateral do auto grampo de Joesley Batista é o esvaziamento completo da segunda denúncia que Janot planeja apresentar contra Temer. “O foco agora passa a ser nas irregularidades que, indicam as gravações, ocorreram durante as negociações que resultaram na imunidade total a Joesley e seus comparsas. O envolvimento do ex-procurador Marcelo Miller, quando ainda atuava do lado do balcão da PGR, deve levar a uma caçada a Janot, liderada por Temer e seus aliados”, diz.