28 de março de 2024
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'RELAÇÕES EXTERIORES'

Ernesto Araújo deixa o comando do Itamaraty após pressão do Congresso

Ex-ministro das Relações Exteriores teve desempenho desgastado por implicar com a China e ser fiel defensor da família Bolsonaro

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Ernesto Henrique Fraga Araújo pediu demissão e deixou o cargo de Ministro das Relações Exteriores nesta 2ª feira (29) - sob pressão do Congresso -, mais de dois anos depois de ter proferido seu discurso inaugural como chanceler, quando prometeu alinhar o Ministério aos anseios dos eleitores de Jair Bolsonaro. Na época de sua posse, o ex-ministro era um desconhecido diplomata recém-promovido a embaixador. Ele deixa o posto após ter amealhado a aversão de diferentes setores da sociedade e do governo.

Das cúpulas do Congresso Nacional aos generais que aconselham Bolsonaro, de grandes empresários a lideranças do agronegócio, todos se uniram nos últimos dias para tirá-lo da Esplanada.

Essa demissão do admirador declarado do escritor Olavo de Carvalho, é também um duro golpe na ala ideológica do bolsonarismo, que nos últimos anos conviveu com portas abertas no Itamaraty. Mesmo que tenha sempre enfrentado resistências por ter promovido uma guinada ultraconservadora no ministério, o destino de Ernesto foi selado após os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), terem se unido à coalizão para afastá-lo do governo.

Ainda no início da semana passada (22.mar.2021), Lira e Pacheco tiveram um encontro em São Paulo com grandes empresários, onde Ernesto não foi poupado, sendo chamado de omisso e acusado de executar na política externa o negacionismo de Bolsonaro na pandemia, o que teria feito o Brasil perder um tempo precioso nas negociações por vacinas e insumos para o combate à Covid-19.

Nessa reunião, a suposta omissão de Ernesto foi apontada como um dos fatores para a situação de calamidade atual do Brasil, que acumula recordes diários de mortes pelo vírus, além do risco de escassez de medicamentos e um ritmo de vacinação insuficiente para fazer frente aos meses mais duros da doença. Entretanto, o principal flanco de desgaste de Ernesto em seus meses finais no cargo foi a relação com a China, maior parceiro comercial do Brasil e país exportador da matéria-prima utilizada tanto pelo Instituto Butantan quanto pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) na produção de imunizantes contra o coronavírus.

No domingo (28.mar.2021), Ernesto Araújo postou em uma rede social que não teria cedido a um pedido de Katia Abreu, que é presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, para acenar ao lobby chinês em relação ao tema do 5G no país. Essa acusação gerou forte reação de deputados e senadores, sendo que a própria Katia Abreu chegou a chamar o agora ex-chanceler de marginal. Hoje (29.mar), houve movimentações para formular um pedido de impeachment e a ameaça de que indicações para postos diplomáticos seriam bloqueadas.

Desde o início de sua gestão, Ernesto Araújo promoveu uma política de antagonismo com a nação asiática, sendo que, numa palestra para jovens diplomatas, ainda em março de 2019, afirmou que não queria reduzir a política externa brasileira a uma mera questão comercial.

"Queremos vender soja e minério de ferro, mas não vamos vender nossa alma", disse na ocasião, numa referência às vendas brasileiras à China. Em linhas gerais, Ernesto abraçou a tese de que era preciso proteger o Brasil da crescente influência dos chineses, um país governado por uma ditadura comunista.

Seus objetivos logo se chocaram com os interesses do agronegócio – que tem o cenário asiático como grande comprador - e da carência do Brasil por investimentos externos em infraestrutura. A relação com Pequim oscilou em 2019, mas atingiu seu ponto mais baixo com a eclosão da crise do coronavírus.

Com a chegada da pandemia em 2020, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) decidiu se alinhar ao discurso do ex-presidente dos EUA Donald Trump, que dizia que o governo chinês teria disseminado o vírus propositalmente. Através de um bate-boca nas redes sociais, entre o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, Ernesto saiu em defesa do filho do presidente. O então chanceler chegou a enviar a Pequim um pedido para que o diplomata chinês fosse retirado do Brasil –foi ignorado.

Desde então, o ministro interrompeu qualquer interlocução com a missão chinesa em Brasília, que teve seu preço meses depois, quando o fornecimento de insumos para as vacinas Coronavac e AstraZeneca foi ameaçado por atrasos na exportação de lotes vindos da China.

Mesmo que interlocutores ressaltem que não é possível afirmar se houve retaliação dos chineses, a falta de canais de comunicação do Itamaraty com a embaixada em um momento de crise ficou evidente. Não por acaso diversos senadores pediram publicamente a demissão do chanceler, numa sessão no Senado em 24 de março, sendo as rixas com a China uma das principais queixas ouvidas pelo ministro.

No comando do Itamaraty, Ernesto promoveu uma revolução conservadora, que foi muito além da pauta anti-China. Foi responsável por costurar uma aliança com o governo Trump e deu o aval a uma série de concessões aos americanos que, segundo críticos, não vieram acompanhadas de contrapartidas ao Brasil.

Rompeu com votos históricos do Brasil, em relação ao conflito no Oriente Médio na Organização das Nações Unidas (ONU), e passou a apoiar Israel em manifestações sobre disputa com palestinos. Mesmo com apelos de diplomatas, ordenou que o Brasil votasse a favor do embargo americano a Cuba, rompendo outro posicionamento tradicional do país.

Posicionou o Brasil contra a defesa de direitos sexuais e reprodutivos, em fóruns multilaterais, numa agenda abertamente declarada anti-aborto e alinhada a governos de viés nacionalista e autoritário, como Hungria e Polônia. Ainda passou a trabalhar em negociações para que menções ao Foro de São Paulo, grupo de partidos de esquerda na América Latina, fossem incluídas em declarações.

Também a eleição no ano passado de Joe Biden - como novo presidente dos EUA - levantou dúvidas sobre a capacidade de Ernesto Araújo em estabelecer um bom diálogo com a principal economia do mundo. O ex-ministro ficou marcado entre diplomatas americanos como um entusiasta de Trump, retratado por ele como um defensor de valores ocidentais.

Como se não bastasse, publicou uma sequência de mensagens mostrando simpatia pelos invasores do Capitólio nos EUA, o que provocou reações de altos representantes do Partido Democrata. Na mais contundente resposta, o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado americano, o democrata Robert Menendez, enviou uma carta a Bolsonaro cobrando que ele e Ernesto condenassem de forma veemente os ataques ao Capitólio.

**(Com informações da Folhapress)