28 de março de 2024
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RETA FINAL | COMISSÃO SENADO

Investigados da CPI visitaram ao menos 71 vezes o Ministério da Saúde

Líder do governo Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros, envolvido no esquema de compra de vacina é o 2º visitante mais assíduo

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Sem ter um cargo vinculado à pasta, investigados pela CPI da Pandemia visitaram o Ministério da Saúde, pelo menos 71 vezes durante a pandemia. Segundo a Folha, na lista de 29 citados, 21 não possuem cargo na pasta e 8 já estiveram em algum momento nomeados na Saúde durante a pandemia.

Esses dados foram extraídos dos registros das portarias do Ministério da Saúde em 2020 e 2021, mas estão subestimados, pois não consideram as entradas pela porta "privativa" no ano passado, por onde passam as pessoas que têm encontros com a cúpula da pasta.

Confira a lista: 

  • José Ricardo Santana - 20 vezes no Ministério da Saúde
  • Ricardo Barros - 11 vezes no Ministério da Saúde
  • Tulio Belchior - 7 vezes no Ministério da Saúde
  • Francisco Emerson Maximiano - 6 vezes no Ministério da Saúde
  • Nise Yamaguchi - 6 vezes no Ministério da Saúde
  • Emanuela Medrades - 5 vezes no Ministério da Saúde
  • Carlos Wizard - 3 vezes no Ministério da Saúde
  • Emanuel Catori - 3 vezes no Ministério da Saúde
  • Osmar Terra - 3 vezes no Ministério da Saúde
  • Luiz Paulo Dominghetti - 2 vez no Ministério da Saúde
  • Ernesto Araújo - 1 vez no Ministério da Saúde
  • Paolo Zanotto - 1 vez no Ministério da Saúde
  • Cristiano Carvalho - 1 vez no Ministério da Saúde
  • Helcio de Almeida - 1 vez no Ministério da Saúde
  • Luciano Hang - 1 vez no Ministério da Saúde
  • Arthur Weintraub - sem registro
  • Fabio Wajngarten - sem registro
  • Luciano Dias Azevedo - sem registro
  • Marcellus Campêlo - sem registro
  • Jose Alves Filho - sem registro
  • Onyx Lorenzoni - sem registro

Segundo levantamento, José Ricardo Santana é o investigado que esteve mais vezes no órgão: são visitas em 20 dias diferentes. Ele chegou a atuar informalmente na pasta, mas manteve a presença também mais tarde, quando discutia a venda de testes rápidos ao governo.

Na sequência, o ex-ministro da Saúde e atual líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), foi ao menos 11 vezes ao ministério neste período.

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Barros afirmou que as visitas têm relação com a sua atuação como deputado e ressalta que preside a Frente Parlamentar da Indústria Pública de Medicamentos.

Os dados também não indicam com quem os investigados se reuniram na Saúde. Em alguns casos, há dados genéricos sobre para qual setor e andar o visitante seguiu.

Há apenas três registros de visitas do empresário Carlos Wizard na pandemia, todos disponíveis na lista da entrada "privativa" de 2021, ainda que ele tenha ido com frequência à pasta nos primeiros meses da crise sanitária.

Tido como nome do gabinete paralelo, grupo que fazia aconselhamento informal do presidente Jair Bolsonaro e estimulava o uso de medicamentos sem eficácia, Wizard atuou como conselheiro do ex-ministro da Saúde e general da ativa Eduardo Pazuello.

Nomes ligados à Precisa Medicamentos também frequentaram o ministério. Além de contrato de R$ 15 milhões por preservativos femininos, a empresa fechou a entrega da vacina indiana Covaxin por R$ 1,6 bilhão.

O negócio da Covaxin foi levado ao centro das apurações da CPI da Covid e cancelado pelo governo por suspeita de irregularidades. A própria fabricante da vacina, a Bharat Biotech, rompeu o acordo com a Precisa, que nega as acusações.

O dono da Precisa, Francisco Maximiano, esteve ao menos seis vezes na Saúde em 2021. Advogado da empresa, Tulio Silveira foi em outras sete datas à pasta no mesmo ano. 

Além deles, Emanuela Medrades, diretora da mesma companhia, foi pelo menos cinco vezes à Saúde em 2020.

Considerada central no gabinete paralelo, a médica Nise Yamaguchi esteve quatro vezes à Saúde em 2020 e outras duas no ano seguinte.

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Já o diretor-presidente da Belcher Farmacêutica, Emanuel Catori, tem três idas registradas ao órgão em abril deste ano. A empresa era a representante da empresa chinesa CanSino Biologicals, produtora da vacina Convidecia contra a Covid-19.

Os registros da Saúde também mostram duas visitas do policial militar Luiz Paulo Dominghetti. Na primeira, em 26 de fevereiro de 2021, ele foi cadastrado como "CEO/Diretor" da AstraZeneca/Davati na portaria comum do prédio.

A farmacêutica que produz a vacina de Oxford e a Davati não têm relações comerciais, mas a segunda empresa prometia a venda de milhões de doses ao Brasil.

Dominghetti disse à Folha que recebeu pedido de propina do então diretor do Dlog (Departamento de Logística) da Saúde, Roberto Dias, para negociar vacinas durante jantar, na noite anterior à ida ao ministério.

Dias foi exonerado após a divulgação da entrevista. Ele nega as acusações.

Campeão de visitas ao ministério entre os investigados da CPI, Santana também estava no jantar. O empresário disse à comissão que não houve conversa sobre propina.

Santana afirmou à CPI que largou o posto de secretário-executivo da CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), em março de 2020, para ser nomeado a um cargo no Ministério da Saúde.

Mas enquanto esperava ser efetivado no posto, ele atuou informalmente como braço direito de Dias no Dlog.

Mesmo sem poder assinar documentos, Santana usava uma sala do ministério e dialogava principalmente com fabricantes nacionais de respiradores pulmonares, segundo funcionários da pasta.

Em depoimento à CPI, Dias disse que não sabia onde Santana trabalhou após deixar a CMED, ainda que o empresário tenha atuado ao seu lado, sem cargo, na Saúde.

Para os senadores, o empresário era lobista de empresas e tinha acesso privilegiado ao ministério.

Santana nega as acusações e diz que era amigo de Dias.

Os membros da comissão mostraram diálogos de junho de 2020 de Santana com o advogado Marconny Albernaz Faria, que afirmava representar a Precisa Medicamentos –a mesma que vendeu a vacina Covaxin– na negociação de testes rápidos.

Santana foi acionado para tentar colocar a Precisa no topo da disputa, avaliam os membros da CPI.

Os dados das portarias da Saúde mostram 17 visitas de Santana na Saúde de março a junho de 2020, quando ele já estava fora da CMED, além de outras três agendas em março de 2021.

Todas as entradas de Santana foram para seguir ao Dlog, segundo os mesmos dados, mas o nome do empresário não aparece em agendas oficiais de Roberto Dias, então chefe do setor.

O relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL), disse que inseriu o líder do governo na Câmara na lista de investigados "em função dos óbvios indícios de sua participação nessa rede criminosa que tentava vender vacinas através de atravessadores".

O nome de Barros ganhou destaque nas investigações da comissão após o deputado Luis Miranda (DEM-DF) afirmar que levou a Bolsonaro indícios de irregularidades na compra da Covaxin. Segundo Miranda, o presidente perguntou se seu líder na Câmara estava no meio das suspeitas.

Barros nega qualquer relação com a Precisa. Ele disse que foi à Saúde porque é "parlamentar atuante", ex-ministro, além de coordenador da Frente Parlamentar da Indústria Pública de Medicamentos.

"Todas as visitas, minhas ou da minha equipe, ao ministério são oficiais, e servidores fazem o registro na portaria e/ou no setor responsável. Ocorreram para tratar de assuntos relacionados à pasta", disse o líder do governo.

O ex-ministro também afirmou repudiar "a insistente suspeição de compromissos oficiais e das atividades parlamentares".

Os dados de entrada na Saúde ainda registram uma visita de Luciano Hang, dono das lojas Havan, em 2021.

O empresário disse, por nota, que que esteve apenas uma vez em Brasília para tratar de assuntos sobre vacinas. A visita aconteceu em 25 de março de 2021, na companhia do empresário Carlos Wizard.

"Há diversas publicações nas redes sociais e até mesmo notícias na imprensa que falam disso. E a pauta do encontro foi exclusivamente essa, com total transparência e ampla divulgação."

No mesmo ano, há três registros do deputado Osmar Terra (MDB-RS). Já o virologista Paolo Zanotto esteve na Saúde uma vez em 2020, conforme os mesmos dados. Todos são apontados pela comissão como membros do gabinete paralelo.

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O empresário Cristiano Carvalho, que dizia representar a Davati, foi uma vez à Saúde em março deste ano, quando negociou a venda de vacinas da AstraZeneca mesmo sem aval da fabricante.

Em nota, ele diz que a CPI foi "omissa e covarde" ao não convocar o embaixador dos EUA no Brasil, ou o Sr. Herman Cardenas para prestar esclarecimentos em nome da Davati, já que a empresa se omitiu de prestar esclarecimentos com fulcro de realidade aos brasileiros.

"Hoje sou investigado pela CGU e Policia Federal em nome da Davati, devido à mesma não ter sede no Brasil, assim eu respondo pelos atos da mesma, mesmo que criminosos sem meu conhecimento ou conivência no Brasil, devido a ter sido ludibriado pela mesma em suas fantasiosas ofertas de vacinas."

Presidente do Instituto Força Brasil, Helcio de Almeida fez uma visita à pasta, segundo os dados que são subestimados. À CPI ele confirmou a agenda para tratar da venda de vacinas da Davati.

Foram procurados Carlos Wizard, Emanuel Catori, Ernesto Araújo, Francisco Maximiano, Nise Yamaguchi, Paolo Zanotto, Tulio Belchior, Helcio de Almeida, José Ricardo Santana, Emanuela Medrades e Osmar Terra, mas eles não responderam.

Luiz Paulo Dominghetti disse que não iria se manifestar.