28 de março de 2024
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Justiça anula pesquisa política mentirosa em Corumbá e condena sites e Instituto

Cada um deverá pagar multa de R$ 53,2 mil por amostragem a favor do prefeito Marcelo Iunes

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A Justiça Eleitoral anulou uma consulta de intenções de votos que beneficiava o prefeito de Corumbá, Marcelo IIunes (PSDB), baseando-se nos demonstrativos que comprovam a violação de dispositivos legais por parte do Instituto Brasileiro de Pesquisas de Opinião Pública (Ibrape) e os veículos eletrônicos que divulgaram os resultados, os jornais “Diário Corumbaense”, de Dora Miguela Lugo Nunes, e “MS no Ar”, de Paula Andréia Marques Navarro, que por coincidência é filha de André Luiz Navarro, o Coordenador de Comunicação da Prefeitura de Corumbá.   

Além de suspender em definitivo a divulgação da pesquisa MS-09885/2020 - registrada no dia 10 deste mês e publicada uma semana depois - a titular da 7ª Zona Eleitoral, juíza Luiza Vieira Sá de Figueiredo, condenou cada um dos três responsáveis a pagar a multa de R$ 53 mil 205,00. A sentença acolheu representação formulada pelo Diretório Estadual do MDB, que constatou irregularidades na amostragem, que aplicou e divulgou consulta de opinião pública sem cumprir exigências pré-estabelecias na legislação eleitoral, entre as quais a identificação dos bairros percorridos pelos pesquisadores. 

Na representação 0600059-75.2020.6.12.0007, o Ibrape, o Diário Corumbaense e o MS no Ar foram denunciados pelo MDB por violação ao artigo 2o, parágrafo 7°, da Resolução TSE/23.600/2019. O partido alegou que o instituto não complementou o registro da pesquisa, deixando de informar os dados relativos aos bairros em que moram as pessoas entrevistadas. Sem esta informação, e também obrigatoriamente, a empresa deve in formar a área em que aconteceram as consultas. 

PREFEITO COMEMOROU 

O Ibrape tinha um prazo até 17 de julho para fazer a complementação das informações. O MDB sustentou que sem cumprir a exigência a pesquisa deveria ser impugnada pela Justiça, a fim de evitar eventual manipulação do resultado e a interferência indevida na vontade do eleitor. No entanto, antes da decisão da Justiça sobre a reclamação do MDB, os dois jornais já haviam publicado a pesquisa e o prefeito Marcelo Iunes e sua base de apoio comemoravam, inclusive com reverberação festiva nas redes sociais. 

Esse fato, segundo os denunciantes e a própria legislação, “causa prejuízo irreparável aos pretensos candidatos, especialmente ao futuro candidato do partido representante”. Esta é uma referência ao fato de o MDB ter um pré-candidato à sucessão em Corumbá, o ex-prefeito Paulo Roberto Duarte. 

O Ibrape afirmou em sua defesa ter cumprido as determinações legais e só não prestou a informação sobre os bairros que constam no universo da pesquisa “por um equívoco no lançamento dos dados complementares”. Esses dados – acrescentou o instituto – não tinham sido carregados corretamente no seu site. Reforçou que a falta de citação dos bairros não configura irregularidade tão grave que possa macular a pesquisa ou sujeita-la a ser considerada fraudulenta. 

DEFESA

Os responsáveis pelos jornais Diário Corumbaense e MS no Ar teceram argumentos de defesa semelhantes. Destacaram suas histórias de credibilidade, profissionalismo e comprometimento com a informação, além de realizarem habitualmente a divulgação de pesquisas de opinião pública sem ferir a lei. Sobre a amostragem questionada, ambos se basearam no entendimento de que bastaria apenas conferir se a pesquisa estava registrada de acordo com a legislação para que fosse publicada. O Diário Corumbaense está no ar desde 1986, segundo a diretora-proprietária.   

 Os argumentos de defesa não foram suficientes para convencer a magistrada. Ao dar sua decisão, a juíza Luiza Vieira de Figueiredo lembrou que o Ministério Público Eleitoral “atuando como fiscal da Lei, manifestou-se favorável ao julgamento procedente da representação, com condenação dos representados ao pagamento da multa prevista no art. 17 da Resolução no 23.600/2019/TSE (parecer ID 2917070)”. 

Em seguida, fazendo o contraponto aos denunciados com a letra da legislação eleitoral, ressaltou que os institutos são o brigados a registrar no Sistema de Registro de Pesquisas Eleitorais (PesqEle), até cinco dias antes da divulgação, todas as informações exigidas pela Lei 9.504/1997, artigo 33, caput, I a VII e parágrafo 1º. E frisou: “A partir do dia em que a pesquisa puder ser divulgada e até o dia seguinte, o registro deverá ser complementado, sob pena de ser a pesquisa considerada não registrada, com os dados relativos”. 

CONDIÇÕES 

Esses dados especificam, com clareza, que uma das condições para divulgação das pesquisas e atestado de sua legitimidade, é, nas eleições municipais, informar quais os bairros abrangidos “ou, na ausência de delimitação do bairro, a área em que foi realizada”. E completou a juíza: “Como mencionado na decisão liminar, as regras estabelecidas pela legislação vigente e atos normativos que a regulamentam acerca da divulgação de pesquisa eleitoral tem a finalidade última de preservar o eleitor, que não deve ser influenciado por pesquisas fraudulentas ou temerárias”. 

Adiante, a magistrada considerou que “a justificativa apresentada pelo requerido Ibrape, de que encaminhou tais dados para o representante, bem como acostou-os aos autos, não tem o condão de ilidir [refutar] a irregularidade constatada. O objetivo da norma legal é a proteção do eleitor e a lisura do processo eleitoral. No mesmo sentido, não prospera a alegação de erro material. As organizações que lidam com a matéria (realização de pesquisas eleitorais) e os meios de comunicação devem não apenas tomar os cuidados necessários ao exercício da profissão, mas também informar-se acerca das normas aplicáveis, ou seja, as normas que regulam a temática, em especial para casos tão específicos, como os que envolvem o pleito eleitoral”. 

DOLO E CULPA 

Para a alegação de que não houve dolo na publicação e que a divulgação só foi feita ao ser comprovada que a pesquisa tinha registro no TRE, a juíza respondeu: “Como dito alhures, a tutela do interesse público deve preponderar, sobremaneira quando a verificação de ausência de dolo não pode ser objetivamente comprovada, porquanto implica elemento anímico não aferível objetivamente nesta seara. Ainda que se pudesse encampar tal argumento defensivo – de ausência de dolo – o que não se faz, é de se reconhecer também que os representados agiram com culpa, por desconhecerem as regras aplicáveis às pesquisas eleitorais, regras essas de fácil acesso a qualquer interessado pela internet”. Em miúdos: antes de publicar uma pesquisa, o órgão de imprensa deve saber que existe uma legislação para isso e que há critérios de cumprimento obrigatório. Não bastaria, portanto, conferir se a pesquisa do Ibrape estava ou não registrada. 

Na exposição da sentença final a juíza decide, assim: “Diante de tais considerações, confirmo a liminar concedida e julgo procedente a representação a fim de determinar, em caráter definitivo, a suspensão da divulgação da pesquisa registrada sob o número MS-09885/2020, bem como condenar os requeridos, solidariamente, ao pagamento de multa eleitoral, a qual fixo no mínimo legal, ou seja, R$ 53.205,00 (cinquenta e três mil, duzentos e cinco reais)”.