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RAP REGIONAL

Pioneiros: Falange da Rima faz 20 anos do 1º EP, lançado em dia de atentado

Grupo mais antigo de rap em atividade, FdR cresceu no "pós ditadura" e denunciou a mentira de CG com faixa "Capital sem Favela"

Grupo foi formado em 1998 e passou por hiato, voltando em 2013 com nova formação. - (Reprodução)

Na semana em que se comemora a Independência do Brasil (1822), ao longo da história, a data de 11 de setembro ficou marcada por fatos impactantes. 

Do Golpe Militar no Chile (1973), à uma das primeiras ações dos Aliados contra a Alemanha nazista (1944) - que deixou 11 mil civis mortos -; ou até mesmo a abertura das portas da Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como "Carandiru", quem também leva o dia como parte de sua história é o grupo campo-grandense Falange da Rima, que celebra os 20 anos de seu primeiro lançamento. 

Em comum entre essas datas somente o peso de suas histórias e o dia de seus "aniversários", mas o lançamento do EP "Mariposa Assassina" - “Acheromthius Lexis” (Letal se for tocado), além da repercussão no dia seguinte, dividiu espaço com o atentado às Torres Gêmeas. 

Esse grupo, formado em 1998, já teve um hiato e voltou (em 2013) com nova formação e trabalho, sendo formada hoje por Flynt, Jhon Geral, Mano Cley e as batidas de DJ Magão. 

"Gravamos em vários estúdios, com o Melo - um grande produtor daqui que já faleceu - e finalizamos no estúdio do 'Fralda', uma coisa bacana que tem duas músicas que foram produzidas pelo Dudu Borges, que era daqui de CG e hoje é considerado um dos maiores produtores do país. Falamos que era oficial e o Correio do Estado lançou a matéria, com os desdobramentos do atentado acontecendo durante os dias que passavam", conta Mano Cley. 

Sobre esse 1º disco, que contou com 6 mil cópias vendidas, achavam que - ao lado de um atentado terrorista - nem iriam sair como notícia, que em 12 de setembro a matéria já tratava o grupo como "Maturidade no Rap Local". "Falamos 'olha aí que fita'. Achamos que não ia sair no jornal, fazia tempo que não rodavam a edição extra. Acabou que rodou e saímos nos dois jornais. Lançamos o disco no 11 de setembro", revela o integrante. 

Grupo mais antigo de Rap em atividade em Mato Grosso do Sul, a história do Falange começou quando a região vivia o que ficaria conhecido como "cultura das gangues", onde "você não podia ir em determinados bairros, nem frequentar certos clubes", como explica Mano Cley que, por essa época do final da década de 80 ainda arriscava nos "passinhos do flashback". 

"Eu tava nesse embalo aí, querendo andar em gangue, armado, que na época começou isso de uma gangue querer dar tiro em outra. Mas no final de 89, início dos 90 conheci o Rap e o Hip Hop e vi que o movimento era contra a violência e pregava radicalmente nesse sentido. Aquilo lá foi um boom na minha vida. 

Cley passou a dançar break, virou b-boy e começou a se integrar na grandeza do Hip-hop. Ele conta que foi o que mudou a sua vida. "Da minha época de 87 até 91, os caras que continuaram na gangue todos morreram, poucos que sobraram a gente sabe quem foi, mas a maioria morreu. Aqueles que não morreram foram presos, não queria isso para minha vida e o Rap e Hip-Hop não pregava isso", aponta. 

Ainda, DJ Magão explica que o grupo sempre teve a preocupação de denunciar e informar, deixando o espaço aberto para que cada um forme sua opinião. 

"A gente vem de uma época antiga, anos 80, em que o rap era contundente e precisava ser, hoje é outra realidade, o mundo mudou muito. Não dá para ter a postura que a gente tinha, que era muito mais agressiva. Hoje a gente ataca mais com inteligência, isso que faz o som do Falange da Rima ser o que é e conquistar o que conquistou", afirma. 

CAPITAL SEM FAVELA

"A gente sabia que tinha [favela] e com muita gente sofrendo lá em torno do lixão. E mostrar que a condição de favelado não é só morar em barraco, debaixo de uma lona...  é a fome", é o que evidencia Cley quando sobre o propósito da faixa "Capital sem Favela". 

Em meados de 2011, enquanto Nelson Trad Filho assumia como o prefeito de Campo Grande, dizia ser administrador da primeira capital do país sem favelas. "Nos deparamos muito com isso nas pessoas que moravam lá, que realmente passavam fome. Falar que não tinha umas pessoas lá que eram meio encostadas, sim, mas a maioria passava fome e não tinha condições de morar em outro lugar", fala o rapper. 

Cley destaca que as pessoas que ali viviam, não estavam ali por vontade, já que, como bem aponta, "o cheiro do lixão é insuportável". 

"E tinha muita criança trabalhando ali. Foi um dos motivos que a gente quis fazer essa música chamada Capital sem Favela, porque tinha pessoas morando em torno de um lixão e pior que situação de favela. Além de morar num lugar que era podre, que passava fome, ainda tinha que sobreviver daquilo", chama atenção.

No mês de dezembro do ano em que Nelsinho falava sobre sua "Capital Sem Favela", Maikon Corrêa de Andrade de apenas 9 anos foi soterrado por uma montanha do lixão, enquanto "brincava" com seus amigos recolhendo garrafas.

Conforme matéria da época, do portal G1, o catador José Vilmar de Lima presenciou o momento e acompanhou o trabalho de buscas pelo garoto. 

“Foi horrível, parecia uma onda engolindo tudo, todo mundo ficou desesperado, a gente não sabia o que fazer”, disse na época. 

"Foi quando fecharam o lixão e proibiram de entrar as pessoas lá, mas tinha muita gente que sobrevivia do que os campo-grandenses descartavam lá. Foram transferidos para outros lugares e virou uma série de histórias, depois de termos feito essa música", relembra Cley. 

FANTASMA DA DITADURA

DJ Magão reconhece o trabalho de conscientização do gênero, mas cita o rapper Nas para lembrar que o Rap não pode ser politicamente correto e, segundo ele, nem deve. 

"Porque fica uma certa cobrança, de que você tem a obrigação de falar certas coisas, se posicionar... e às vezes vai por um caminho muito fora da realidade. O Rap prega a liberdade, então tem que ter liberdade de escolha para fazer o seu som, sua música e ter sua postura. E arcar com as consequências também", comenta o DJ.

Magão lembra das dificuldades do começo da carreira, quando ainda eram assombrados pelo "fantasma da ditadura", dizendo que as coisas eram mais difíceis de fazer e de impor suas ideias. 

"Era recente que tinha acabado de sair daquele período [ditadura] e - principalmente Campo Grande (MS), Estado pecuarista - tem todo o lance do coronelismo que imperava na época", explica. 

Em cima disso, exalta a sapiência do Falange da Rima de, segundo o grupo, sempre falar nas entrelinhas. "Tinha uns: 'cês tem que ver o que estão falando. Não mexe com tal fulano'. Tinha sim uns recados desses na época", comenta sobre as ameaças que enfrentavam pelo trabalho. 

Nas palavras de Mano Cley "o pessoal não entendia o que era o movimento", que, pelo pioneirismo, eram enxergados como marginais e malandros. 

"A gente raspou a cabeça em 92 chamaram a gente de louco, que era só presidiário e pessoas que estavam no manicômio que raspavam, para você ver como era Campo Grande que nem essa cultura de raspar cabeça tinha por causo do 'Public Enemy', dos Racionais MCs", diz. 

Vale ressaltar que, nesses mais de 20 anos no corre, o grupo participou do Festival América do Sul em Corumbá, Festival Amostra Grátis em Cuiabá, São Paulo, Brasília, também já dividiu o palco com grandes artistas, tais como; Racionais Mcs, Thayde e DJ Hum, MV Bill, Facção Central, Realidade Cruel, SNJ, Projota, Emicida, Marcelo D2, entre outros. 

Finalizando, ele aponta que foi o Hip-hop que, além de mudar seu caminho, salvou sua vida. 

"Se eu tivesse continuado nesse lado de andar e mexer com gangue, querer brigar na porrada contra os bairros, numa hora dessas o meu destino seria igual de todos que continuaram: ou morto ou ficaria preso, graças a Deus me livrei desse caminho por causa do movimento Hip Hop".