CAMPO GRANDE (MS)
Há quase 1 ano, Juliano limpa pontos de ônibus voluntariamente no Jardim Noroeste
Jovem paga o vizinho e juntos fazem duro trabalho de limpeza em bairro tomado pelo matagal
Sol a pino na rua de terra na manhã do sábado (22.jul.23). O veículo de nossa reportagem balança desviando de buracos. Ao lado, pela janela esquerda, se vê o extenso muro do Instituto Penal de Campo Grande (IPCG). À direita, há algumas casas e muitos lotes tomados pelo matagal. Estamos na Rua Indianápolis, buscando um ponto de ônibus no Jardim Noroeste. Lá, iremos encontrar Juliano Alexandre, de 22 anos, que há 18 anos vive no Noroeste.
Logo avistamos Juliano: um rapaz franzino, de sorriso largo. Sua pele queimada pelo sol denota que a juventude por ali é desafiadora.
Juliano está de pé sob a cobertura de um ponto de ônibus. Sentado, ao lado dele, está Valdeci Santos Vieira, de 51 anos. Ambos estão há quase 1 ano fazendo um trabalho silencioso que, entretanto, atinge diretamente o cotidiano dos 32 mil moradores do Noroeste.
“Ou a gente fazia, ou esse matagal continuava nos pontos de ônibus. Então, decidi pegar dinheiro para pagar o Valdeci e começar isso. Nós começamos a carpir esses pontos, limpar eles”, resume Juliano, que trabalha como assessor parlamentar e é caseiro em uma chácara no contraturno.
“São 20 pontos de ônibus que limpamos aqui no bairro. É cansativo, sim! Mas, não tínhamos escolha, porque estava chovendo e tinha bichos peçonhentos e a comunidade estava exposta a isso. O poder público, prefeitura ou estado, não chega aqui, pode ver, os lotes tudo estão tomados por matagal e nem fiscalização séria tem”, denuncia Juliano.
A iniciativa consiste em capinar, com uso de enxada e enxadão, aproximadamente 3 metros quadrados ao redor dos pontos. “A gente limpa certinho e monitora o crescimento, fazemos a manutenção”, detalha Juliano.
Depois de limpo a primeira vez, inicia-se a fase do monitoramento e, a última fase, é conseguir fazer um piso de concreto em cada um dos pontos limpos. “Mas aí precisamos do apoio de mais gente, né? Porque eu já fiz concretos em alguns com meu dinheiro, mas acaba afetando meu salário demais, lembro que numa época até comecei acumular dívidas. Então, acho que agora para fazer novos de concreto, é só quando sobrar dinheiro ou alguém nos ajudar com a doação do material”, observa o jovem.
Enquanto não realiza o sonho de concretar os 20 pontos, Valdeci, que é vizinho de Juliano, pede à comunidade o apoio na doação de veneno. “É melhoria para nós e precisa de ajuda, né? Precisamos de veneno, que se alguém puder doar é o que precisamos. Essa ideia dele é bem-vinda! Tem poucos que fazem isso, quase ninguém, na verdade. Eu moro aqui também há uns 17 anos e isso do mato invadindo tudo é geral, ponto de ônibus e terrenos são cheios de mato. Lixo, escorpião, aranha era comum aqui, antes dessa ação puxada pelo Juliano...”, lembra Valdeci, que trabalha como eletricista.
A dupla só limpa os pontos nos finais de semana ou em dias de folga, pois ambos têm trabalhos que lhes tomam tempo ao longo da semana.
Pedimos para eles que nos mostrassem qual é o caminho trilhado até os pontos. “Vamos lá, temos que ir até a casa do Valdeci pegar as ferramentas, aí vamos num ponto ali para cima que já está mais sujo”, orienta Juliano.
Eles montam uma motocicleta cinza de 125 cilindradas e seguem para a casa de Valdeci. Lá, pegam enxada, enxadão e rastelo. Rapidamente, Juliano coloca os petrechos sobre os ombros e monta novamente a motocicleta.
Seguimos eles. Descem o desfiladeiro de uma rua, sobem outra. Ao redor, há de fato muitos terrenos tomados pelo mato.
Chegamos ao ponto que a dupla vai fazer a manutenção, na Rua Pinheiro Machado. “Ele já está mais sujo porque faz uns dias que não conseguimos vir aqui e teve chuva, aí cresce rápido”, esclarece Juliano, assim que desembarca para o início da limpeza.
Valdeci faz um reconhecimento retirando grandes pedras do local. Juliano logo se afasta para junta-se ao companheiro. Há muitas pedras e entulhos de construção em meio ao mato alto.
Apesar do sol intenso, não há desânimo nos olhos de Valdecir e Juliano.
“Rapaz, é duro, sim! A gente podia pegar esses finais de semana para descansar, né? Mas não consigo ver isso assim sem fazer nada... minha família, meus pais sempre foram de ajudar, de resolver! Se formos esperar a prefeitura, isso aqui não se resolve em 30 anos... Mesmo quando passam o asfalto, os pontos continuam tomados pelo mato aqui nos bairros afastados. Isso aqui eu faço pelos moradores, tem pessoas que são muito gratas a esse trabalho”, avalia.
Valdeci, por outro lado, aponta que o reconhecimento é pequeno em relação ao trabalho.
“É algumas pessoas só. Não tem o reconhecimento! São poucas as pessoas que já vieram oferecer uma ajuda para continuarmos isso”, aponta.
Enquanto a dupla batia enxada e enxadão, em frente ao ponto, Luiz Elias, de 72 anos, observava sob a varanda de sua casa. Morador do bairro há 20 anos, ele parabenizou a dupla, entretanto, reclamou que o serviço deveria ser feito pelo poder público. “Tão fazendo o serviço da prefeitura em troca de nada. A prefeitura não nos enxerga aqui. Você já andou aqui em dia de chuva? O dia que chover você vem aqui ver, mas vem de helicóptero que de carro você não passa nessa rua, não”, introduz o morador.
Luiz foi consonante com Valdeci no sentido de que o trabalho realizado por eles não tem reconhecimento. “Eles já limpam esse ponto aí faz horas. Umas quatro ou cinco vezes eu vi eles limpando, mas a população ao invés de ajudar, alguns vem aqui e joga lixo. Alguns metem o pau neles. Também não tem reconhecimento, o menino [Juliano], concorreu a presidente do bairro e nem foi eleito. O povo elege pessoas que não estão fazendo nada semelhante pelo bairro”, diz Luiz.
O redor da casa de Luiz, poeira se mistura a fumaça vinda de lixos sendo queimados. Ao lado de sua casa, Luiz mostra um terreno com matagal acima de 1,5 metros.
"O povo gosta muito de pôr fogo aqui, mas limpar mesmo não limpa. Olha esse terreno aqui do lado de casa, tomado pelo mato, da altura da minha casa, eu moro praticamente no lixo... Cheio de criança, cheio de barraco ali perto. Se alguém botar fogo nesse terreno, queima tudo. Sem falar em dengue, bichos de todo tipo... Moro dentro desse cerrado aqui e a prefeitura não toma nenhuma providência, não acontece nada. Uns eles fiscalizam, outros eles fazem vista grossa”, reclama.
Por fim, o morador faz um apelo: “Peça a prefeita para enxergar o bairro aqui, estamos abandonados aqui. Essa rua precisa de intervenção urgente, porque só passa um carro de cada vez”, completa Luiz.
Voltamos ao ponto de ônibus. Com a limpeza do local quase finalizada, paramos Juliano para questioná-lo sobre a disputa à presidência do bairro, algo que até então ele não havia mencionado. “Eu disputei a presidência do bairro sim, eu e o Francivaldo, um outro rapaz daqui. Porque os moradores passaram a nos reconhecer por esse trabalho e caso eu ganhasse eu iria fazer muito pelo bairro, mas a pessoa que ganhou também é ótima pessoa. Torço que ela faça muito por essa comunidade que moramos. Nós fazemos outros trabalhos em prol dessa comunidade, cuidar dos cachorros de rua aqui, levar cascalhamento... Minha luta não é de agora. Esse trabalho que começamos, vamos continuar independente da eleição à presidência do bairro”, garante Juliano.
A presidente eleita para o bairro Jardim Noroeste é Valmira Rigotti, de 54 anos, vitoriosa numa chapa de 12 mulheres. Para saber a opinião da presidente sobre a ação feita por Juliano, fomos ao encontro dela na Praça Luiz Carlos Saldanha Rodrigues, onde estava sendo feita a montagem de barracas para um evento que visava arrecadar recursos para a construção de uma sede da associação.
“Assumi em março e pegamos esse barco andando. Entendemos que a ação dos meninos é positiva, tudo que é benefício para o bairro tem nosso apoio. Essa ação é boa e vale a pena mencionar”, declara a presidente.
Para Valmira, a sujeira generalizada em que se encontra o Noroeste se deve a um período de transição da administração pública. “Tá sujo, claro, mas não dá para culpar a prefeitura, porque a prefeitura está passando por uma crise complicada, esperamos que no futuro haja maior atenção da prefeitura, principalmente ao nosso bairro, sobre a questão da limpeza dos pontos”, completa.
Apesar de ser um trabalho duro, Juliano revela que sua ação de limpeza de pontos de ônibus o preenche. “Eu recebo tanto de familiares, quanto da população, muito elogio. Eles ficam gratos por estarmos prestando esse trabalho em prol da comunidade. Vários moradores, que assim como eu dependem do transporte público, nos procuram agradecendo. Pedimos apoio no sentido de concretar esses pontos, porque nós que dependemos diariamente do transporte, sabemos o quanto é dolorido esperarmos no meio do mato. Acho que com essa limpeza fazemos com que as pessoas sintam que elas têm o mínimo de valor, assim como gosto de sentir”, finaliza.
