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FUNDOU O TEATRO EXPERIMENTAL NEGRO

Lula inscreve Abdias do Nascimento no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria

Abdias do Nascimento foi poeta, ator, escritor, dramaturgo, artista, professor universitário, político e ativista pelos direitos civis e humanos das comunidades negras

Abdias é condecorado na Bahia pelo presidente Lula, em 2006, com a Ordem do Rio Branco, a mais alta condecoração brasileira. Foto: Arquivo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou nesta 3ª feira (9.jan.24) a lei que inscreve Abdias do Nascimento no livro “Heróis e Heroínas da Pátria”, localizado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília. O texto oficial foi publicado no Diário Oficial da União por meio da Lei nº. 14.800.

Abdias do Nascimento foi poeta, ator, escritor, dramaturgo, artista, professor universitário, político e ativista pelos direitos civis e humanos das comunidades negras. Nasceu em Franca, São Paulo, e absorveu conhecimentos das gerações afro-brasileiras mais antigas transmitidos pela tradição oral em rodas de conversa. Mais tarde, ele se juntou à Frente Negra Brasileira, que organizou protestos públicos e trabalhou para integrar os negros brasileiros.

Abdias esteve ativamente envolvido na vida política brasileira. Com a ajuda de Dom Paulo Evaristo Arns, foi responsável pela criação do Instituto de Estudos e Pesquisas Afro-Brasileiras da PUC de São Paulo e pela organização do Terceiro Congresso da Cultura Negra nas Américas. Em 1983, criou a revista Afrodiáspora, meio de divulgação de atividades, problemas e aspirações dos afrodescendentes nas Américas. Ele também criou o Movimento Negro Unificado.

Em 1982, Abdias foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro sob a bandeira da luta contra o racismo. Foi a primeira vez na história do Brasil que um brasileiro negro assumiu esta posição com as bandeiras de luta do movimento negro. Aos poucos, mas com persistência, Abdias fez valer discursos e posicionamentos, como questionar a comemoração do 13 de maio e exigir a oficialização do dia 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra. Foi o primeiro deputado federal a desenvolver projetos de políticas afirmativas. Na década de 1990, tornou-se senador. Como substituto do antropólogo Darcy Ribeiro no Senado, ocupou o cargo de 1991 a 1992 e de 1997 a 1999.

Além de poeta, dramaturgo e artista, Abdias Nascimento destacou-se como cientista social e autor de obras sobre temática afro-brasileira, considerado referência neste campo de estudo. Como artista visual, realizou diversas exposições em museus, universidades e centros culturais brasileiros.mo artista plástico, realizou diversas exposições em museus, universidades e centros culturais brasileiros.

CRONOLOGIA HISTÓRICA

Para o negro, pouco mudou com o fim da escravatura”. Essa afirmação é de Abdias do Nascimento, em entrevista concedida à Revista Acervo, em 2009, na qual ele conta um pouco das suas dificuldades enfrentadas e a luta diária por mais justiça e resgate.

Era neto de africanos escravizados e filho de sapateiro e confeiteiro. Abdias esteve envolvido nas Revoluções de 1930 e 1932 após ingressar no exército. Formou-se em Economia pela Universidade do Rio de Janeiro em 1938 e integrou a Frente Negra, organização que lutava pelos direitos dos negros.

Em 1944, fundou o Teatro Experimental do Negro, espaço para artistas negros excluídos da indústria na época.

Abdias foi perseguido pela ditadura militar em 1969 e exilou-se nos EUA, onde lecionou em diversas universidades. Lutou incansavelmente para restaurar a dignidade e a visibilidade da população negra.

Abdias Nascimento também foi político, poeta, dramaturgo, artista e autor de importantes obras sobre temas afro-brasileiros.

A sua defesa dos direitos humanos valeu-lhe uma nomeação para o Prêmio Nobel da Paz em 2010. Abdias Nascimento faleceu em 2011, aos 97 anos.

RACISMO NO PARLAMENTO 

Abdias conta na Revista Acervo que sempre teve uma dupla conotação, cultural e política.

Em uma de suas últimas entrevistas para a Revista Acervo em 2009, Abdias conta uma situação na qual ele, ainda menino, pela primeira vez compreendeu o que era injustiça e preconceito racial. O caso envolveu sua mãe, que arrancou dos braços de uma mulher branca um menino de rua que, na ocasião, estava apanhando dela. “As palavras de minha mãe, a atitude dela, foram as minhas primeiras lições de solidariedade racial, a primeira lição de panafricanismo que recebi ainda menino”, contou o ativista.

Abdias também relembra, nessa mesma entrevista, um de seus primeiros contatos com o racismo na juventude e como superou o acontecido. O ativista foi preso na Penitenciária do Carandiru, em São Paulo, e expulso do Exército brasileiro por reagir ao preconceito sofrido por ele. Porém, o fato não foi motivo para parar seu trabalho, muito pelo contrário. Foi na prisão que ele pôde criar sua primeira peça teatral e, após sair, contribuiu para uma cultura brasileira inclusiva, criando o Teatro Experimental do Negro (TEN), no Rio de Janeiro.

“Antes do TEN, os negros não pisavam no teatro Municipal a não ser para fazer faxina! Lá, resgatávamos, no Brasil, os valores da cultura negro africana, degradados e negados pela violência da cultura branco europeia, valorizando o negro através da educação, cultura e arte”, contou..

À Revista Acervo, Abdias lembrava que durante sua gestão como deputado federal, em 1983, foi o único deputado assumidamente negro no Congresso Nacional. Dedicou seu mandato à defesa dos direitos humanos e civis da população negra, o que muitas vezes gerou indignação e tentativas de silenciá-lo na Câmara Federal.

"Quando cheguei à Câmara como deputado pelo PDT, não me deixaram falar. Queriam me cortar e achavam que eu falava mentiras absurdas. A sociedade tem mudado à medida que avançamos. É verdade que é gradual, mas é um processo irreversível", disse Abdias. 

Ao encerrar a entrevista, Abdias deixou uma mensagem para a população brasileira, reafirmando a importância e a necessidade de ouvir as questões raciais no país. "A população negra deste país está desperta, alerta e continuará sua luta. Este é um processo irreversível! Espero que o Brasil tenha o bom senso de ouvir seus gritos em vez de ignorá-los. No futuro eles deverão assumir a liderança do país. É só uma questão de tempo e de melhoria das instituições democráticas”, finalizou.

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