NÚCLEO CRUCIAL
"Paladino da Lava Jato", Fux vota para anular processo contra golpistas
Ministro já exaltou publicamente os métodos de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol
Em pleno julgamento de Jair Bolsonaro e seus aliados mais próximos por tentativa de golpe de Estado, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, decidiu remar contra a corrente. Em voto proferido nesta quarta-feira (10.set.2025), Fux abriu divergência e defendeu a anulação do processo, alegando que os réus não têm prerrogativa de foro e, portanto, o STF não seria competente para julgá-los.
O argumento técnico é conhecido – e, em muitos casos, legítimo. O que causa estranheza, no entanto, é a reincidência com que Fux parece invocar garantias processuais apenas quando réus ligados à extrema direita estão no centro do tribunal. Para quem acompanhou sua trajetória durante os anos de glória da Operação Lava Jato, o contraste é inevitável.
Fux, que já exaltou publicamente os métodos de Sérgio Moro e Deltan Dallagnol – ainda que muitos deles hoje estejam sob forte crítica jurídica – agora se apresenta como defensor zeloso do contraditório, da ampla defesa e da imparcialidade judicial. A mudança de tom, embora legítima, não deixa de levantar questionamentos sobre coerência e timing.
Durante o voto, Fux criticou o julgamento pela 1ª Turma, alegando que decisões de tamanha gravidade deveriam ser conduzidas pelo Plenário, com os 11 ministros. A observação, embora válida, chega tarde, considerando que o processo já avançou substancialmente. E mais: o ministro já havia sinalizado essa divergência em março, mas preferiu reforçá-la agora, no momento em que os votos pela condenação começam a se consolidar.
Na crítica à condução do processo, Fux classificou como “tsunami de dados” o volume de provas disponibilizadas às defesas. Argumentou que houve cerceamento por falta de tempo hábil para análise – ainda que os advogados dos réus tenham tido acesso a todas as informações antes das audiências. A preocupação com as garantias processuais é legítima. Mas seria desejável que fosse aplicada com o mesmo rigor e sensibilidade em processos anteriores, onde excessos e vazamentos foram tratados como métodos de investigação, não como violações de direitos.
Ao defender a nulidade dos atos e o deslocamento da ação para outra instância, Fux também reafirmou que os réus perderam seus cargos antes da apresentação da denúncia – o que, segundo ele, tornaria a competência do STF inválida. O argumento, no entanto, contraria entendimentos recentes da própria Corte, segundo os quais a apuração de crimes conexos a autoridades com foro pode se manter sob sua jurisdição.
Vale lembrar que entre os réus estão militares de alta patente, ex-ministros e o próprio ex-presidente da República – acusados de formar um núcleo político e operacional para fragilizar as instituições e tentar romper com a ordem democrática. O voto de Fux, embora revestido de legalismo, termina por favorecer justamente aqueles que atuaram contra o Estado de Direito.
A lembrança do passado é inevitável: Fux foi um dos ministros mais próximos – em termos públicos e simbólicos – da Lava Jato. Recebeu de braços abertos os expoentes da operação, elogiou sua atuação e não fez questão de esconder sua sintonia com a agenda de “combate à corrupção” capitaneada por figuras hoje profundamente associadas ao bolsonarismo.
É nesse contexto que seu voto ganha dimensão política. Não por violar a legalidade – mas por sinalizar afinidades históricas e, talvez, um desconforto diante do caminho que o Supremo vem trilhando para responsabilizar os articuladores golpistas, cabeças do 8 de janeiro.
Ao fim, Luiz Fux reafirmou sua leitura própria da Constituição – uma leitura tecnicamente fundamentada, mas que, na prática, converge com os interesses de um campo político que passou os últimos anos tensionando as instituições. E isso, num julgamento sobre um golpe de Estado, não é um detalhe técnico. É uma escolha com peso histórico.
