OPERAÇÃO SEM DESCONTO
Alessandro Stefanutto serviu Bolsonaro e Lula, enquanto roubava o INSS
Sua carreira ilustra uma capacidade de navegar em águas ideologicamente opostas
A prisão de Alessandro Stefanutto, ex-presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ocorrida nesta 5ª feira (13.nov.25), é mais do que um capítulo em uma complexa investigação de corrupção. É um retrato da intrincada relação entre o poder técnico e o poder político no coração do Estado brasileiro.
Stefanutto, detido preventivamente na "Operação Sem Desconto", não foi uma figura transitória. Sua carreira ilustra uma capacidade notável de navegar em águas ideologicamente opostas, tendo ocupado postos estratégicos tanto no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto na transição para este, vindo do governo de Jair Bolsonaro (PL).
A operação, autorizada pelo ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), investiga um esquema colossal de descontos ilegais em aposentadorias que, segundo as autoridades, pode ter desviado até R$ 6,5 bilhões dos cofres públicos entre 2019 (governo Bolsonaro) e 2024 (governo Lula).
O alcance da operação é vasto, com 63 mandados de busca e apreensão e 10 de prisão preventiva expedidos em 15 estados e no Distrito Federal.
TÉCNICO NOS POLOS
A trajetória de Alessandro Stefanutto é o ponto nevrálgico da investigação e revela como a burocracia estatal opera com vida própria.
Servidor de carreira com mestrado em gestão de seguridade social, Stefanutto não é um neófito. Antes de presidir o INSS, foi Diretor de Orçamento, Finanças e Logística do órgão, um posto de controle vital.
Sua relevância técnica foi tamanha que, durante a mudança de governo, ele atuou como consultor para assuntos de Previdência Social no gabinete de transição, auxiliando a passagem de bastão da gestão Bolsonaro para a gestão Lula, que se iniciava.
Apesar de sua associação técnica com a transição, sua ascensão à presidência do INSS, em julho de 2023, foi selada politicamente. Ele foi uma indicação direta do PDT, apadrinhado pelo então ministro da Previdência e presidente da sigla, Carlos Lupi, e apoiado por grande parte do chamado 'Centrão', da Direita e também da Esquerda.
Paradoxalmente, foi sob sua gestão que as investigações sobre os desvios bilionários ganharam corpo. Stefanutto foi demitido em abril de 2025, justamente quando a apuração sobre a sangria de R$ 6,5 bilhões se tornou incontornável.
Agora, a Polícia Federal (PF) o acusa de participação nos crimes de inserção de dados falsos em sistemas oficiais, organização criminosa, estelionato previdenciário e corrupção.
TENTÁCULOS POLÍTICOS DA OPERAÇÃO
A "Sem Desconto" não se limita aos quadros técnicos do INSS. A investigação expõe um suposto conluio que alcança o alto escalão político e entidades civis.
Entre os alvos está o ex-ministro da Previdência, Ahmed Mohamad Oliveira (anteriormente conhecido como José Carlos Oliveira, ex-ministro de Jair Bolsonaro), que terá de usar tornozeleira eletrônica.
Além dele, o deputado federal Euclydes Pettersen (Republicanos-MG) e o deputado estadual Edson Araújo (PSB-MA) foram alvos de mandados de busca e apreensão, indicando que o esquema necessitaria de blindagem parlamentar.
REDE DE OPERADORES
A lista de presos revela a suposta arquitetura do esquema, que conectava agentes internos do INSS a entidades externas.
Foram detidos André Paulo Felix Fidelis, ex-diretor de Benefícios, e Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho, ex-procurador-geral do INSS (cuja esposa, Thaisa Hoffmann, também foi presa).
Do lado de fora, as prisões miraram a cúpula de organizações ligadas a trabalhadores rurais. Foram presos Tiago Abraão Ferreira Lopes, diretor da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares (Conafer), e Vinícius Ramos da Cruz, presidente do Instituto Terra e Trabalho (ITT). Isso sugere que as associações poderiam ser usadas como fachada ou ferramenta para operacionalizar os descontos fraudulentos.
OUTRO LADO
Em nota, a defesa de Alessandro Stefanutto classificou a prisão como "completamente ilegal", argumentando que o ex-presidente "não tem causado nenhum tipo de embaraço à apuração, colaborando desde o início". Os advogados afirmaram que ainda não tiveram acesso ao teor da decisão que fundamentou a prisão, mas que confiam na comprovação de sua inocência.
O deputado Euclydes Pettersen também se manifestou, declarando apoio ao trabalho das autoridades e colocando-se "à inteira disposição". O parlamentar relembrou ter sido alvo de outras operações, das quais saiu absolvido ou sequer denunciado, e defendeu "investigações sérias, conduzidas dentro da legalidade".
