CUSTO SEM BENEFÍCIO
Com orçamento milionário, Tribunal de Contas de MS é nocivo à sociedade
O combate ao marajaísmo (mordomias e salários de marajás nas relações indecorosas da política no serviço público) deu ao candidato Fernando Collor de Mello o apelo eleitoral que precisava para se tornar vedete midiática e vencer a disputa presidencial em 1989. No entanto, a máscara do "caçador de marajás" foi caindo até desaguar na cassação de seu mandato, enquanto tudo aquilo que combatia no discurso continuava contaminando o ambiente da representação pública nacional, por meio de sinecuras que sugam os cofres públicos.
Um desses drenos está no sistema de contratações e remunerações do Tribunal de Contas (TCE), criado como órgão auxiliar da Assembleia Legislativa para acompanhar, fiscalizar e julgar o uso do dinheiro público nos âmbitos do governo e dos municípios. Dono de robusto orçamento anual, em Mato Grosso do Sul o TCEMS é conhecido como "Paraíso". O motivo: quem manda é um colegiado de sete conselheiros e conselheiras em cargos vitalícios, regiamente remunerados. As nomeações, feitas sem concurso público, são chanceladas em sua maioria por apadrinhamentos e configuram, geralmente, uma espécie de premiação ou reconhecimento de natureza política ou partidária.
BENESSES
Além da vitaliceidade do cargo, da aposentadoria automática aos 75 anos e dos salários nababescos, ser conselheiro significa também ter direito a nomear auxiliares, alguns igualmente bem pagos. Já se noticiou que um chefe de gabinete estaria ganhando em torno de R$ 90 mil/mês. Neste patamar, é inevitável levantar-se questionamentos para a sociedade saber, por exemplo, e sem nada de secreto, quanto custa para os cofres estaduais bancar o funcionamento de uma corte de duvidosa serventia e nesta questão tirar o véu que cobre o ganho total dos conselheiros e dos principais assessores.
O orçamento do TCEMS para 2026 é de R$ 444.019.300,00 - ou mais de R$ 30 milhões por mês, na média. Em abril deste ano, o subsídio de um conselheiro foi fixado em R$ 41.845,49 mensais. Entretanto, os ganhos aumentam com os adicionais acrescidos ao holerite. O portal UOL divulgou em abril que a remuneração mensal de um conselheiro do TCEMS chegava a R$ 76,6 mil, valor bem acima do que é pago em boa parte dos congêneres brasileiros e superando até o contra-cheque dos integrantes da elite do Judiciário.
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm uma média de R$ 31 mil mensais, considerado o teto para o funcionalismo público.E ainda há quem assegure que os conselheiros da corte sul-mato-grossense usufruem regularmente de uma remuneração mensal superior aos R$ 100 mil. Já se noticiou, por exemplo, que em abril o presidente do TCEMS estaria com um ganho mensal de R$ 107,5 mil (R$ 37,5 mil de salário e R$ 70,5 mil de rendimentos adicionais). E outros conselheiros - entre os quais os afastados por denúncias de corrupção - embolsando quantias semelhantes.
ESCÂNDALOS
Além do contrapeso que seu custo financeiro acarreta ao orçamento estadual, o TCEMS impõe outras sobrecargas a Mato Grosso do Sul, de cunho moral. Várias denúncias levaram a Polícia Federal (PF) e outras instituições de fiscalização, controle e combate à corrupção a deflagarem operações especiais nos últimos cinco anos. Em 2021, na Operação Mineração de Ouro, a PF fez apreensões de dinheiro e documentos, investigando indícios de participação de três conselheiros em uma suposta organização criminosa, voltada à prática de fraudes em licitações, superfaturamento de obras e desvio de recursos públicos.
Em outra fase da Mineração de Ouro, a PF cumpriu em 2022 um desdobramento da Operação Lama Asfáltica, deflagrada também para investigar suspeitas de envolvimento de conselheiros do TCE. Em 2024, na Operação Última Ratio, a força-tarefa das investigações sobre venda de sentenças no Tribunal de Justiça chegou novamente ao Tribunal de Contas, alcançando mais um conselheiro.
O TCE chegou a ficar com quatro conselheiros afastados por causa de decisões judiciais motivadas pelas investigações. Restaram apenas três titulares. Há conselheiros substitutos, servidores do quadro, que ocupam essas vagas até à nomeação de novos titulares. Um deles desembarcou na Corte há dois meses, o ex-presidente regional do PSDB, Sérgio de Paula. Aliás, os políticos tucanos têm forte presença no Conselho do TCE. São "crias" do partido os conselheiros Márcio Monteiro, Waldir Neves, Sérgio de Paula e o presidente, Flávio Kayatt.
Um levantamento minucioso sobre o custo financeiro e ético do TCE-MS está sendo feito por advogados e especialistas em orçamento e legislação de controle. O objetivo é subsidiar o programa de governo de uma das campanhas partidárias que disputarão eleições em 2026, cujos dirigentes querem saber com segurança para quê serve uma corte tão cara e quais as vantagens de conservá-la ou não. Uma das mudanças que serão discutidas é acabar com a nomeação por compadrio político, um fator que afeta a isenção nos julgamentos contábeis da instituição.
