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Garra

Do sonho de ser psicóloga, a integrante da tropa de elite da FAB

Jovem de 24 anos é a primeira mulher a saltar do maior avião já produzido pelo Brasil

Instagran/Aquivo pessoal

Criado há 53 anos, o Para-SAR, a unidade de elite da Força Aérea Brasileira, está localizada em Campo Grande. O nome do esquadrão Para-SAR vem do termo Paraquedista, acrescido da sigla SAR, usada para a expressão Busca e Salvamento em inglês, Search And Rescue. Composto por militares selecionados e habilitados de maneira técnica, física e psicológica, para cumprir as missões mais complexas de resgate, em qualquer parte do território nacional, sob as condições mais adversas.

Logo quando se pensa nesses heróis, a primeira imagem que vem à mente, é a de homens fardados, armados até os dentes e altamente treinados, como aqueles dos filmes de Holywood. Porém essa não é exatamente a realidade, pois entre esses homens há também mulheres. Isso mesmo. Mulheres, que aceitaram a dura e nobre missão de integrar essa tropa especial que tem como finalidade básica, salvar vidas.

Medindo 1,61 de altura, com maquiagem impecável, cabelos escovados e unhas bem feitas, a jovem de apenas 24 anos desconstrói totalmente aquele velho estereótipo que temos sobre as Forças Armadas. Mas as gírias e a postura firme denunciam a profissão: militar. Uma das 5 mulheres que fazem parte deste seleto grupo, o esquadrão PARA-SAR, e a única a possuir o curso de paraquedista, a sargento da Força Aérea Raniela Raica Finatto que é a primeira mulher a saltar da maior aeronave já produzida pelo Brasil - o Embraer KC-390, que ainda está em fase de testes. 

Do Sul 

Foto: Reprodução/Arquivo pessoal 

Nascida em São Luiz Gonzaga, uma cidadezinha do interior do Rio Grande do Sul, Raniela aprendeu cedo a se adaptar às várias mudanças de cidade que a profissão do pai exigia. Junto com a mãe e o irmão, ela pode acrescentar ao currículo o "ofício" de família de militar, já que a dedicação exclusiva exigida pelo Exército ao pai, se estende também à família, que sempre o acompanhou em suas transferências ao longo da carreira.  "Minha família, avós e tios, sempre ficaram distantes, mas em cada lugar o verde oliva nos proporcionava uma família sem ser de sangue, era divertido" conta Raniela.

A parte mais definitiva de sua vida, como ela prefere chamar a adolescência, foi vivida em Campo Grande, onde o futuro lhe reservou boas surpresas. Aluna do Colégio Militar de Campo Grande por 5 anos, ao chegar ao 3º ano do ensino médio em 2009, se deparou com a tão temida hora de decidir que profissão escolher. Nesse momento a carreira militar, que já estava em seu DNA, falou mais alto. Mas como o Exército só admitia mulheres com curso superior, Raniela precisava se formar em alguma área de interesse da força terrestre. E a escolha foi psicologia. "Passei no vestibular em 28º pra UFMS e fui pra faculdade. No terceiro ano estagiei e comecei a procurar concursos militares na área. Nessa busca, vi os concursos da Aeronáutica e tomei a decisão de fazer", revela.

À essa altura decidida a ser militar da Força Aérea, que possuía vagas de nível médio para homens e mulheres, a jovem escolheu ouvir a voz do coração e contrariando a lógica, trancar a faculdade no terceiro ano para dar conta dos estudos para concurso. E bastou um ano de estudo intenso para passar no concurso da Escola de Especialistas de Aeronáutica, em Guaratinguetá. Porém ser aprovado na prova teórica não lhe garantia o ingresso. Havia ainda outras etapas do concurso, e uma delas era a inspeção médica, onde Raniela teve seu primeiro obstáculo. Reprovada no teste de visão, ela foi declarada "incapaz para o fim que se destina", o que em outras palavras significava o fim de seu sonho.

"Eu não acreditei, porque eu tinha estudado o ano todo igual uma doida pra conseguir passar, aí quando eu fiz o exame de saúde eu fui incapaz por causa da visão. Eu tinha 3 graus de miopia e 1,75 de astigmatismo".

No entanto, nem isso foi capaz de detê-la. Determinada, fez uma cirurgia de correção e ingressou com recurso para garantir sua vaga na disputa.

Força de vontade 

Passado o susto, Raniela conseguiu ser aprovada nas outras fases do concurso, ingressando em 2013 para o que ela define como dois longos e intensos anos de formação militar. "Os anos mais interessantes da minha vida. Lá aprendi de tudo. Choros, alegrias. E foi lá que eu vi o que eu queria fazer e o lugar onde eu vislumbrava servir: o nobre PARA-SAR", relata emocionada. Mas como tudo ao longo de sua vida, esse sonho não se realizaria assim, tão facilmente, sem pelo menos uma mudança inesperada na ordem dos fatos.

Em 2014 não haviam vagas abertas para ingressar no esquadrão, que é sediado na Base Aérea de Campo Grande, mas mesmo assim a recém formada Sargento Raica não deixou de sonhar em fazer parte da unidade de elite da FAB, e ostentar o gorro laranja, que identifica um membro do grupo. E valeu a pena manter viva a esperança, pois aos 45 do segundo tempo abriram vagas. E mais uma vez lá ia ela botar o pé na estrada, seguindo sua nova meta.

De volta a Campo Grande, a cidade da sua adolescência, agora com 23 anos, Raniela que saiu do colégio militar com o sonho de ser psicóloga e depois mudou de sonho para ser militar do Exército, e que depois largou tudo pra fazer concurso da FAB e decidiu servir no PARA-SAR, agora tinha um novo objetivo: ser paraquedista. Para quem não sabe, isso pode até parecer de pouca relevância, mas quem entende um pouco do mundo militar sabe que não é qualquer um que pode usar a boina vermelha e o coturno marrom (chamado de boot), marcas inconfundíveis de um paraquedista militar. Isso porque o curso de formação do paraquedista é um dos mais exigentes fisicamente, oferecido pelo Exército Brasileiro, tendo sido aberto para mulheres apenas em 2009. 

Foto: Gustavo Maia 

Mas quem pensa que isso a desanimaria, está bem enganado. Diante disso tudo ela decidiu mais uma vez desafiar a lógica e encarar uma rotina exaustiva de exercícios físicos aliados a treinamentos técnicos para se tornar uma paraquedista - a única mulher dentre os cerca de 200 homens formados naquela turma. E voltou do Rio de Janeiro, onde o curso é ministrado, com seu boot marrom, boina vermelha e seu brevê, (uma espécie de distintivo que cada militar carrega no uniforme para mostrar as qualificações que possui).

"É muito diferente. Depois que me formei eu fiquei um mês andando olhando pro meu pé, porque a gente usa o boot marrom. Então antes eu era pé preto, e agora eu era PQD (gíria militar para paraquedista), realização mesmo", relata orgulhosa.

E a mesma empolgação toma conta da paraquedista quando lembra o salto feito do Embraer KC-390, a maior aeronave já produzida pelo Brasil, que ainda está em fase de testes e esteve na Base Aérea de Campo Grande em junho do ano passado.

Desenvolvido para cumprir tarefas como transporte e lançamento de cargas e de paraquedistas, reabastecimento de outras aeronaves durante o vôo, combate a incêndios florestais e evacuação aeromédica, o KC, como é carinhosamente chamado pelos militares, é um verdadeiro gigante com seus mais de 35 metros de comprimento e de envergadura. Medindo 11,84 metros de altura e pesando 87 toneladas, ele é capaz de  voar a 870 km/h e transportar até 26 toneladas. Atualmente, a aeronave está em São Paulo, onde passa pela fase final dos testes, após ter mostrado desempenho excepcional no lançamento de paraquedistas e cargas aqui em Campo Grande. 

Conquista

Dentre os poucos soldados selecionados para compor a primeira equipe de paraquedistas a saltar do KC, estava ela, a sargento Raica, mas não sem antes, claro, como sempre em sua história, passar por um suspense. "No início eu não estaria no salto. Eu sou muito nova, como paraquedista. Então estariam no salto outros militares mais experientes. Eu já estava conformada, porque não participaria. Eu aceitei. Até que aconteceu uma reviravolta e me falaram "olha, querem que você salte. Você está no salto"" conta Raica, sem disfarçar a alegria.

Foto: Gustavo Maia 

Saltar de paraquedas já é um turbilhão de emoções. Agora imagine saltar de um avião que sequer está pronto. "É uma experiência diferente porque é um avião que ainda estava em teste. Fiquei nervosa igual no primeiro salto. Mas confiamos nas técnicas e no equipamento. E Foi, sem dúvidas, uma honra representar a Força Aérea e as mulheres, como um todo, que compõem as Forças Armadas nesse início", ressalta Raica. 

Assim como a célebre frase do astronauta Neil Armstrong; ao caminhar em solo lunar pela primeira vez na história da humanidade, este pequeno salto, sendo apenas mais um na carreira de uma militar da FAB, pode significar um salto ainda maior na história da representatividade feminina nas Forças Armadas do Brasil.

Então da próxima vez que ver um desses aviões gigantes da FAB sobrevoando a cidade, fique atento. Pode ser que a sargento Raica esteja nos observando lá de cima.