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Clarice Lispector

Clarice Lispector, a grande escritora, completaria 98 anos nesta segunda

Autora foi reconhecida como uma das mais importantes literatas do século XX

“Não escrevo para agradar ninguém”, repetiu Clarice Lispector inúmeras vezes, sempre que alguém se queixava de não entender o que ela queria dizer em suas obras. Jamais se importou com o que pensariam, especialmente depois que um jornal de Pernambuco rejeitou os contos que, ainda menina, enviava à seção de ficção infantil da publicação. Porque, enquanto as outras crianças enviavam textos narrativos, os seus continham apenas “sensações”.

Sempre teve certeza de que se dedicaria a escrever, e de fato atuou não só como escritora, mas também como jornalista, escrevendo artigos de opinião, de cozinha e de moda. Lispector desejava ser considerada uma mulher normal, e aparentemente era, como mãe de dois filhos, esposa e cidadã de classe média. Entretanto, destacava-se em tudo, porque não era normal em nada do que fazia, e sim uma artista genial, impossível de enquadrar, reconhecida em seus círculos íntimos e nos ambientes literários do Brasil, mas quase nada no exterior, apesar de ter viajado muito durante seu pouco mais de meio século de vida.

Clarice Lispector é considerada, junto com Guimarães Rosa, a grande escritora brasileira da segunda metade do século XX, graças ao seu estilo, entre a poesia e a prosa. Uma marca que enchia os detalhes cotidianos de espiritualidade e que se caracterizava por utilizar a primeira pessoa na narrativa. Não se parecia com ninguém, e sua visão não recorda nenhum movimento, embora pertença à terceira fase do modernismo brasileiro, da chamada Geração de 45.

Chaya Pinkhasovna Lispector foi o nome que recebeu ao nascer, em 10 de dezembro de 1920, na localidade ucraniana de Chetchelnik. De origem judaica, foi a terceira filha de Pinkhas e Mania. Seu nascimento motivou uma pausa no caminho de fuga da família numa época de fome, caos e perseguição racial. Seu avô foi assassinado, sua mãe foi estuprada, e seu pai foi exilado, sem dinheiro, para o outro lado do mundo.

No ano seguinte ao nascimento de Clarice, toda a família fugiu dos pogroms antissemitas, primeiro para a Moldávia e Romênia, e mais tarde, em 1922, para Maceió, onde alguns parentes já estavam. Ao chegar ao Brasil, todos adotaram nomes portugueses: Pinkhas se tornou Pedro, Mania virou Marieta, e Chaya recebeu seu novo nome de Clarice.

A mãe dela, que tinha sido estuprada durante a Primeira Guerra Mundial e contraíra sífilis, morreu 10 anos depois. Havia no Leste Europeu a crença popular de que uma gravidez poderia curar uma mulher afetada por essa doença venérea, mas não foi o caso. Clarice nasceu desse afã de salvá-la, e desde muito pequena soube da sua origem, daí o sentimento de culpa ter marcado também sua vida e sua criatividade como escritora.

No Brasil, seu pai, um homem inteligente e liberal, sobrevivia vendendo roupas e mal conseguia sustentar a família. Mas ele estava decidido a mostrar ao mundo quem eram suas filhas. Quando Clarice tinha cinco anos, a família se mudou para o Recife, e aos 10 foi para o Rio. Graças a esse empenho do chefe da família, Clarice continuou sua educação até muito além do que era habitual mesmo para as meninas economicamente mais favorecidas, entrando num dos redutos da elite, a Faculdade de Direito da Universidade do Brasil. Ali, na escola de leis, não havia judeus, e só três mulheres.

Mas seus estudos de Direito deixaram poucas marcas na futura escritora, porque seu sonho ela perseguia nas redações dos jornais da então capital brasileira, onde sua beleza e seu brilhantismo já deslumbravam, com seus traços asiáticos, as maçãs do rosto salientes e os olhos um pouco rasgados. Era, além disso, uma jovem culta, que conhecia e lia com assiduidade os autores nacionais e estrangeiros de maior relevância, como Machado de Assis, Rachel de Queiroz, Eça de Queiroz, Jorge Amado e Fiodor Dostoievski.