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Criminalidade

As consequências inesperadas nos EUA do ‘plea bargain’, parte do pacote anticrime de Moro

O mecanismo do 'plea bargain' permite que, em vez de responder a processo judicial, o acusado faça um acordo com o Ministério Público no qual se declara culpado em troca de vantagens, como pena mais branda.

O pacote de medidas anticrime anunciado recentemente pelo ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, inclui o chamado "plea bargain", instrumento jurídico adotado nos Estados Unidos que pode beneficiar tanto o acusado quanto o poder público.

Esse mecanismo permite que o acusado, em vez de responder a um processo judicial, faça um acordo com o Ministério Público no qual se declara culpado do crime em troca de vantagens, como uma pena mais branda. O objetivo, segundo Moro e outros defensores da medida, seria resolver rapidamente casos criminais em que haja confissão e, por consequência, desafogar o Judiciário.

Nos Estados Unidos, esse sistema é amplamente usado. A Sexta Emenda à Constituição americana garante o direito a julgamento por um "júri imparcial", isso ocorre em menos de 5% dos casos criminais. Mais de 95% são resolvidos por "plea bargain": o promotor oferece pena reduzida se o acusado concordar em abrir mão do direito a julgamento e admitir a culpa, evitando um longo e custoso processo.

Para críticos desse instrumento, há uma concentração excessiva de poder no Ministério Público e inocentes pode ser levados a confessarem e serem punidos por crimes que não cometeram.

No seu formato ideal, o "plea bargain" pode beneficiar tanto o acusado, que é recompensado por assumir a responsabilidade do crime, recebendo sentença menor, quanto o governo, que economiza os recursos necessários em um julgamento.

Professor de Direito da Universidade de San Diego, na Califórnia, Donald Dripps ressalta que há um grande número de crimes, desde dirigir embriagado até posse de drogas, armas ou pornografia infantil, nos quais as evidências da culpa do acusado costumam ser muito fortes.

"Há uma grande quantidade de casos em que não há dúvida sobre a culpa do acusado, então a questão é: por que desperdiçar os recursos de um julgamento em um caso cujo resultado já se sabe? É apenas uma questão de se o réu será condenado após muito tempo no tribunal, gastando o tempo de testemunhas, de advogados, ou se vai admitir o crime (no 'plea bargain')", diz Dripps à BBC News Brasil.

 

Outra crítica comum é à concentração de poder nas mãos dos promotores. 'Quem domina o sistema não é o juiz ou o júri, é o promotor', diz Donald Dripps, professor de Direito da Universidade de San Diego

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Lang, diretora-executiva do Institute for Innovation in Prosecution do John Jay College of Criminal Justice, lembra que é difícil fazer generalizações sobre a prática nos Estados Unidos porque, além do sistema federal, há sistemas separados nos 50 Estados, cada um com suas próprias regras.

Em alguns casos, além do objetivo de economizar os recursos que seriam empregados em um julgamento, o acordo também busca a colaboração do acusado. Dripps destaca que isso pode gerar situações em que, por exemplo, o líder de um grupo criminoso, por ter informações mais valiosas para oferecer, acaba recebendo pena mais branda que seus subordinados. "Isso não faz muito sentido do ponto de vista de controle do crime", conclui.

Quais são as alternativas?

Mas, apesar dos problemas, especialistas admitem que é difícil encontrar uma alternativa, e que seriam necessárias reformas mais profundas em todo o sistema de Justiça criminal americano.

Carroll, do Sixth Amendment Center, grupo que analisa sistemas de defesa pública no país, ressalta que o problema não é o "plea bargain" isoladamente, mas todo o sistema, que pressiona pela admissão de culpa rápida, para que se passe logo ao caso seguinte, no que descreve como "um formato de Justiça semelhante a uma linha de produção".

"O 'plea bargain' tem seu lugar. Se tanto promotores quanto defesa tiverem recursos adequados para realmente investigar o que aconteceu (no crime) e se unirem para encontrar uma resolução apropriadas, não há problema", opina.

Dripps lembra que, já no início do século 20, entre 75% e 80% das condenações criminais eram por acordo em vez de julgamento. Mesmo para voltar a esse percentual, seria necessário aumentar dramaticamente o número de julgamentos.

"É difícil voltar atrás depois que o sistema chega a um ponto em que estamos acostumados a não ter julgamentos", afirma Dripps, da Universidade de San Diego.

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