PARAISÓPOLIS
PMs do pisoteamento na favela divergem em depoimento sobre ação com 9 mortes
Versões atravessadas levantam suspeitas sobre verdadeira causa do tumulto em baile funk que resultou em mortes
Documento divulgado nesta manhã traz divergências nos depoimentos dos policiais envolvidos em ação na favela de Paraisópolis em São Paulo, que acabou com 9 pessoas mortas pisoteadas e ao menos 12 feridas. Ao todo seis policias policiais atuaram na noite de domingo (1º de dezembro), no baile do Pacadão, ou ‘Baile da 17’ que acontecia reunindo aproximadamente 5 mil pessoas, quando foram surpreendidas pelos PMs, que se utilizando de armas de efeito moral, gás-lacrimogênio e cassetete, causaram o ‘terror’ naquela noite. Os PMs dizem que procuravam por criminosos que entraram em uma moto na comunidade e seguiram em direção ao baile. Moradores filmaram os momentos de terror.
Os depoimentos feitos pelos seis PMs, colocam em dúvida se a tragédia ocorreu em razão da suposta confusão provocada por disparos de criminosos, ou, em um segundo momento, por policiais militares que tentaram dispersar a multidão com uso de munição não letal.
A Folha de São Paulo, obteve o documento nessa manhã (03), quando reportou que integrantes da cúpula da PM admitem não saber em que momento que ocorreu o ‘pisotemento’. “Somente ao término das investigações, com ajuda de exames periciais, será possível saber com certeza a cronologia do caso”, explica o documento.
O governo de São Paulo sustenta que no domingo, os PMs da Rocam, que usam motocicletas, iniciaram a perseguição de um moto preta, modelo XT 660, próximo ao baile. Os suspeitos teriam cruzado o comboio da PM e realizaram disparo contra os militares, segundo depoimento dos próprios PMs. O incidente terminou na rua onde ocorria um baile funk.
Ainda segundo relatou os PMs, os supostos suspeitos, teriam entrado no baile atirando contra os PMs, o que gerou “pânico” que culminou nos pisoteamentos. Reforçando essa mesma versão, os policiais da Rocam disseram terem sido atacados pelos participantes do baile e precisaram ser resgatados por PMs da força tática, que segundo relato, tiveram que usar bombas de efeito moral, balas de borracha para conseguirem deixar a favela. No depoimento, os policiais argumentaram que o uso da força foi em defesa dos policiais.
No entanto, o grupo em questão, especializado em ações ostensivas, é o mesmo o qual pertencia um policial assassinado há mês em Paraisópolis.
Desde então, os policias teriam intensificado as operações na área, o que também provocou reclamações por parte de moradores.
Parte dos depoimentos dos policiais aponta que, após os frequentadores do baile funk começarem a atirar objetos contra os PMs de moto, estes conseguiram deixar a favela sem maior confronto. Nesses depoimentos, não há a citação da necessidade da força tática para resgatá-los. Momento em que divergem.
Ainda por essa versão de parte dos PMs, já do lado de fora da favela eles afirmam ter relatado o ocorrido a um comandante, que repassou informações a outro comandante, quando decidiram retornar à favela. Foi neste momento que se depararam com duas viaturas de força tática apedrejadas e danificadas. Nesse momento, segundo eles, “havia um grande número de pessoas descontroladas” e houve o uso de cassetete e munição química para dispersar a multidão.
“Em seguida receberam a informação de que havia nove pessoas desacordadas em uma viela da rua Ernest Renan”, disse o policial militar João Paulo Vecchi Alves Batista, que assina como o condutor da ocorrência (responsável pela versão oficial dos fatos).
No mesmo registro, há PMs que afirmam que o momento exato dos pisoteamentos se deu após tumulto provocado pelos disparos dos bandidos.
Há, porém, um PM ouvido na investigação que não chega nem a mencionar ter havido confusão generalizada após os disparos dos criminosos quando chegaram o baile funk.
Ele cita os disparos e, na sequência, “que pessoas que estavam no pancadão passaram a atirar pedras e garrafas na direção das equipes policiais”. Há, assim, uma outra versão.
Segundo moradores, os policiais fecharam ambos os lados da rua Ernest Renan. Ao disparar munição não letal e dar golpes de cassetete, teriam induzido a multidão a ir para duas vielas estreitas. Em uma delas aconteceu o pisoteamento.
Os moradores afirmam não ter visto nenhuma perseguição. Segundo a polícia, os suspeitos não foram presos nem tiveram a moto apreendida — munições suspeitas, porém, teriam sido recolhidas.
O porta-voz da PM, tenente-coronel Emerson Massera, disse que as investigações sobre o caso estão em andamento e, por ora, não é possível precisar o momento exato das mortes.
“Para sabermos o momento exato que as mortes ocorreram vai depender da investigação, mas a hipótese principal é que os fatos que levaram às mortes dessas pessoas se iniciaram com a confusão gerada pelos criminosos que entraram atirando na comunidade”, disse.
Conforme o oficial, se houve uma tentativa de dispersão do público do pancadão” por parte dos policiais, houve um erro de procedimento com a quebra das normas adotadas pela corporação.
“O que os policiais nos relataram, contudo, é que não atuaram nessa dispersão. Atuaram na perseguição dos criminosos, cessaram essa perseguição quando entraram na comunidade, houve os atos de hostilidade, com arremesso de objetos, com pedras, paus, garrafas; aí, por conta da agressão que os policiais sofreram, houve a necessidade de emprego de quatro granadas de munição química e oito de elastômero, para que os policiais pudessem realmente sair dali”, disse Massera.
O tenente-coronel disse que será apurada a versão de que as motos da Rocam saíram no local (sem ajuda da força tática) e depois retornaram.
Os policiais foram tirados da atividade de policiamento. Massera evita usar o termo afastamento porque “não há indícios de que os policiais cometeram algum crime, algum erro, por isso estão sendo preservados. ”
O ouvidor da Polícia, Benedito Mariano, disse que é necessária uma rigorosa investigação do caso porque não é aceitável ocorrer mortes em uma ação policial.
“Não dá para uma perseguição de dois supostos suspeitos terminar em uma ação de controle de distúrbios, precipitada, sem planejamento, inadequada, quando a intervenção policial se dá quando o baile já em andamento. ”
Fonte: Folha de São Paulo.