OPERAÇÃO OMERTÀ
Defesa e acusação duelam no 3º e último dia do 'julgamento da década'
Jamilzinho Name, Marcelo Rios e Valdenilson Olmedo são acusados de armar uma emboscada que acabou vitimando o estudante Matheus Coutinho Xavier
Jamil Name Filho, o Jamilzinho, o ex-guarda municipal Marcelo Rios e o policial aposentado Vladenilson Daniel Olmedo deram suas versões, na 3ª feira (18.jul.23), sobre a acusação da operação Omertà. Eles e outras 21 pessoas foram presas pela Operação em Campo Grande (MS), em 27 de setembro de 2019, por organização criminosa ligada ao 'jogo do bicho'.
Apesar disso, neste julgamento, Jamilzinho, Rios e Olmedo são acusados de montar uma emboscada para executar o Capitão da Polícia Militar aposentado, Paulo Roberto Teixeira Xavier, o PX, de 52 anos, ex-integrante da suposta ‘escolta armada’ dos ‘Name'. PX teria sido setenciado a morte pelo Names após ser considerado traidor numa operação financeira de compra de terras.
Segundo a denúncia do Ministério Público Estadual (MPE), os acusados teriam enviado os matadores de aluguel: Juanil Miranda de Lima e José Moreira Freixes, o “Zezinho”, à casa de PX, no Jardim Bela Vista, em 9 de abril de 2019. No ataque, porém, os atiradores acabaram matando por engano, Matheus Coutinho Xavier, de 20 anos, filho de PX, alvejado diversas vezes por tiros de AK-47, quando manobrava a caminhonete do pai, retirando-a da garagem.
RESUMINDO ESSE JULGAMENTO
O julgamento começou na 2ª (17.jul.23), na 1ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande (MS).
No 1º dia, foram ouvidos os delegados Daniella Kades, Tiago Macedo, Carlos Delano, o investigador da Polícia Civil, Giancarlos de Araújo e Silva e PX.
Na 3ª feira (18.jul), foi ouvido o delegado João Paulo Sartori, testemunha de acusação que não deu tempo de ser ouvida no 1º dia. Também depuseram, na 3ª, as testemunhas de defesa, entre elas a esposa de Rios, Eliane Benitez Batalha dos Santos.
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A defesa, em seguida, solicitou a oportunidade de depoimento aos acusados. (Veja o que os 3 disseram abaixo).
Nesta 4ª feira (19.jul), a defesa e acusação do processo, farão o duelo final. A expectativa é que a decisão do Tribunal do Júri saia às 21h de hoje. A previsão foi dada na manhã desta 4ª pelo juiz da 2ª Vara do Tribunal do Júri, Aluízio Pereira dos Santos.
‘JAMILZINHO’, ‘BOB’ OU ‘GURI’
O homem de 42 anos que detém as 3 alcunhas acima, depôs por 2h20 (entre 17h30 e 19h50) da 3ª feira (18.jul), no Fórum campo-grandense. Ele chegou à Capital sul-mato-grossense vindo da penitenciária em Mossoró, no Rio Grande do Norte, onde foi preso por supostamente encomendar, por R$ 120 mil, a morte de PX, suposto traidor nos negócios da família Name.
O pai de Jamilzinho, Jamil Name, conhecido como ‘O Velho’, morreu na mesma penitenciária, aos 82 anos, em 27 de junho de 2021, após complicações da Covid-19. ‘O Velho’ também era acusado de mandar matar PX, mas com sua morte, a justiça decidiu pela nulidade da acusação.
Ao longo de seu depoimento, Jamilzinho se emocionou e deu várias pausas. Disse estar ‘feliz’ por voltar à Capital, após quatro anos preso no Nordeste.
Suposto mandante do crime, ele negou a ligação com a execução de Matheus: “Eu não fui o mandante nem da morte do Paulo Xavier, nem de ninguém. Graças a Deus, eu não tenho essa índole, como eu vou dizer para o senhor, essa maneira de lidar com as coisas”, sustentou Jamilzinho.
Durante o júri, Jamilzinho disse que nunca ouviu falar no nome de Juanil, um dos supostos matadores contratados para assassinar PX.
Segundo ele, o pistoleiro seria integrante de uma facção criminosa, o Primeiro Comando da Capital (PCC). Jamilzinho citou, inclusive, a ligação entre PX e o Major Carvalho, ex-major da PMMS, considerado um dos maiores narcotraficantes do mundo, a ponto de ser apelidado de “Pablo Escobar Brasileiro”.
Sob orientação do seu advogado Eugênio Carlo Balliano Malavasi, Jamilzinho lembrou como foram os últimos dias de seu pai na prisão e disse que ‘O Velho’, teria pedido que Jamilzinho atuasse para ‘limpar’ o nome da família.
“O meu nome, Jamil Name e o que eu fiz e construí a vida inteira. Prometa para mim que você vai limpar tudo isso que foi feito”, teria dito o pai.
Sobre as relações com os outros réus, Jamilzinho disse que Marcelo Rios era “guardinha” municipal e trabalhava para sua família fazendo “bico”, em serviços como motorista.
Já Vladenilson Olmedo, na versão de Jamilzinho, seria responsável por vários serviços e tinha mais relação com ‘O Velho’.
Sobre o arsenal encontrado com Marcelo Rios, em uma casa de propriedade dos Name, Jamilzinho negou correlação.
“Primeiro: eu nunca fui nessa casa. Segundo: eu não tenho grupo armado de assalto a banco, nem de facção criminosa, nem de tráfico de drogas para ter ou para qualquer tipo de vínculo de relação com aquilo que foi apreendido. Se caso fosse ‘pertence meu’, como eles dizem que é uma organização muito bem... eu vou deixar dentro de uma propriedade minha, no centro da cidade? (sic)”, questionou.
A Promotoria não fez nenhuma pergunta a Jamilzinho, mas a assistente de acusação, a advogada Cristiane de Almeida Coutinho, mãe de Matheus Xavier, fez questionamentos. Ela perguntou sobre a dinâmica de contratações dos policiais e guardas civis que trabalhavam para Name. As respostas de Jamilzinho foram evasivas.
Durante depoimento, Jamilzinho também negou envolvimento com o jogo do bicho. “Eu não atuo no jogo do bicho. Eu atuei em uma empresa de promoção de loterias em Mato Grosso do Sul”.
‘GUARDINHA’ MARCELO RIOS
Em seu depoimento na 3ª feira (18.jul.23), em Campo Grande (MS), o ex-Guarda Civil campo-grandense Marcelo Rios, de 46 anos, negou envolvimento com a execução de Matheus, entretanto, admitiu ter ‘guardado’ o arsenal apreendido na casa do Bairro Monte Líbano, o estopim para a Operação Omertà. Ele desvinculou os ‘Name’ de qualquer crime atribuído a ele.
Rios afirmou que destruiu sua vida ao aceitar um R$ 2 mil oferecido por Juanil para guardar as armas.
“Cometi um crime em 2019, no comecinho de maio, 5 ou 6 de maio, o Juanil me ofereceu para guardar essas armas para ele, assumi que fiz isso. Guardei essas armas por R$ 2 mil reais. Foram os R$ 2 mil mais caros da minha vida”, lamentou.
“Essa coisa de homicídio desse garoto eu não sei, eu assumo meus erros, mas disso aí não tenho nada a ver. Ontem, quando o pai da vítima estava aqui chorando, me segurei para não chorar, porque sou pai de família e deve ser horrível perder o filho como ele perdeu”, declarou.
No processo, Rios é apontado como o homem que armou a emboscada para a execução de PX, tendo contratado os pistoleiros. “Eu comecei a trabalhar em 2016 [com os Name]. Fazia de tudo. Depois, eu era a pessoa que trazia gente pra trabalhar na casa, trouxe o Antunes, Erolnaldo e o Robert [todos foram alvos da Omertà]. Depois de um tempo, virei um funcionário de confiança do seu Jamil [O Velho] (sic)”, detalhou Rios.
“O Juanil pode ser que ele fosse vigia, mas eu não tinha contato direto com ele. Ele me mostrou algumas armas e perguntou se eu queria comprar, só isso”, explicou.
Rios ainda revelou que foi torturado quando estava preso no Garras. “Me amarraram pelos braços no alto. Peró me arrebentou, me levando a arrebentar o meu braço”, relatou, citando o delegado Fábio Peró. Olmedo também disse que foi vítima de uma armação.
'VLAD'
Em seu depoimento realizado na 3ª feira (18.jul) em Campo Grande, o policial civil aposentado Vladenilson Daniel Olmedo, o Vlad, de 64 anos, negou qualquer participação na execução de Matheus.
Segundo Olmedo, ele começou a trabalhar com os Name em 2014, supostamente em operações financeiras do ‘Pantanal Cap’, empresa que ele atribuiu a propriedade a Jamil Name. Olmedo disse que ficou por três anos e meio, deu uma pausa, e voltou a exercer função para a família, desta vez, na casa dos Name. “O principal era serviço bancário”, alegou.
O Ministério Público Estadual, entretanto, acusa Olmedo de ser o gerente dos Name, sendo responsável por intermediar as ordens de ‘O Velho e Jamilzinho'.
“Não é verdade, eu sou inocente dessa acusação... Eu não pratiquei, não tive conhecimento, não ajudei em nada e nem tomei conhecimento de nada dos fatos ocorridos”, rebateu. “Não, não participei, desconheço”, voltou a dizer Olmedo, sobre a participação na morte do estudante.
Pai de seis filhos, Olmedo foi policial civil por 20 anos e se aposentou em 2008.
Questionado sobre sua relação com os pistoleiros. Olmedo afirmou que não conhecia Juanil e que o “Zezinho”, conheceu em um hospital.
Sobre o pai da vítima, o PX, disse que o conheceu no trabalho com os Name.
Olmedo negou ter conhecimento de uma carta em que um dos 21 presos da Operação Omertà, Kauê Vitor Santos da Silva, delata um plano da ‘milícia armada dos Names’, de matar autoridades, como promotores e o delegado Fábio Peró. “Ouvi falar, mas não conheço o teor, nem o conheço”, sustentou.
“Declaro que sou inocente senhor, eu sou inocente! Nós sofremos aí, sofrimento de passar no presídio federal, sofrimento de ver um amigo nosso morrer lá, minguando, foi morrendo devagarinho, nós vimos que ele tava morrendo, ele acabou morrendo mesmo no presídio, sem ter oportunidade de se justificar”, concluiu Vladenilson, fazendo referência ao ‘O Velho’.
1ª VEZ NO JÚRI POPULAR
Embora já tenha sido sentenciado por extorsão armada, organização criminosa e porte ilegal de armas – condenações que já somam 23 anos e 2 meses de prisão – Jamilzinho nunca tinha ido à júri popular.
Jamilzinho também responde a outras duas ações de ser mandante do assassinato de desafetos da família. Ele foi absolvido por uma acusação de obstrução da Justiça.
Das 3 sentenças acima, Jamilzinho pode recorrer das penas fixadas em 12 anos por extorsão, 6 anos por organização criminosa, e 4 anos e 6 meses pela acusação de porte ilegal de armas.
FAMÍLIA 'DONA DO JOGO DO BICHO'
É inédito esse julgamento, no sentido de que a 1ª vez que a justiça sul-mato-grossense penaliza uma organização criminosa ligada ao jogo do bicho.
Jamilzinho e o Velho, seu pai, supostamente formaram uma milícia (guarda pessoal de ex-policiais), criada para eliminar desafetos, segundo força-tarefa do Ministério Público Estadual (MPMS) e Polícia Civil.
A suspeita é de que a milícia tenha executado pelo menos essas três pessoas na capital sul-mato-grossense:
- Ilson de Figueiredo, de 62 anos, então chefe de segurança da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, assassinado no dia 11 de junho de 2018, na avenida Guaicurus, no Jardim Itamaracá. O homem foi perseguido e foi morto a tiros por suspeitos que estavam em outro veículo.
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Orlando da Silva Fernandes, em 26 de outubro de 2018. Ex-segurança do narcotraficante Jorge Rafaat, executado em junho de 2016, em Pedro Juan Caballero, na fronteira com o Brasil.
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Matheus Xavier, de 20 anos.
Outras mortes ainda são investigadas.
Anos a fio, Jamilzinho e o Velho montaram um império com compra de imóveis, gado, título de capitalização e até o Joquéi Club de Campo Grande, que foi criado e comandado pelo o Velho.
O MPMS detalhou em uma das acusações o “conhecimento geral do envolvimento da família Name com o jogo do bicho e que embora se trate de contravenção penal, tal conduta fomenta outros crimes como corrupção, extorsão, lavagem de dinheiro e até mesmo homicídios”.
