Texto escrito por: Amanda Torres, Carol Oruê, Gabriela Benito, Priscylla Moura, Raísa Jardim e Tayná Schoeffel.
Hoje o presente espaço de fala foi direcionado a mulheres integrantes do Laboratório de Pesquisa em Psicanálise, Epistemologia e Linguagem (LAPPEL). Antes de tudo, nossos sinceros sentimentos a todas as mulheres que, assim como nós, já sofreram algum tipo de experiência de violência e assédio.
Os abusos e a violência começam cedo, se escondendo atrás de nomes técnicos, protocolos, culturas; e é por isso que eles são extremamente naturalizados.
Talvez muitas mulheres se identifiquem com os seguintes relatos: “Atravesso a rua, olho para os lados, olho para ver quem está a minha frente e quem está atrás de mim. A cada dois minutos, refaço todos os processos. Vejo um homem andando, a rua está vazia, dou a volta e paro em algum local movimentado. Retorno a rua, o homem não está mais lá. Volto a caminhar, refazendo todos os processos novamente. Talvez aquele homem apenas estivesse fazendo seu trajeto de rotina, mas não me sinto segura para continuar o meu caminho e confirmar isso. Essa tentativa de confirmação pode me custar saúde mental, traumas, mais uma vivência de assédio, de medo, de violação de direitos.”;
“Eu nunca sei o que vestir, que corpo habitar ou onde estar, ou o que falar para que não me invadam, que não me destruam, que não me violem ou que não me matem. Mas eles sabem e sabem que é minha culpa. Eu nunca sei nada sobre o que vejo, sobre o que eu sinto, sobre o que eu vivo todos os dias quando tento ser algo. Mas todos sabem quem eu sou, menos eu. Todos sabem qual é meu lugar e sabem que nunca será o mesmo que o deles e talvez não seja lugar nenhum, talvez eu não tenha voz nenhuma quando eu grito algo do qual eu não sei, mas que todos sabem.”;
“O quão difícil é tentar expressar qualquer sentimento ou ideia a respeito do que significa ser mulher? Cada vez que tento escrever alguma coisa a angústia se intensifica, a sensação de que estou fazendo algo que não deveria vence a minha vontade de falar sobre. Quantas vezes no passado eu tentei argumentar, me fazer ser ouvida, debater e tentar convencê-los de que meu sofrimento é verdadeiro, de que eu também sou importante e minha experiência é válida? Quão cansativo é constantemente tentar explicar que também sou uma pessoa?”;
“O que é ser mulher? Me dizem que sou isso, mas eu já nem sei o que é isso. E nem sei mais se quero ser. Me olho no espelho e me sinto tela em branco, sem tintas, desenhos, normativas. Mas ainda assim, me dizem delas. Saio na rua e visto a máscara da mulher, chego em casa e o espelho quer dizer outra coisa. Continuo a buscar em espelho meu, sem nomes e sem cores, um outro jeito de ser a palavra mulher. Hoje somos palavras, pontos, vírgulas, ritmos, contos. Hoje, se sou os restos da palavra mulher, caso eu seja, é para mim. E é com elas.”;
“Eu grito, mas minha voz parece não sair... minha voz não sai ou eles não me escutam? Perco-me em tantas dúvidas sobre quem eu realmente sou e o que eu realmente faço, mas eles parecem ter tanta certeza sobre quem eu devo ser e o que eu devo fazer. Pairo sobre uma indeterminação de identificações, porque sei que ser quem eu quero ser e fazer o que eu quero fazer vai me matar. Sei disso porque, mesmo sem ser, morro todos os dias por dentro e por fora, com as agressões, os toques nojentos, os xingamentos, as perseguições, os olhares inescrupulosos, as notícias de morte de outras que não são- assim como eu... Eu morro, nós morremos, eles nos matam e NÓS somos as culpadas.”;
Tantos relatos, de mulheres diferentes, que possuem muitos aspectos em comum, sendo algum deles a imensa angústia de viver em uma sociedade onde tentam nos barrar e barrar os nossos desejos; onde não se pode confiar e se sentir segura em nenhum ambiente onde há a presença de figuras masculinas. Refletindo sobre os últimos fatos noticiados, que vieram a público em meio a tantos outros que não, pode-se colocar que a violência e o abuso estão, também, nos processos formativos profissionais, em cada assédio e discriminação sofrido por cada corpo que se identifica como feminino, onde pessoas olham e não fazem absolutamente nada. Enquanto toda a estrutura social segue sendo misógina e patriarcal, exercendo uma dinâmica vertical de poder, a cultura continua de olhos fechados com êxito e assim seguiremos sangrando e tentando ficar de pé, muitas vezes pagando com a própria vida, para que haja um basta. Até quando teremos que passar por isso? Até quando existir demandará tanto de nós?