Os afetos recortam a cidade de um jeito muito especial. Os espaços podem ser formados de cimento, terra e pedra, mas os contornos são desenhados pela estranha cartografia dos sentimentos, e é através dela que conhecemos ou não algum lugar ou nos apropriamos dele. O imóvel é uma casa carente de emoções, diferentemente da casa que nos abraça e em relação a qual nos sentimos aconchegados, como a ternura da casa da avó, ou da felicidade vivida na casa dos amigos.
O sentimento de pátria ou de pertencimento a uma cidade ou estado tem a ver com uma certa capacidade de reconhecer o modo como as emoções circulam, recortando espaços públicos e privados, familiares e estranhos, seguros ou hostis. A sensação de perigo no local desconhecido é uma antecipação (mais ou menos consciente) que fazemos no sentido de um preparo afetivo, como se nos adiantássemos e tentássemos organizar o nosso eu para receber o outro em nossa morada.
E justamente aí reside algo de muito belo: bons afetos derrubam os muros que separam o eu do outro. Dizia o poeta Mario Quintana que “o amor é quando a gente mora um no outro”, por isso o ato de “morar juntos” significa tanto para os amantes, pois é jura que não foi feita no pé do ouvido nem pode ser desmentida, ao contrário, é o grito sobre os telhados que testemunha que o amor fez mais um lar.
E como toda mudança, requer um tempo: um tempo de acomodação, tempo para ajustar as sobreposições que fazem com que possamos nos sentir acolhidos sem sermos invadidos, juntos sem estar colados. Olhos nos olhos pode dar uma sensação incrível, mas é preciso respirar, ver também outras paisagens, como quem abre as janelas para entrar luz e ar. Amor sem ar sufoca, amor sem luz cega. O ser humano é esse estranho ser que encontra sua morada no coração do outro e que mapeia a realidade com as batidas do coração.