19 de abril de 2024
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Economia

Como ficam Itaipu Binacional e Eletronuclear na desestatização da Eletrobras

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Werner Roger, colunista do iG
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Werner Roger, colunista do iG

Na semana passada, escrevi sobre os planos de desestatização da Eletrobras . Retomo ao tema para discutir como ficam alguns pontos sobre a Eletronuclear e a Itaipu Binacional nesse contexto.

No caso da Eletronuclear , além da questão de segurança e interesses estratégicos do governo, pode haver necessidade de subsídios para viabilizar investimentos que não sejam considerados rentáveis pelo setor privado. Dessa forma, acredito estes ativos serão segregados, e que será utilizado o valor contábil desses investimentos, sabendo que houve muita corrupção em Angra , por conta da ampliação da usina, e já, digamos, houve até acordo de leniência com a Andrade Gutierrez, fato que pode ter contribuído para "inchar" o valor da usina.

Para segregar Eletronuclear da Eletrobrás deverá haver a cisão do valor patrimonial destes ativos. Isso ocorre com o recebimento, pela União, de ações da Eletronuclear, que é retirada do balanço da Eletrobras, segregando todos os ativos e passivos, cuja diferença é o patrimônio líquido. Essa é uma operação contábil relativamente simples e que deve passar pelo crivo de consultorias ou auditorias e até TCU possivelmente, que atestam os valores contábeis. Ao fim, por meio de uma cisão, a União será a controladora das empresas e deter 100% de seu capital.

A mesma operação contábil pode ser feita com Itaipu , empresa binacional criado por Brasil e Paraguai em 1973. Itaipu conta com um capital social de apenas US$ 100 milhões, sendo 50% da ANDE, companhia energética do Paraguai, e outros 50% da Eletrobrás. A grande dúvida em relação a Itaipu se dá pela renegociação do Anexo C do Tratado de Itaipu, que completa 50 anos em 2023. É no Anexo C que se encontra as bases financeiras do funcionamento de Itaipu.

O preço da chamada "tarifa de Itaipu" atende pelo nome de CUSE (custo unitário do serviço de eletricidade). Um dos componentes do custo da energia de Itaipu são os royalties pagos aos municípios afetados pela criação do lago de Itaipu a cidade paranaense de Guaíra, por exemplo, perdeu as famosas cachoeiras das Sete Quedas e os investimentos que a própria binacional faz em sua área de influência para alavancar o desenvolvimento social, como a nova ponte entre Brasil e Paraguai, a ampliação do aeroporto de Foz do Iguaçu e a revitalização da BR-487 (Estrada Boiadeira), além dos investimentos na área de saúde em municípios da região desde o início da pandemia da Covid-19.

O componente mais importante da CUSE, no entanto, é a dívida de Itaipu. Em 2021, Itaipu irá gastar US$ 2 bilhões para cobrir a amortização e os encargos financeiros da dívida de sua construção, cuja principal credora é a Eletrobras. Atualmente, 60% do valor da CUSE é para cobrir essa dívida. Em 2022, o serviço da dívida cairá para US$ 1,43 bilhão e, em 2023, o desembolso de US$ 249 milhões irá finalizar o pagamento da dívida. Dessa forma, mantendo-se os atuais termos do Anexo C, podemos afirmar que a energia de Itaipu será 60% mais barata em 2024 quando comparada a 2021. Se hoje a CUSE está em torno de US$ 44 por megawatt, ela cairá para US$ 36 no ano que vem e, em 2023, para US$ 27. Nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, as distribuidoras são obrigadas a comprar a energia de Itaipu, cuja tarifa em dólar é repassada integralmente aos consumidores por intermédio das distribuidoras.

Brasil e Paraguai têm direito a metade da energia da binacional. Como o Paraguai consome somente 15% da energia de Itaipu, ele vende seus 35% restante à Eletrobras. Atualmente, em razão dos termos estipulados pelo Anexo C e que foram renegociados pelo governo Lula, o Paraguai vende sua energia diretamente à Eletrobras e a um preço abaixo do mercado. Como ficará esse arranjo com a renegociação do Anexo C do Tratado de Itaipu e uma possível privatização da Eletrobras? Com a renegociação do Anexo C, o Paraguai logicamente pretende vender sua energia de forma livre, sem intermediários, pelo máximo do valor possível, provavelmente por meio de um leilão. A questão é complexa, especialmente quando levamos em consideração que a Itaipu é um colosso. Com 20 unidades geradoras e 14.000 MW de potência instalada, a binacional fornece 10,8% da energia consumida no Brasil.

Em razão da pressão paraguaia, as negociações entre Brasil e Paraguai devem começar ainda em 2021, mas pouco se sabe sobre qual seria o plano do governo brasileiro. O Brasil vai aceitar a venda da energia paraguaia no mercado aberto brasileiro? A CUSE manterá seu valor em US$ 27 por megawatt? Uma ideia que foi ventilada é manter a tarifa de Itaipu acima da CUSE, criar um fundo de desenvolvimento com os lucros auferidos e reinvestir em empresas e negócios que, no futuro, continuariam rendendo dividendos e o retorno desses investimentos. Outra opção é enviar os lucros ao Tesouro Nacional, reforçando o caixa da União.

A minha visão é que recursos de energia deveriam ser investidos em energia, para que o aumento de sua oferta leve à queda de seu preço. Há muitas oportunidades para investimento em energia renovável no Brasil, como solar, eólica e biomassa. Por que não usar os recursos de Itaipu para esse fim?

Por exemplo, eu penso que poderia ser criado um fundo soberano como a Noruega fez com o petróleo, com royalties e os impostos do petróleo. Isso foi reinvestido de várias formas. Portanto, Itaipu poderia fazer o mesmo: criar um fundo energético, que poderia ser reinvestido em muitas empresas e em outros negócios e no futuro continuaria rendendo dividendos e o retorno desses investimentos.

Ou poderia também ser usado para o Tesouro Nacional, reforçando o caixa da União ou ainda para abater, reduzir os subsídios dessa conta de CDE e tantos outros que existem aqui no País. Então, acredito que as possibilidades são múltiplas e que ninguém tem a menor ideia do uso desses recursos, basicamente, a partir de 2023 e 2024.

Mas acredito que tem muita discussão em relação à Itaipu, que passa pelo Itamaraty, passa pelo Ministério de Minas e Energia, diante do ministro Bento Albuquerque, passa pela Eletrobrás, passa pelo ministro Guedes, passa pelo presidente da República, mas isso aqui tudo será decidido por outro governo, já que o contrato termina em 2023.

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Pode ser o atual ou qualquer outro. Talvez para o atual seja interessante antecipar toda negociação e dentro do âmbito Nova Eletrobras. Se o próximo governo for de esquerda ou um de perfil mais socialista, muito provavelmente eles utilizarão os recursos para subsídios ou de forma mais populista e não para desenvolvimento do setor elétrico com recursos excedentes de Itaipu.

A minha visão é que os recursos de energia deveriam ser investidos em energia, produzir mais e de uma forma mais competitiva. Quanto maior a oferta de energia, maior a possibilidade de o preço cair em benefício do país e da sociedade. Temos a possibilidade de produzir energia eólica offshore, que já é o grande tema do momento na Europa e começando aqui no Brasil.

Por que não usar os recursos de Itaipu para esse fim, ou até conjugar essa energia com hidrogênio verde como combustível renovável e limpo? O governo através do CNPE Conselho Nacional de Pesquisa Energética vinculada ao Ministério de Minas e Energia, propôs diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio, objetivando inseri-lo na matriz energética. Para aqueles que nos acompanham, sabem que sou um entusiasta do hidrogênio verde e do biometano como fontes de energia renovável e limpa, como alternativa aos carros elétricos alimentados por baterias baseadas em metais e carregadas com energia elétrica. É o verdadeiro cachorro correndo atrás do rabo, especialmente na Europa ou países que consomem energia térmica à carvão.

Então, eu não sei se Itaipu, no lago ou na região tem energia eólica, se é possível, mas o nosso litoral entre o Ceará e o Rio Grande do Norte é uma das melhores regiões do mundo para a geração de energia eólica offshore, tudo mundo conhece o paraíso do kite surf e o vento de toda aquela região, como a paradisíaca Jericoacoara no Ceará. Mas a energia eólica e biomassa conjugada ao hidrogênio produziria um combustível ou energia verdadeiramente limpa e renovável, saindo do discurso verde, ou greenwashing, mas praticando de fato e produzindo uma das energias mais limpas do mundo. Itaipu poderia ser um grande catalisador destas iniciativas.

Então, o Brasil tem um grande potencial energético. Detalhe, muito próximo às capitais. Sabemos que a energia eólica gerada no interior do Nordeste tem problema de transmissão de energia, se perde muita energia durante o processo de transmissão, tem que se construir as linhas e tudo encarece, e o consumo no Sudeste, principalmente. Como exemplo a Unipar, empresa química de soda-cloro está investindo em parceria com a AES num complexo eólico na Bahia para consumo no estado de São Paulo. De uma forma ou de outra haverá investimentos complementares conectando esta energia ao grid nacional.

Se tivermos geração de energia próxima ao litoral, o custo de transmissão seria muito menor porque as grandes cidades estão na região costeira, como Fortaleza, Recife e outras ali próximas. Então, talvez Itaipu pudesse investir na região e ajudar no desenvolvimento regional, afinal, somos uma federação. Apesar de que tudo é conjectura, a gente não sabe. Então, existem inúmeras possibilidades e é impossível afirmar qual será o destino, o mais interessante sob o ponto de vista econômico, talvez até de cunha político.

Na Eletronuclear, inclusive à disposição do governo, temos a perspectiva militar que é continuar desenvolvendo energia nuclear, por meio da energia elétrica térmica, e está para ser lançado um submarino nuclear. Então, o desenvolvimento nuclear passa por questões políticas e até militar. O Brasil é um grande produtor de uranio, enriquecimento do uranio, para uso desse uranio como combustível.

Então, acho que tem um interesse da União em continuar desenvolvendo energia nuclear a partir de Angra.

Acho que seria o destino natural das coisas, continuar investindo em energia térmica por meio da nuclear e muitos defendem a energia nuclear como energia limpa e a mais viável para substituir energia térmica, notadamente a carvão. No Brasil, não temos esse problema, grave na China, Europa e EUA, sendo que lá, talvez, seja a melhor solução, por não existir outra.

Aqui a situação é completamente diferente, além o grande potencial fotovoltaico. Acredito que a energia nuclear é um assunto estratégico e não econômico e, no meu ponto de vista, deveríamos investir estes recursos em energia solar, biomassa, eólica offshore e hidrogênio verde, produzido com energia limpa e renovável e até em energia de biogás e gás natural.

Portanto, Itaipu e Eletronuclear segregadas da Eletrobras, empresa de economia mista e com ações negociadas em bolsa de valores, poderiam cumprir com papéis estratégicos dentro dos objetivos do governo, como desenvolvimento regional, matriz energética diversificada e limpa, e até modicidade tarifária.

Como cidadãos e brasileiros, torcemos pelas melhores decisões.