19 de julho de 2025
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RELATÓRIO ANUAL DO FOGO

Corumbá lidera queimadas no Brasil há quatro décadas

Pantanal foi o bioma proporcionalmente mais afetado, com 62% do território queimado

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O município de Corumbá (MS), se consolidou como o mais afetado por incêndios no Brasil nos últimos 40 anos, acumulando uma área queimada superior a 3,8 milhões de hectares entre 1985 e 2024. Os dados constam no primeiro Relatório Anual do Fogo (RAF), que será divulgado pela iniciativa MapBiomas na tarde desta 3ª feira (24.jun.25).

Com 97% de seu território inserido no bioma Pantanal e os 3% restantes no Cerrado, Corumbá sofre com a recorrência e a intensidade dos incêndios florestais, fenômenos que têm se agravado nos últimos anos. Em 2024, por exemplo, um único foco destruiu 339 mil hectares — o equivalente a duas vezes o território da cidade de São Paulo — atingindo 135 propriedades rurais. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) responsabilizou dois fazendeiros e aplicou multas de R$ 50 milhões a cada um.

A brigadista Vera Lúcia Batista, moradora do assentamento São Gabriel do Pantanal, relata o cotidiano de prontidão: “A vida do brigadista é assim, dia e noite aguardando, para ver se vai ter algum incêndio”. Ela lidera um grupo local treinado em 2022 em parceria com a ONG Ecoa. “Nós somos guardiões do nosso território e do nosso bioma”, afirmou.

INCÊNDIOS MAIS INTENSOS E BIOMA SOB ESTRESSE

Segundo o relatório, o Pantanal foi o bioma proporcionalmente mais afetado, com 62% do território queimado pelo menos uma vez em quatro décadas. O cenário se agrava com a redução da superfície de água — um fator que, historicamente, atua como barreira natural ao avanço do fogo. A região de Corumbá é também a que mais perdeu áreas alagadas no Brasil nesse período.

A mudança no regime hídrico é apontada por especialistas como fator central na intensificação dos incêndios. Eduardo Rosa, pesquisador do MapBiomas, explica que “o período de seca tem se estendido desde 2018, elevando as temperaturas e reduzindo a chuva. Isso torna o bioma mais vulnerável ao fogo”.

A situação é agravada por alterações climáticas em outros biomas interdependentes, como o Cerrado e a Amazônia. A estiagem em áreas vizinhas impacta diretamente o ciclo de inundações do Pantanal. Conforme o MapBiomas, 91% das bacias hidrográficas do Cerrado perderam superfície de água nas últimas quatro décadas, majoritariamente em regiões de intensa atividade agropecuária.

IMPACTOS HUMANOS E RESPOSTA COMUNITÁRIA

O fogo no Pantanal não é apenas um fenômeno ecológico, mas também social. O produtor rural Josué Cristaldo, morador do assentamento 72, em Ladário (MS), precisou se afastar do trabalho após problemas respiratórios causados pela fumaça em 2024. “Era impossível trabalhar depois das 8 horas da manhã. Era muito calor, muita fumaça”, relatou.

Apesar do desgaste, ele e sua companheira seguem cultivando orgânicos e enfrentando a seca com medidas de adaptação, como racionamento de água e redução na produção durante a temporada crítica.

Enquanto isso, brigadas voluntárias formadas por agricultores locais vêm ganhando relevância na resposta inicial aos incêndios. Em novembro de 2024, a brigada liderada por Vera Lúcia atuou no combate direto ao fogo. “Mesmo com apenas seis combatentes, conseguimos conter as chamas. Foi uma vitória da comunidade”, disse.

ORIGEM DOS INCÊNDIOS E RESPONSABILIZAÇÕES

Embora o fogo seja parte dos ciclos ecológicos do Pantanal, os dados do Ibama indicam que práticas humanas continuam sendo o principal vetor de agravamento. Em 2024, ao menos cinco das oito multas aplicadas em Corumbá foram destinadas a grandes proprietários rurais. Entre os valores, três ultrapassaram R$ 1 milhão cada.

Além do setor agropecuário, empresas de infraestrutura também foram autuadas. A Rumo Malha Oeste, administradora de ferrovias, recebeu multa de R$ 50 milhões por um incêndio de 17,8 mil hectares causado por faíscas geradas durante manutenção em trilhos. A contratada Trill também foi multada pelo mesmo episódio.

TENDÊNCIA NACIONAL DE AGRAVAMENTO

A situação crítica de Corumbá se insere em um contexto mais amplo. O Brasil queimou 206 milhões de hectares desde 1985 — equivalente a 24% do território nacional. O ano de 2024 foi particularmente severo, com 30 milhões de hectares atingidos, valor 62% acima da média histórica.

A Amazônia foi o bioma mais impactado em 2024, ultrapassando inclusive as pastagens em áreas queimadas. Já o Cerrado segue com a maior média anual de fogo, enquanto a Mata Atlântica concentra a maior área total queimada em quatro décadas.

Os estados do Mato Grosso, Pará e Maranhão concentram juntos quase metade da área queimada no país desde 1985.

DESAFIOS FUTUROS

O relatório do MapBiomas e os dados do SOS Pantanal revelam um cenário alarmante, que combina vulnerabilidades ambientais, mudança climática e pressões antrópicas. A atuação de brigadas locais, como a de Vera Lúcia Batista, mostra o potencial das comunidades como linha de frente na mitigação do problema. No entanto, sem políticas públicas estruturadas, fiscalização eficaz e adaptação ao novo regime climático, a tendência é de agravamento.

“A escala dos incêndios hoje não é mais natural”, resumiu Gustavo Figueiroa, do SOS Pantanal. “O Pantanal está secando por ações humanas, e os incêndios estão saindo do controle".

FONTE: MAPBIOMAS | SOS PANTANAL