20 de abril de 2024
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Entrevista

Newley Amarilla: Conflito de Buriti mostra Governo inoperante e prevaricador

Em off, durante reunião sobre a questão Buriti, o ministro da Justiça, Eduardo Cardozo diz que para receberem o que a Justiça determina, donos de terras invadidas terão que aguardar sentados por 60 anos.

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Muitos desistiram de acreditar nas palavras dos membros do Governo para uma solução do conflito de Buriti, o produtor Vanti Vanni, proprietário da Fazenda Cambará, ainda acredita que a Justiça prevalecerá sobre os acordos, ou descaminhos, políticos que impede aos produtores terem o justo pagamento pelas suas terras que foram invadidas por indígenas.

Antes da entrevista do advogado Newley Amarilla, reproduzimos o que nos relatou Vanti Vanni sobre o resultado da última reunião que busca uma resolução para o conflito.

"Participei da negociação, estive na mesa de negociação com o ministro [da Justiça] Eduardo Cardozo (PT), apenas para cuidar do que seria debatido, uma vez que sabemos do desinteresse do governo em resolver a questão. Cardozo se mostrou surpreso com as determinações da justiça [considerar como terra não indígena a região invadida e determinar o pagamento devido pela desapropriação da área), mas não permitiu a palavra aos representantes dos produtores.

O pessoal do sul do estado pediu socorro para que as determinações judiciais fossem cumpridas, e o ministro se mostrou desinformado sobre o que estava sendo discutido na mesa. Na verdade ele não abriu uma rodada de negociações, mas uma mesa de imposições.

O valor oferecido quebra um acordo feito pela Procuradoria Geral, Advocacia Geral da União, Ministério Público e Funai de que fossem definidos dois institutos de perícia reconhecidos no prazo de 60 dias para entregar o laudo. Gastamos R$ 600 mil, no entanto não utilizaram esses laudos e não deram resposta.

O ministro chegou a dizer que, se pretendemos receber o valor definido pela Justiça, teos que esperar sentados, pois irá demorar mais de 60 anos."

 

Entrevista Dr. Newley Amarilla.

MS: Atualmente, quantas propriedades estão ocupadas em Mato Grosso do Sul e quais as principais Regiões afetadas?

Dr. Newley Amarilla: A gente trata dessa questão em relação às etnias. Em MS duas grandes etnias: Terena e Guarani. Na região de Aquidauana, Miranda, Sidrolândia, Dois Irmãos do Buriti; etnia Terena que ocupa cerca de 45 propriedades. Guaranis devem ter cerca de 30 a 40, na região sul do estado, a partir de Maracaju até o sul. Kadiweu é coisa pequena, até porque a problemática dessa etnia é outra, porque quando eles lutaram ao lado dos brasileiros na Guerra do Paraguai, D. Pedro II, em retribuição, deu a eles 510 mil hectares de terras lá na região do Nabileque, que na língua deles significa “mentira”.

[É uma das oito sub-regiões do Complexo do Pantanal, localizada no Pantanal Sul, Mato Grosso do Sul. Localiza-se entre a serra da bodoquena e o rio Paraguai, incluindo a bacia do rio nabileque. Se situa numa das regiões mais ricas em fauna e flora, ficando ao longo do Rio Paraguai e é cercado por uma impressionante vegetação, repleta de jacarandás, camalotes, caraguatás e outras plantas nativas. A região fica encravada entre serras e o turismo de pesca é a sua principal atividade econômica]. Parte da divisa é pelo chamado Rio Niutaka. Essa palavra denomina o rio que tem seu curso no norte do município de Porto Murtinho e que limita a Reserva Indígena Kadiwéu ao norte. É possível encontrar em várias bibliografias e, também, no registro da terra indígena em cartório a expressão Naitaca. Porém, pelos Kadiwéu é denominado de NIWITAKADI, que significa lugar da mentira, ou rio mentiroso. Isso é claramente explicado pela característica temporária do rio que na época da estiagem, seca, ou seja, o rio desaparece, passando por “rio mentiroso” ou “lugar da mentira”.]

 

O fato de haver essa região seca na superfície?

É um rio que entra para o interior da terra e ressurge mais de um quilômetro abaixo. E como se faz a divisa desse rio? Então surge uma briga: os índios afirmam que a divisa é tal, e os brancos que a divisa é outra. Eles discutem por 150 mil hectares. Isso é objeto de litígio há mais de 30 anos. Os índios, volta e meia, invadem uma parte que consideram ser sua. Essa é uma questão de propriedade, de domínio.

Então essa é uma questão que não envolve o fato de eles terem terras, eles querem uma terra que, além da que eles já têm, a terra que eles acreditam ser deles. Então isso é diferente.

Agora, Guarani e Terena, sofreram por uma política de governo que remonta à época Imperial, um confinamento. A política indigenista brasileira se pautou na direção de que um dia o índio viraria branco. E o que se faz? Você pega esses índios desaldeados, coloca eles numa reserva, daí o nome ‘reserva’, eles irão embranquecer, e você solta eles nas cidades.

Jamais foi pensado que o índio quereria manter sua cultura.

Parte do princípio de que a evolução significa a europeização?

Essa é a ideia corrente, de que o progresso é isso, de que “civilização” é a nossa cultura.

Houve mudança?

Veio a Constituição de 88 e modifica isso. Diz, não. Ao invés de confinar você tem que delargar as fronteiras para os índios que querem manter sua cultura tenha o direito a isso.

Respeitar sua cultura?

Só que essa nova política não foi acompanhada, na parte prática, de qualquer execução. Então ficou de um lado o fazendeiro, de outro a Funai (Fundação Nacional do Índio) manipulada pelos antropólogos, gente de fora, de outro ainda, o Judiciário. E o Governo lavou as mãos: “vocês brigam e quando estiverem resolvidos vocês me chamam que eu vou só cercar”.

Esta omissão criminosa do Governo brasileiro, ou melhor, do Estado brasileiro, tem causado tudo isso. E até hoje causa isso. Então o Cardozo [José Eduardo Cardozo – ministro da Justiça], ele nada mais é do que a pessoa que ocupa agora, o trono dessa omissão. Ou seja, a cadeira de onde parte toda a omissão do Estado brasileiro.

Em relação às propriedades da região do Buriti (municípios de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti), a Justiça Federal considerou as terras “não indígenas”, portanto a União precisa comprar estas terras dos produtores, caso pretenda ampliar a Aldeia Buriti. Os produtores estão interessados em vender? Por qual valor? Em quais condições?

Isso ficou bem simbolizado, é um emblema, com o caso de Buriti, quando o Cardozo mandou aqui o Gilberto Carvalho [ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho (PT)], em 20 de junho de 2013, afirmando que em 45 dias iria resolver o problema de Buriti. Acabamos de completar dois anos, em 5 de agosto vai completar dois anos dos 45 dias prometidos. E nada.

(Há dois anos, desde que teve conflito em Buriti, foi instalada uma mesa de negociação para definir o valor indenizatório para os proprietários rurais. Por conta desse caso particular, todos os processos demarcatórios no estado foram paralisados, inclusive aqueles em estudo.)

A questão é que os produtores não querem mais as terras porque estas terras não estão nas mesmas condições de quando ela foi tomada. Foram tomadas e acabaram por ser complemente desnaturadas. A poucos dias foram flagradas a extração e venda de madeira, as cercas foram destruídas, enfim.

Então, nós ajuizamos ações de desapropriação indireta contra a União, porque toda a terra indígena é de propriedade da União, e o indígena só tem usufruto. Isso é registrado no Serviço de Patrimônio da União (SPU). Ajuizamos diversas ações, querendo indenizações pelo valor de mercado, com acréscimo. Ai é que mora o detalhe.

Diz a Lei brasileira que quando há uma desapropriação, o órgão desapropriante, que é sempre Município, Estado ou União, tem que efetuar o pagamento prévio de uma indenização justa. É isso que diz a Constituição. Antes de entrar na área você tem pagar o preço justo.

A União mais uma vez se omitiu, quando permitiu que os índios invadissem, porque a União não cumpre a reintegração de posse. O Judiciário por vezes dá [reintegração], mas por vezes no segundo grau, que é o TRF, suspende. Ou seja, a responsabilidade pelo fato de os índios estarem ocupando, terem invadido e terem lá ficado, numa propriedade que é particular, essa responsabilidade é da União.

A Lei diz que se a União desapropria de fato, sem esse pagamento, ela a partir dessa data passa a pagar, sobre o valor, 1% de juro compensatório. Vamos supor uma propriedade invadida em julho de 2010, são cinco anos, portanto só de juros, e se eles fossem diretos seria 60%, mas não são diretos, eles são capitalizados ano a ano, então você tem no primeiro ano 12%, no segundo mais 12% sobre 12%, o que representa 13,44%; no terceiro você tem por volta de 15,8%. Então você tem em cinco anos, aproximadamente 75% de juros. Em sete anos, dobra o valor.

Então, uma propriedade que o governo poderia ter me pago R$ 10 milhões, ele terá que pagar R$ 20 milhões. Quer dizer, o Governo, não, nós, porque o Governo não produz dinheiro. Essa omissão é criminosa em relação aos índios, aos produtores, e lesiva a todos os brasileiros.

Essa indecisão, essa indefinição trará prejuízo para toda a Nação?

Isso se chama “omissão”. Quem tem o dever de praticar um ato e não o pratica em tempo e modo devidos, se omite. E, quando se omite, prevarica. E prevaricação é crime.

Isso não gera uma insegurança jurídica que afasta quem deseja e pretende produzir, afinal eram terras tituladas?

Sem dúvida. Cria uma insegurança jurídica à medida que não se respeita o direito de propriedade, e mais, não se respeita a própria Constituição que até autoriza a desapropriação, mediante indenização prévia e justa.

Então, esse governo que ai está, somado aos outros governos anteriores, continuam sendo omissos e praticando um crime de prevaricação.

Qual a ingerência política da Funai, que como o senhor comentou é aparelhada por um grupo ligado a Organizações Não Governamentais (ONGs)?

A Funai foi terceirizada para o CIMI (Conselho Indigenista Missionário)...

Diz-se que existem inúmeras ONGs que “cuidam” dos indígenas e raríssimas das populações em estado de vulnerabilidade social, principalmente do agreste nordestino...

Porque aonde o Estado não comparece...

O indígena dá muito dinheiro?

O índio dá muito dinheiro aonde o Estado não comparece. O que nós estamos vendo com os índios, mantidas as proporções, é o que a gente está vendo com as favelas cariocas, onde o crime impera porque o Estado fica ausente. No vácuo se permite que o espaço seja ocupado.

E a PEC 71, ela resolve na prática o problema de indígenas e produtores ou é mais um passo no vazio? 

Bom, em relação à questão de Buriti ela não tem significância, porque não é terra indígena. Ela apenas diz que passa a ser do Congresso a responsabilidade de decidir, ou definir, as terras que são indígenas. Eu acredito que, na verdade, cria-se mais um cartório, um estamento, um compartimento e não resolve nada.

É criar uma forma de debater sem resolver?

Isso [a questão indígena] tem que ser resolvida. O caso é: a doença está ali e o remédio aqui. A questão brasileira é essa: nós somos hábeis, sábios, em criar questões para não resolver.

Também somos mestres em criar leis que não se aplicam.

O problema não é de Lei.

Sim, temos várias, o problema é seu cumprimento.

É uma questão de moralidade. Isso é uma questão, e esse é meu ponto de vista, quando o Estado, ou qualquer um, se nega a cumprir um dever, tendo condições para tanto, você sai das raias das questões sociológicas, políticas, e vai para a raia da imoralidade. Isso é moral.

Isso é criminoso?

Criminoso. Isso é prevaricar. Pode afirmar que eu disse que o Estado é prevaricador.

Qual o valor total das indenizações devidas no Mato Grosso do Sul?

Do Mato Grosso do Sul não tenho ideia de valores. Tenho ideia de valores de onde atuo. Se desconsiderarmos esse 1%, algo em torno de R$ 250 milhões.

Esse valor seria aceito pela classe produtora?

Creio que sim. O problema é que você só faz um bom negócio quando negocia com gente séria. Não existe contrato que não tenha escapatória para ser contestado, você sempre vai necessitar da Justiça para dirimir estas questões. Negócio bom é aquele feito com pessoas boas, corretas.

O Governo é um péssimo negociante. Nós fomos por diversas vezes a Brasília, a partir de 2013 e participamos de dezenas de reuniões, absolutamente estéreis, inférteis, papo furado. Desde há muito, não vou mais. O Vanti [Vanni] ainda se esforça e comparece.

Os laudos da Funai, juridicamente estão eivados de vícios, falhas que podem incorrer em laudos incorretos, divergentes da realidade?

Se eu te mostrar o mapa da Buriti... o antropólogo conserva com o índio, que indica os limites, locais onde seus antepassados iam buscar mel, ou caçar capivara... O que se supõem por limites é um morro, um córrego, um pé de jatobá. No Buriti eles indicaram como limite a cerca de aproximadamente 15 quilômetros, que não existia à época. Então você questiona se eles respeitavam àquela época uma linha imaginária.

Se você verificar os mapas, você vai ter o mesmo estranhamento que eu em relação ao mapa de Buriti, porque uma das divisas é uma linha reta. Os índios ocupavam em 1700 e pouco. Lá não tinha ninguém, mas querem fazer crer que respeitavam essa linha (reta) imaginária.

Esse pagamento será feito em dinheiro, ou títulos?

Em dinheiro, porque o título da dívida agrária, como o próprio nome diz, foi criado especificamente para desapropriação para reforma agrária. Não é reforma agrária, então esse pagamento tem que ser em dinheiro, acrescido 1% ao mês, mais correção monetária.

 

Nota:

Cardozo pede que Funai negocie com indígenas.

Em reunião com representantes da Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Su),dia 14 de julho, em Brasília, quando foram discutidos os conflitos agrários no estado, a maior demanda não foi contemplada, que a legislação seja respeitada e que o direito de propriedade seja restabelecido. Atualmente, Mato Grosso do Sul tem 88 propriedades invadidas por indígenas.

Demonstrando desconhecimento da questão, Cardozo propôs reuniões emergenciais com o presidente do STF - Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para discutir os processos de reintegração de posse e sinalizou que fará audiência para ouvir as reivindicações das comunidades indígenas. Sem proposta concreta, outra proposta é mais uma reunião entre Ministério Público Federal (MPF), Funai, Conselho Nacional de Justiça e produtores rurais.

Isso remeta ao texto “Dez Coisas que Aprendi”, de Luís Fernando Veríssimo:

Se você tivesse que identificar, em uma palavra, a razão pela qual a raça humana ainda não atingiu (e nunca atingirá) todo o seu potencial, essa palavra seria "reuniões"