28 de março de 2024
Campo Grande 26ºC

'FESTA TRADICIONAL'

Bolsonaro e o Pix orçamentário de R$ 3,2 bilhões em ano eleitoral

Pela primeira vez na história, verba pública é usada para shows musicais a dias da eleição

A- A+

Virou uma bagunça a verba pública. Jair Bolsonaro (PL) autorizou uma natureza chamada “Pix orçamentário” ou mesmo “cheque em branco”, que encherá os cofres de prefeituras, mesmo em ano eleitoral

A medida destinará R$ 3,2 bilhões aos cofres municipais que caem na conta a partir de amanhã, quarta-feira (1.jun.22). 

De acordo com o Estadão, Jair Bolsonaro fará literalmente “festa com a verba pública”. Além de gastar milhões em suas férias quinzenais nos 3 anos que está como Chefe do Executivo, Bolsonaro ainda, abriu os cofres para bancar desde shows de artistas até a compra de bens públicos, como tratores e caminhões de lixo, que rendem publicidade para os políticos.

É a primeira vez que os municípios vão receber dinheiro para aplicar no meio de uma eleição geral. Isso só foi possível porque o Congresso, com aval do Planalto, criou uma modalidade de repasse de emendas que dribla as regras eleitorais.

Conhecido como “Pix orçamentário” ou “cheque em branco”, o mecanismo revelado pelo Estadão ganhou os apelidos pois o dinheiro cai direto na conta das prefeituras e não é passível de fiscalização por órgãos de controle. Quando a regra foi aprovada, o Congresso não definiu a quem cabe fiscalizar o uso desses recursos. No vácuo, ninguém monitora o gasto público.

Cabe às prefeituras definir o que fazer com os bilhões de reais. O dinheiro é liberado sem previsão de como será usado. Deputados e senadores fazem acordos informais com os gestores indicando a aplicação. Esses acertos podem ser feitos por WhatsApp ou até bilhetes escritos à mão sem qualquer transparência, segundo relato dos próprios políticos.

Pré-candidato ao Palácio do Planalto, o deputado André Janones (Avante-MG) usou essa modalidade para destinar R$ 7 milhões para Ituiutaba (MG), sua cidade natal, a cerca de 600 quilômetros de Belo Horizonte. O Estadão revelou que uma parte do dinheiro, R$ 1,9 milhão, foi para bancar uma festa com o cantor Gusttavo Lima e outros artistas uma semana antes da eleição.

Em live na noite desta segunda-feira, 30 de maio, o cantor se pronunciou em meio às polêmicas sobre cachês de shows e disse estar sendo vítima de “perseguição e inverdades”.

A emenda de Janones também vai patrocinar as duplas Zezé di Camargo e Luciano, João Neto e Frederico, João Bosco e Vinícius e a cantora gospel Fernanda Brum no mesmo evento, entre os dias 15 e 25 de setembro.

O município que receberá o dinheiro é governado pela prefeita Leandra Guedes (Avante), ex-assessora do gabinete de Janones na Câmara. Ao lado do deputado, ela é alvo de uma investigação preliminar do Ministério Público sobre suspeita de rachadinha (prática popularizada pela família Bolsonaro) quando o assessorava na Câmara em 2020, um caso revelado pelo portal Metrópoles.

“Sempre destinei e continuarei destinando emendas para promover festas para o povão, seja de Ituiutaba, do Triângulo Mineiro, de toda Minas Gerais e, se eleito presidente, de todo o Brasil”, disse o deputado. Ele afirmou desconhecer qualquer investigação sobre rachadinha. A Procuradoria-Geral da República informou que não comenta casos que tramitam em sigilo.

Levantamento do Estadão mostra que deputados e senadores priorizaram prefeituras governadas por parentes na hora de destinar suas “emendas Pix”.

É o caso do deputado Valdir Rossoni (PSDB-PR) que colocou todos os R$ 8,8 milhões a que tem direito em um único município, Bituruna (PR), administrado por seu filho, o tucano Rodrigo Rossoni.

O deputado Genecias Noronha (PL-CE) mandou R$ 5,8 milhões para Parambu (CE), cidade governada pelo sobrinho, Rômulo Noronha.

Eduardo Bismarck (PDT-CE) destinou R$ 1,3 milhão para Aracati (CE), onde o pai, Bismarck Maia, é prefeito.

E o senador Jader Barbalho (MDB-PA) mandou “depositar” R$ 1,9 milhão ao governo de seu filho Helder Barbalho (MDB), que tentará a reeleição neste ano. Bismark alegou que o recurso vai priorizar pavimentação de ruas em Aracati. Os demais não responderam.

Os R$ 3,2 bilhões foram empenhados (compromisso de pagamento) pelo governo no dia 17 de maio de 2022. A data de empenho faz referência ao número de campanha de Bolsonaro (em 2018) e é recorrente até mesmo no nome da empresa “One7” que administra agora a carreira do cantor Gusttavo Lima.

Enquanto uma emenda tradicional leva até cinco anos para ser paga, pela exigência de análises técnicas, a “emenda Pix” é repassada em até 90 dias. No total, 444 deputados e 58 senadores optaram por enviar dinheiro por essa modalidade para bases eleitorais. A maioria dos deputados (60%) é da base do governo Bolsonaro.

Além disso, na emenda parlamentar tradicional os recursos só podem ser repassados após a execução dos serviços e, no ano eleitoral, até três meses antes da eleição. Resultado: a adesão ao modelo de transferência por intermédio da “emenda Pix” cresceu no Congresso e caiu na graça dos parlamentares, saindo de R$ 621 milhões em 2020 e superando R$ 3 bilhões neste ano eleitoral.

Durante a gestão do presidente Jair Bolsonaro deputados e senadores ganharam ainda um outro mecanismo de repasse de recursos sem fiscalização, o orçamento secreto. Também revelado pelo Estadão, o esquema permite ao parlamentar indicar recursos diretamente à base eleitoral sem transparência. Nesse caso, entretanto, os valores são bloqueados para obras novas no período eleitoral.

Essas inovações patrocinadas pelo governo com apoio do Congresso levaram acadêmicos, economistas e advogados especializados em contas públicas a defenderem uma reforma urgente no orçamento para evitar que bilhões sejam distribuídos sem qualquer critério técnico. “Infelizmente, voltamos a viver sob a égide de mais um ciclo de coronelismo, enxada e voto”, resumiu a procuradora do MP de Contas de São Paulo, Élida Graziani.

O Ministério da Economia afirmou que liberou todos os recursos que cumpriram as regras para recebimento, sem distinção de parlamentares. A pasta reforçou ainda o entendimento de que, se o governo federal efetivar a transferência para o caixa dos municípios até três meses antes da eleição, o dinheiro poderá ser gasto pelas prefeituras durante a campanha. Sobre a fiscalização, o ministério disse que os municípios podem preencher um relatório para fins de transparência e controle social. Esse preenchimento, porém, não é obrigatório.