Eduardo Bazzana, presidente do Clube Americanense de Tiro — com mais de 7 mil associados em todo o estado de São Paulo — e era dono de duas lojas de armas e munição registradas no Exército, preso por movimentar R$ 1,6 milhão para o Comando Vermelho tem uma empresa ativa na Flórida ignorada por inquéritos oficiais e conexões políticas com o PL e PSL, segundo o The Intercept Brasil.
A recente onda de violência no Rio de Janeiro, que culminou em uma operação com 117 mortos na última semana, volta a expor a origem do arsenal bélico das facções. Investigações apontam que parte significativa desse armamento não surge nas comunidades, mas vaza de canais legais, como clubes de tiro.
Neste cenário, o Ministério Público identifica o empresário Eduardo Bazzana, de 69 anos, presidente do clubo de tiras localizado em Americana (SP), como um dos principais fornecedores de armas e munições para o Comando Vermelho.
Bazzana foi preso preventivamente em maio deste ano. Segundo a apuração da Polícia Civil e do MP do Rio de Janeiro, ele teria movimentado cerca de R$ 1,6 milhão em apenas dois meses (fevereiro e março de 2023) em transações ligadas ao comércio ilegal de armamento pesado com a facção. Durante a operação, os agentes apreenderam 200 armas, 40 mil munições e carros de luxo, incluindo um Cadillac avaliado em mais de R$ 2 milhões.
FILHO E 'BUNKER' NA MIRA
Policial descobriu uma porta secreta aberta por um botão em baixo de uma mesa acionado com chave digital — Foto: Polícia Civil/DivulgaçãoAs investigações sugerem que o esquema continuou mesmo após a prisão do empresário. O Ministério Público de São Paulo aponta que o filho de Eduardo, Phelipe Bazzana, teria assumido as atividades do grupo.
Em agosto de 2025, Phelipe foi alvo de uma nova operação conduzida pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), em parceria com a Polícia Federal, o Exército e o Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep).
Durante as buscas, foram encontradas 183 armas, incluindo 20 fuzis. No local, os policiais descobriram um "bunker": uma sala secreta com abertura eletrônica, acionada por um botão escondido sob uma mesa. Phelipe Bazzana segue sendo investigado, mas ainda não foi denunciado formalmente.
CONEXÕES NOS EUA
Trechos de documento obtido pelo Intercept com registro de empresa nos Estados Unidos | ReproduçãoApesar da complexidade da operação no Brasil, a investigação jornalística do The Intercept Brasil, baseada em informações públicas, revelou um elo internacional que, até o momento, não consta nos inquéritos oficiais. A família Bazzana mantém uma empresa ativa, patrimônio imobiliário e histórico de negócios no estado da Flórida, nos Estados Unidos.
Em janeiro de 2025, poucos meses antes da prisão de Eduardo, foi registrada em Kissimmee, na região de Orlando, a PH Bazzana Investments LLC, tendo o próprio Eduardo Bazzana como administrador.
Este não é o primeiro empreendimento da família nos EUA. Registros anteriores mostram a Bazzana Import and Export Corp, aberta em 2009 e encerrada em 2017. Além das empresas, o nome do empresário está vinculado a um imóvel em Winter Garden, uma área nobre de Orlando.
Questionado sobre os ativos, o advogado da família, Rogério Dini Duarte, confirmou a existência da casa e da empresa na Flórida. "Ele, de fato, tem [imóvel e empresa nos EUA], só que [essas informações] ainda não vieram aos autos [do processo judicial]", afirmou o advogado à reportagem, que alertou: "Se você soltar essa matéria [...], o que que vai acontecer? Vai vir à tona esses bens, que são bens de família. Vai dar um rolo do caramba isso daí", disse na tentativa de intimidar o jornalista Paulo Motoryn.
Posteriormente, a defesa argumentou que a empresa foi aberta "a pedido do próprio banco" e serviria "apenas para fins de administração patrimonial".
CONEXÕES POLÍTICAS E IDEOLÓGICAS
Perfis de extrema-direita seguidos pelo empresário nas redes. Foto: ReproduçãoA apuração também mapeou as conexões políticas e ideológicas da família Bazzana. Em 2018, Eduardo doou R$ 510 à campanha de Aloísio Bueno, então candidato a deputado estadual pelo PSL (partido pelo qual Jair Bolsonaro foi eleito presidente em 2018).
Em 2023, já sob investigação, Bazzana foi recebido na Câmara Municipal de Americana pelo vereador e pastor evangélico Marcos Caetano (PL), que registrou o encontro nas redes sociais. Após a prisão do empresário, o vereador declarou a um jornal local que "recebe qualquer cidadão" e desconhecia as supostas atividades criminosas.
A PHVB Armas, empresa da família que teria recebido valores do CV, também fazia propaganda política. A companhia chegou a promover o aplicativo "Reduto", plataforma criada para unir militantes pró-armas e que fazia críticas à política de controle de armas do governo Lula.
O QUE DIZ A DEFESA
O advogado Rogério Augusto Dini Duarte negou veementemente o envolvimento de seus clientes com facções criminosas. Ele afirmou que as empresas da família operam dentro da legalidade e reportam todas as transações.
Duarte também rebateu a informação de que Phelipe Bazzana deu continuidade ao esquema, afirmando que o filho "é despachante de arma de fogo e trabalha com comércio legal de armamento". Sobre o "bunker", o advogado alegou tratar-se de um depósito seguro autorizado pelo Exército, necessário pelo alto volume do acervo.
Em relação à atuação política de Eduardo Bazzana, a defesa classificou como "questão pessoal" e declarou que o empresário "sempre defendeu a legalidade".
CONTEXTO NACIONAL
O caso Bazzana ilustra um fenômeno crescente. Um levantamento do Instituto Sou da Paz, divulgado no ano passado, mostra que a categoria dos CACs (Caçadores, Atiradores e Colecionadores) vem sendo cada vez mais utilizada como "ponte" para o crime organizado obter armas e munições. Segundo o instituto, a flexibilização das regras nos últimos anos criou "uma nova fonte de migração de armas legais para o mercado criminal".











