08 de maio de 2024
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Cinema - Crítica

A Forma Da Água; Guillermo del Toro e sua homenagem erótica aos monstros

'The Shape of Water deixa del Toro menos inocente, mas não menos romântico'

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‘A particularidade do romantismo de Guillermo del Toro em uma valsa na tela. A imagem intrínseca provocada por uma fotografia rara de se ver, um espectador vivo dentro das bolhas e que balança com os encantos e sons da maré e quando escuta mais alto um som, são gemidos de uma masturbação, de um sexo selvagem, de corpos nus e a ousadia do amor inter-espécie’

The Shape of Water deixa del Toro menos inocente, mas não menos romântico. Sua versão de O Monstro da Lagoa Negra (1954) é uma história de amor nascida das profundezas da Guerra Fria, onde Elisa (Sally Hawkins), sua princesa, é faxineira noturna de um laboratório do governo dos EUA. Incapaz de falar por conta de um ferimento que destruiu suas cordas vocais, proposta é essa que é uma bala em alta velocidade que nos carrega através daqueles corpos e mentes com a dança proposta pelos movimentos da câmera, viva. Elise encontra compreensão na criatura (Doug Jones), trazida da América do Sul pelo rígido agente Strickland (Michael Shannon). Nas madrugadas no laboratório, a princesa e o monstro escutam música, comem ovos cozidos e se apaixonam.

SONHO

Foto:Reprodução/Internet

Com um roteiro cheio de prazer e tesão, del Toro tira a inocência de sua princesa, se utilizando do tempo, cuja a grande força da sua narrativa abraça para a ‘valsa’ das lentes. Del Toro apresenta nessa obra, um conto de fadas, ou algo parecido, com uma vibração clássica, uma princesa sem castidade e um fera sem nada a ser melhorado. Ponto em que nasce a segunda força de seu roteiro.

FORÇA

Foto:Reprodução/Web

O vilão, agente Strickland, não se limita a destruição do recente amor – a maldade de Strickland é consequência de um homem problemático, obcecado pelo sucesso, surdo a tudo a seu redor.  Não atoa del Toro apresenta essa nova característica, já que em todos os seus trabalhos diálogos assim eram apenas ilustrados, tratados como teoria, tal densidade da narrativa se deve a parceria firmada com a roteirista Vanessa Taylor (Game of Thrones). Diálogos leves que conectam os elementos da narrativa naturalmente e apresentam personalidades completas –  seja Giles (Richard Jenkins), o vizinho ilustrador que ama filmes antigos e tortas de limão, Zelda (Octavia Spencer), a falastrona e protetora colega no turno noturno de limpeza, ou Hoffstettler (Michael Stuhlbarg), um homem da ciência, preso em um mundo político. Todos os personagens presos em compilados de seus mundos particulares e que de forma indireta completam um ciclo da história.

ATUAÇÃO 

Foto:Reprodução/Internet

Um roteiro delicado e personagens bem desenvolvidos, abrem espaço para atuações espetaculares e a ideia de que os verdadeiros monstros caminham entre os homens deixa de ser um objetivo e se torna consequência da narrativa. Completando a beleza os cenários detalhados, o design de personagem abstratos e cheios de ‘mini-viradas’, as referências, as homenagens e os conceitos cinematográficos deixam de ser uma moldura vazia e passam a dançar com a câmera e atravessar o corpos de seus personagens.

MAGIA 

Foto: Reprodução/Web

Um artista plástico em seu olhar, Guillermo trabalha cada centímetro da tela, apresentando as cores, encaixa precisamente a trilha de Alexandre Desplat, mas não trata mais o filme como um quebra-cabeça, como em obras anteriores. A fluidez apresentada em The Shape of Water (A forma da Água),  trás num só balanço o espectador para dentro da história.

DESTAQUE 1

Foto:Reprodução/Web

Michael Shannon, volta a brilhar como vilão, as cenas envolvendo seu personagem são algumas das melhores do longa, donas de diversas camadas a serem debatidas, Del Toro coloca em pauta o racismo, o machismo, o abuso sexual, dentre outros temas. Como de costume, Shannon está um ‘monstro’ e cria um dos melhores, ao meu ver o melhor vilão do ano! Um vilão que oscila e, apesar de extremamente duro e mais monstruoso que o verdadeiro monstro do filme, em momentos de fraquejo exibe o ser humano debaixo de sua carcaça e deixa o espectador refém da empatia.

DESTAQUE 2 

Legenda da Foto

Quem dá  vida a Elisa, (princesa de del Toro) é Sally Hawkins, britânica indicada ao Oscar por Blue Jasmine (2013),  tem um dos melhores desempenhos de sua carreira e também do ano. Para começar, seu tempo em tela é todo apresentado e realizado através de linguagens de sinais e expressões faciais, e a atriz impressiona. O que impressiona também é a ousadia do filme de del Toro, que de conto de fadas leve e politicamente correto não tem nada. Este é um filme erótico, sangrento e bastante  violento em suas viradas.

OBRA

Foto:Reprodução/MakingOff

Enfim galera, vale muito, mas muito mesmo a pena assistir essa grande obra de Guillermo del Toro, que faz muito mais do que declarar seu amor por monstros.  O cineasta degusta aqui pretensões abstratas em uma busca de como contar uma história de aura clássica acessível, mas também complexa e original. A beleza de assistir um artista lapidar o diamante que encontrou em seu caminho de como se fazer cinema.