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EXCLUSIVO | AQUIDAUANA

Professor acusado de estuprar afilhada: vítima tentou suicídio devido a abusos e padrinho a socorria

Preso em janeiro, influente em entidades e na política, suspeito vai à julgamento nesta terça-feira (27. abril)

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O professor de geografia Florêncio Garcia Escobar, de 55 anos, suspeito de estuprar a afilhada dos 8 aos 18 anos e a irmã dela de 12 a 15 anos, em Aquidauana, no interior de Mato Grosso do Sul, vai à julgamento nesta terça-feira (27. abril). O homem está preso desde de 22 de janeiro de 2021.  

Em entrevista exclusiva ao MS Notícias, hoje (26. abril), a dona de casa de 38 anos, mãe das vítimas, revelou que a menina mais velha já havia tentado suicídio para se livrar dos abusos, mas era sempre impedida e socorrida ao hospital com a ajuda do padrinho. — Como pode existir um ser humano dessa natureza? Ele participava de tudo em relação a minha família... uma pessoa que você confia fez essa monstruosidade. Ela [vítima] tentou suicídio e ele a levava para o hospital. E ele sabendo que ela fazia isso porque ele abusava dela... eu acho que ele ficava por perto com medo de ela falar. Hoje eu enxergo tudo — disse.   

Durante a conversa com a reportagem, a mãe detalhou como o crime cometido por alguém que ela “considerava um pai” devastou a vida das meninas.

 — Parece que os dias vão passando e tudo vai piorando. A [vítima] de 18 anos está com problemas diversos. Elas estão tomando remédios controlados... está sendo tudo, tudo mesmo, muito difícil! Esses dias ela veio de Campo Grande aqui para Aquidauana e me disse que não está conseguindo dormir e, quando conseguia dormir, acordava tendo que falar sobre isso. Ela me conta que tudo isso machuca muito, ter que estar falando sobre isso — apontou a dona de casa, que na ocasião, aconselhou a filha a ser forte nesse momento até que o acusado fosse punido.

Ao longo dos 8 anos que teria abusado da menina, Florêncio sempre esteve bem perto, controlando tudo. Sua aproximação começou justamente em um momento de fragilidade, dia em que a mãe das meninas sepultava o avô delas.  — Eu o tinha como um porto seguro, me ajudava e tinha acesso a tudo. Ele participou do velório do meu pai. Foi quando começou a se aproximar da minha família. Era uma confiança imensa que eu tinha nele — analisou. 

“EU FIZ ISSO PARA VER SE ELE PARAVA DE TER DESEJO...”

Os atos contínuos que teriam sido praticados pelo professor fizeram a menina abandonar a escola há 4 anos atrás e transformar seu cotidiano por completo. A adolescente teria adotado personalidades para afastar o padrinho. 

A mãe disse que quando a filha chegou ao 8º ano do ensino fundamental, passou a vestir-se com roupas masculinas e decidiu deixar a escola. — Ela se transformou, saiu da escola e disse que não tinha cabeça para isso. Eu a questionei na época, quando ela também passou a se vestir como homem. Agora que eu entendi, quando ela me disse que fez isso para ver se ele parava de a desejar. Ela falou assim: “mãe, eu fiz isso para ver se ele parava de ter desejo em mim, só que ele não parou”. Ele falava, para a gente assim, que isso era frescura e que ela gostava de homem sim — lembrou.   

Sempre discreto, Florêncio nunca avançou o sinal na presença da mãe. — Sempre a tratou com muito cuidado, sabe, fazia umas brincadeiras com relação a ela gostar sim de homem, dizendo que só era frescura que por isso que ela se vestia de homem, mas nunca nada além disso. Por isso nunca notamos nada — explicou.

Notando que vestir-se de forma masculina não afastou o homem, a vítima então teria começado a ameaçar ir embora para a Capital do estado. A adolescente passou a prometer que quando completasse 18 anos iria embora do lar onde vivia com a mãe e avó em Aquidauana.  — Eu não entendia o motivo. Ela foi embora para fugir dele. Só que até então, a gente não sabia disso... e sempre ela dizia que quando completasse 18 anos iria embora, mas a gente aqui não imaginava já que ela nunca disse nada — argumentou.

“PARTIDA – FUGA...”

Em junho de 2020 a vítima completou 18 anos. Em outubro daquele ano ela mudou-se para Campo Grande juntamente com uma amiga.  

Ainda assim, o suspeito teria vindo à Capital à procura da afilhada. Ocasião em que ela pediu para nunca mais ele procurar por ela. O homem teria então voltado para o interior.

Em 7 de dezembro de 2020 a adolescente decidiu ir até a casa da mãe em Aquidauana para visitá-la. — No dia 7, estávamos fazendo um almoço aqui. Aí o Florêncio chegou aqui e ela [vítima] saiu correndo e se trancou no quarto. A amiga dela, que mora com ela em Campo Grande, foi atrás. Eu também fui e encontrei a (***) na porta do quarto. Ela falou assim: “tia se a senhora não tomar essa atitude, eu vou tomar”. Eu perguntei: “o que está acontecendo?”. Aí ela falou: “O tio abusa da (***) desde os 8 anos de idade, tia”. (Pausa)... aí eu fiquei em choque, fui lá na sala e ele já não estava mais lá — detalhou a mãe. 

PODER

Esse é o suspeito, Florêncio Garcia Escobar.

O MS Notícias revelou em 11 de janeiro de 2021, que devido ao poder e o fato de Florêncio ser líder em várias entidades em MS, estava, até então, sendo poupado até mesmo pelos veículos de imprensa. A avaliação foi feita por lideranças femininas aquidauanenses que lutaram para que ele fosse punido.

Denunciado em dezembro de 2020, apenas em 8 de janeiro de 2021 o homem foi afastado, a pedido, do cargo de presidente que ocupava no Conselho Estadual de Saúde de Mato Grosso do Sul.

Vale ressaltar que o Conselho Estadual é um espaço de debate, formulação e avaliação das políticas de saúde. Colegiado permanente que ironicamente é responsável pela aprovação de políticas de enfrentamento a violência contra a mulher.

O Conselho Estadual de Saúde não se manifestou sobre o caso na época. Apenas comunicou o afastamento do membro por meio de nota em que disse: “A Mesa Diretora do Conselho Estadual de Saúde tomou conhecimento pela mídia, da existência de um Boletim de Ocorrência na Delegacia de Atendimento à Mulher – DAM, na cidade de Aquidauana, envolvendo o ex-conselheiro citado, no qual encontra-se em segredo de justiça. Sendo assim, cabe ao Conselho Estadual de Saúde e aos seus membros o acolhimento da renúncia e as providências administrativas decorrentes da mesma, conforme definido no Regimento Interno vigente. A atual presidência é indicação do Fórum dos Usuários/SUS a quem caberá a substituição do conselheiro para cumprimento do mandato até maio de 2021”, diz a nota assinada pelo vice-presidente Ricardo Alexandre Corrêa Bueno.

Nesta segunda-feira a reportagem tentou contato com CES para comentar o julgamento, mas as ligações não foram atendidas. 

Além de ocupar cargo no CES, o suspeito de estupros, ocupava cargo no Sindicato Municipal de Trabalhadores em Educação de Aquidauana. Ele foi afastado do cargo em 4 de janeiro, quase um mês após a denúncia ser feita na Delegacia da Mulher da cidade. Florêncio atuou como secretário de finanças na entidade. No mesmo 4 de janeiro, a Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul (Fetems), na qual Florêncio era Secretário de Políticas Municipais, emitiu nota sobre a acusação, comunicando o afastamento do professor. 

Cerca de 24 horas mais tarde, Florêncio foi também afastado do cargo de Secretário de Administração e Finanças da Central Única dos Trabalhadores do Mato Grosso do Sul (CUT-MS). A entidade também emitiu nota comunicando o afastamento do suspeito em 5 de janeiro de 2021. 

Na avaliação da mãe das vítimas, a Justiça começou a ser feita quando Florêncio perdeu esses cargos. — Só de ele ser despedido, tiraram esses poderes dele. Eu acho que aí a Justiça já começou a ser feita”, opinou. 

JUSTIÇA

A mãe espera que o homem seja punido. — Estamos confiantes na Justiça, ele vai pagar. Apesar de ele ter dinheiro, advogado, ele não vai conseguir se safar — acentuou.

Para a dona de casa, Florêncio deve ser punido e devem ser investigadas outras acusações feitas. — (sic) Pelas denúncias (que estão sendo investigadas) elas não seriam as primeiras vítimas. Depois que eu tive coragem de fazer a denúncia, começou a aparecer um monte de denúncias. Precisa investigar se ele vem fazendo isso há anos... só que ninguém nunca teve coragem de denunciar — finalizou, explicando que o silêncio das vítimas pode ser devido à grande influência política e o capital financeiro do suspeito. 

ACUSAÇÕES

Além de ser suspeito de estuprar a afilhada e a irmã dela, Florêncio é acusado por crime da mesma natureza que teria sido cometido contra uma mulher em 1998. O homem teria estuprado uma jovem de 15 anos durante passeio com a família da vítima.

A mulher, hoje com 38 anos, disse que tomou coragem de denunciar o estupro após saber que pessoas teriam o denunciado.

Segundo o registro de ocorrência, o homem teria a estuprado em uma casa quando a família e o professor que se dizia 'amigo' foram passar férias em Guarapari (ES). Na ocasião, a vítima teve que voltar à casa de praia para pegar um protetor solar e acabou estuprada no imóvel, onde o homem também estava.

O MS Notícias apurou que amanhã no Fórum de Aquidauana serão julgados apenas os crimes cometidos contra a afilhada do suspeito.

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