26 de julho de 2024
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EDUCAÇÃO INFANTIL

Crianças pretas do Centro-Oeste são as que menos frequentam a pré-escola

Pesquisa revela cenário de desigualdade em relação a crianças brancas; MT, GO e DF lideram ranking negativo

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As crianças pretas, pobres, residentes em zonas rurais, filhas de mães com baixa escolaridade e com empregos informais são aquelas que menos frequentam a pré-escola no Centro-Oeste brasileiro, que inclui os estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, e o Distrito Federal  —  esses dois últimos, lideram o ranking negativo da pesquisa “Desigualdades na garantia do direito à pré-escola”.

Em números inteiros considerando os dados acessados de 2019 e 2020 (últimos entregues pelo governo), o cenário era o seguinte:

Mato Grosso tinha 6116 crianças de 4 a 5 anos fora da escola em 2019; em 2020, o mesmo estado saltou para 26.720 crianças de 4 a 5 anos que não fizeram matrícula.

Mato Grosso do Sul, fez o caminho inverso do vizinho. Em 2019, 6932 crianças de 4 a 5 anos ficaram fora da pré-escola em MS; em 2020, em meio a pandemia de Covid-19, o estado conseguiu reduzir o número de evasão, tendo registrado 6.399 alunos que ficaram fora da escola.  

O Distrito Federal repetiu com timidez o modelo de MS. Na Capital do Brasil, em 2019, 10361 alunos de 4 a 5 anos ficaram fora da escola; no ano seguinte, houve um recuo tímido, com 10.121 crianças não matriculadas em 2020.  

Dentre os 4 estados do Centro-Oeste, Goiás é o que tem o maior número de crianças fora da pré-escola. Lá eram em 2019 eram 30.479 crianças fora das salas; em 2020, caiu para 29.113 crianças longe das salas.  

RAÇA

No Centro-Oeste, crianças brancas na pré-escola representam 89,4% enquanto crianças pretas são apenas 80,6%.

Em relação aos estados da região, destaca-se, Mato Grosso onde 91,3% dos matriculados são brancos e apenas 80,0% são negros. No Distrito Federal 89,4% dos matriculados são brancos e 80,6% são pretos.

O Centro-Oeste falha na inserção das crianças de 4 a 5 anos na escola. Na região, 89,2% das crianças dessa faixa etária frequentam a pré-escola, índice abaixo da média nacional, de 94,1%.

A região Centro-Oeste foi a que apresentou a segunda maior desigualdade, no Brasil, entre as taxas para crianças pretas, pardas ou indígenas em relação às brancas ou amarelas (86,5% e 89,5%).

Em relação aos estados, verifica-se no Distrito Federal (87,8% e 83,5%), Goiás (85,3% e 89,0%), Mato Grosso (88,1% e 91,4%) e Mato Grosso do Sul (89,7% e 89,9%). As desigualdades são 4,3%, 3,7%, 3,3% e 0,2%, respectivamente por estado.

IDADA, ESCOLARIDADE E OCUPAÇÃO MATERNA

Em 2019, as regiões Centro-Oeste e Norte apresentaram as menores taxas de frequência escolar de crianças filhas de mães jovens, 81,5% e 82,1%, respectivamente. O estado de Goiás apresenta a maior desigualdade nessa região com 66% de crianças filhas de mães com 19 ou menos idade e 88,2% de crianças filhas de mães com 20 ou mais.

A região Centro-Oeste registra 89,5% de frequência para mães com ocupações informais e 92,3% para mães com trabalho formal. As taxas de frequência para crianças com mães na informalidade nos estados da região equivale a: Mato Grosso (92%), Mato Grosso do Sul (90,3%), Goiás (88,6%) e Distrito Federal (87,2%).

A região Centro-Oeste foi uma das que apresentou as menores taxas de escolarização de filhos de mães sem Ensino Fundamental completo: 86,3%. Para mães com o Ensino Fundamental completo o índice é 90,4%. Por estado, os indicadores de mães sem o fundamental completo são: Goiás (83,8%), Mato Grosso do Sul (86,3%), Mato Grosso (87,8%), Distrito Federal (88,7%).

“Embora esses dados indiquem que as desigualdades são maiores nos recortes maternos, nós percebemos que esses marcadores, infelizmente, também são característicos de mulheres pretas e pobres no nosso país, como mães jovens, de baixa escolaridade e trabalho informal”, avalia Mariana Luz. “Isso indica que o problema não é exclusivo no acesso à educação, mas é também de emancipação das mulheres e dos negros, além da quebra de ciclos intergeracionais de pobreza”, finaliza a CEO da Fundação.

A região Centro-Oeste, chama atenção ainda como a que possui maior defasagem em relação à frequência escolar de crianças que residem com apenas um adulto. Em 2019, a taxa para famílias monoparentais nessa região foi de 83,1% e a de famílias não-monoparentais foi de 89,9%. Este resultado decorre, especialmente, da situação observada em Goiás, que apresentou um resultado de 72,1% e 87,4%, respectivamente, para os mesmos indicadores.

ZONA URBANA X ZONA RURAL

No Brasil, a porcentagem de crianças entre quatro e cinco anos de idade que frequentam a escola é menor nas localidades rurais, com uma diferença de 3% em 2019.

A região Centro-Oeste apresenta o segundo menor índice de frequência escolar de crianças dessa faixa etária nas zonas rurais (85,8%), no Brasil. Na mesma região, o índice do domicílio urbano é de 89,6%. O Mato Grosso do Sul (77,7%) é um exemplo de estado com uma das mais baixas taxas de escolarização em domicílios rurais no País.

Para o presidente da Undime e Dirigente Municipal de Educação de Sud Mennucci/SP, Luiz Miguel Martins Garcia, é fundamental a formulação de estratégias que respondam ao desafio de garantir pré-escola de qualidade para todas as crianças e tragam-nas de volta à escola, com oportunidades de aprendizagem. “É indispensável que a gente trabalhe para termos ações robustas e coesas de busca ativa dessas crianças, que se amplie o acesso à educação infantil com qualidade e que realizemos o monitoramento dessas iniciativas para que o direito constitucional à Educação seja efetivamente garantido, com equidade, para todos.”

Com o apoio técnico da Quantis Consultoria, o estudo avaliou as taxas de frequência de crianças na pré-escola segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) de 2019, da PNAD (2005-2015) e do Censo Demográfico (2010), com análises produzidas em 2019. A ausência de resultados mais recentes se dá pela não publicação de novos dados da PNAD sobre o tema.

A pesquisa “Desigualdades na garantia do direito à pré-escola” olhou para outros recortes de frequência escolar, como condição de monoparentalidade e situação do domicílio das crianças. 

CENÁRIO BRASILEIRO

Embora a pré-escola seja obrigatória no País a partir dos 4 anos, a pesquisa revela que há mais de 330 mil meninas e meninos de 4 a 6 anos longe da pré-escola em todo o Brasil, a maioria crianças no perfil citado no topo da matéria.  

A pesquisa foi lançada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância — UNICEF e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação — UNDIME. Eis a íntegra.

O estudo mostra que o Brasil vinha avançando lentamente no acesso à pré-escola nas últimas décadas. Em 2019, 94,1% das crianças brasileiras frequentavam a pré-escola, deixando 5,9% fora dela — apesar da previsão de universalização desta etapa até 2016 pelo Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024.

Com a pandemia da covid-19, o cenário se inverteu. Embora não haja dados consolidados para os últimos anos, uma análise das taxas de matrícula durante a pandemia, revela que ocorreu, apenas em 2021, uma queda de 275 mil matrículas na pré-escola em todo território brasileiro.  

“Infelizmente, nós ainda não tivemos acesso aos dados consolidados de 2019 para cá, mas nós já temos estudos que indicam uma queda dramática das matrículas dessas crianças na pandemia, o que torna o cenário ainda mais preocupante e demanda uma ação coordenada das três esferas de governo com as famílias e as redes de ensino nesta volta às aulas, identificando e localizando essas crianças que não estão tendo seu direito assegurado”, avaliou Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

Mudar esse cenário é urgente e demanda ações concretas, voltadas ao enfrentamento da exclusão escolar. Sabendo que a Educação Infantil é ofertada, prioritariamente, nas redes municipais de ensino, a pesquisa recomenda aos gestores municipais:

  • Planejar a expansão de vagas, com especial atenção aos públicos mais vulneráveis identificados neste estudo;
  • Identificar e localizar as crianças que não estão matriculadas na pré-escola, utilizando estratégias como a Busca Ativa Escolar;
  • Sensibilizar as famílias para a importância da Educação Infantil;
  • Articular ações intersetoriais, integrando saúde, assistência social e educação para a promoção do direito à pré-escola às crianças;

Contribuir para a efetivação do regime de colaboração, conhecendo quais programas e políticas federais e do seu estado estão ativos para a Educação Infantil e em quais seu município pode ser participante, além de demandar destes entes uma maior participação no regime.

"Essas recomendações são importantes e merecem atenção, sobretudo quando falamos de ações conjuntas, em regime de colaboração envolvendo União, estados e municípios. Temos governadores que foram empossados recentemente e é estratégico que essas recomendações cheguem neles, para que estados e municípios trabalhem juntos pela garantia do direito à educação de cada criança", destaca o presidente da Undime, Luiz Miguel Garcia, Dirigente Municipal de Educação de Sud Mennucci/SP.