26 de julho de 2024
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ONG evangélica de MS recebeu R$ 872 milhões de Bolsonaro

Dinheiro pode ter sido usado para contratar empresas aéreas de garimpeiros

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A Organização Não Governamental (ONG) sul-mato-grossense Missão Caiuá, cujo o lema é “A serviço do índio para a glória de Deus”, recebeu R$ 872 milhões do governo de Jair Bolsonaro (PL).

Conforme reportagem do O Globo publicada nesta 4ª.feira (24.jan.23), ao menos R$ 52 milhões do total recebido, deveriam ser destinados ao povo Yanomami apenas no ano de 2022, só que quase toda a verba, conforme denunciam lideranças indígenas, teria sido destinada a “burocracias”, como contratar aviões e helicópteros para o deslocamento de agentes dessa ONG e de médicos e enfermeiros. Detalhe, a fortuna gasta nesses aluguéis de aeronaves foi gasta com frotas de propriedade de garimpeiros.

O descaso como o povo originário de Roraima gerou imagens estarrecedoras vindas da Terra Indígena Yanomami – local visitado pelo presidente da república, Lula (PT). Na ocasião da visita, o presidente classificou que encontrou um cenário de “genocídio”, em que o governo bolsonarista submeteu os Yanomamis. Circularam na internet chocantes imagens de crianças, mulheres e idosos com aspecto cadavérico, completamente desnutridos, sendo que muitos não resistiram ao resgate e morreram horas depois.

Segundo o texto de O Globo, nos quatro anos da gestão de Bolsonaro um orçamento de R$ 6,13 bilhões foi destinado ao Programa de Proteção e Recuperação da Saúde Indígena, sendo que 88% dele foi executado. Ou seja, efetivamente foram gastos R$ 5,44 bilhões desse montante astronômico, mas se engana quem acha que isso de alguma forma foi revertido em melhorias para os povos originários.

Júnior Hekurari Yanomami, presidente da Urihi Associação Yanomami, disse ao autor da reportagem que praticamente nenhum médico ou profissional de saúde entrou nas terras indígenas nos últimos quatro anos, o que faz constatar que o montante milionário de fato foi gasto com “serviços”, como assinatura de contratos e acordos com entidades de profissionais de saúde, assim como com o aluguel de aviões e helicópteros, sem que, no entanto, nada tenha sido realizado efetivamente para os indígenas que esperavam pelos atendimentos.

“O que houve foi descaso e crime. O dinheiro foi malgasto e mal planejado. Quase tudo foi gasto com ‘aéreo’. Avião e helicóptero para levar profissionais dentro do território, mas apenas na hora da emergência, quando muitas vezes já é tarde demais. Como a ambulância do SAMU nas cidades. Não sobra nada para comprar medicamentos. O que a gente precisa é de prevenção, um plano de ação e compromisso com as vidas”, disse o líder Hekurari Yanomami, da Urihi.

O líder explicou ainda que com o fomento e o incentivo de Jair Bolsonaro à invasão das terras por garimpeiros, houve uma explosão de áreas que passaram a ser ocupadas e exploradas, o que gerou uma forte crise de violência, ameaças, desmatamento e muitos outros desmandos, como as ordens expressas dos donos do garimpo proibindo a entrada de médicos, antropólogos e outros agentes públicos voltados a dar atendimento aos habitantes daquelas áreas remotas. Vale lembrar que muitas das crianças mortas na Terra Indígena Yanomami foram vítimas da água contaminada dos rios pelo mercúrio dos garimpeiros.

“Os garimpeiros ficam intimidando, ameaçando profissionais para pegar remédios. Por causa desses problemas foram fechadas seis unidades básicas de saúde. Muitos yanomamis ficaram sem atendimento e morreram sozinhos sem nenhuma ajuda. Com os yanomamis também faltou gestão. Se fosse um trabalho dentro da comunidade, de atendimento, com médicos, não tinha gastado isso tudo”, disse ainda Hekurari Yanomami.

Ao longo dos últimos 4 anos, pelo menos 21 pedidos de ajuda dos Yanomamis teriam sido ignorados pela União durante a gestão de Jair Bolsonaro.

NOVO GOVERNO

Um plano estratégico interministerial vai nortear as ações do governo federal para a recuperação da saúde da população indígena de Roraima, que enfrenta situação de emergência. O anúncio foi feito pelo secretário da Saúde Indígena do Ministério da Saúde, Weibe Tapeba, em coletiva de imprensa na terça-feira (24.jan.23). O secretário acompanha os esforços de servidores do ministério, profissionais de saúde, de voluntários da Força Nacional do SUS e de militares das Forças Armadas para minimizar a crise na região.

O gestor estima que mais mil indígenas foram resgatados nos últimos dias em grave situação de saúde e fez questão de frisar que o trabalho não é feito apenas pela Secretaria e apontou os problemas da gestão anterior que culminaram na crise humanitária. “Temos um esforço de articulação com a Secretaria Executiva, diretamente com as ministras da Saúde e dos Povos Indígenas, para corrigir essa situação, e os atrasos causados pelo aparelhamento Dsei Yanomami — Distrito Sanitário Especial Indígena. Sozinho o próximo coordenador do distrito não conseguirá, por isso colocamos também nossa equipe de Brasília para todo apoio necessário”, explicou.

Weibe destacou que está em elaboração um relatório para ministra da Saúde Nísia Trindade e que a portaria decretando o estado de emergência em saúde por desassistência nacional permite ao governo federal medidas mais céleres como aquisição de medicamentos, materiais, além de pensar em uma estrutura para as unidades de saúde que existem no território. “A maioria deles não têm água, luz e internet o que, neste momento, são instrumentos que permitiriam salvar vidas. Estamos pensando em como aperfeiçoar as estratégias dentro do território”.

CENÁRIO DE GUERRA

Em conversa com jornalistas, Weibe relatou o cenário desolador encontrado pelo Ministério da Saúde e falou da importância da ação interministerial para salvar vidas e remover os mais de 20 mil garimpeiros que estão no território Yanomami. “Eles têm matado os peixes, matado os rios, e as comunidades acabam ficando reféns desse cenário de guerra, horror e de morte. Infelizmente, os dados são alarmantes”, lamentou.

Com a ação coordenada do governo federal serão adotadas medidas para recuperar o meio ambiente, garantir a segurança alimentar dos indígenas e a soberania do território. Para costurar a ação, ele disse que estão previstas reuniões. “Nesta semana, vamos fazer reunião com o presidente do fórum do Conselhos Distritais de Saúde Indígena, que são os responsáveis que acompanham de perto as ações finalísticas dos distritos e vamos fazer um evento com todos os novos coordenadores até para termos os retornos deles dessas novas nomeações”.

Questionado sobre os indícios de irregularidades e corrupção encontrados na gestão anterior nos Dseis, o secretário comentou que as denúncias estão sendo apuradas e há a possibilidade de uma intervenção nos distritos. “Estamos fazendo planejamento para substituir os coordenadores, os distritos estavam realmente completamente aparelhados pelo governo anterior e, resolvendo isso, vamos fazer um diagnóstico. Identificando irregularidades contratuais, implantaremos auditorias internas”, garantiu.

Weibe aproveitou para repudiar as informações falsas que circulam nas redes sociais, afirmando que os indígenas em situação de doença e desnutrição não seriam brasileiros. “Os Yanomamis são povos originários do Brasil, que vivem naquela região milenarmente e estão aqui muito antes do Brasil ser o que é hoje. E a sociedade brasileira, em sua grande maioria, tem demonstrado grande empatia por essa situação”, salientou o secretário, firmando o compromisso de trabalhar pelo resgate da dignidade desses brasileiros.