29 de março de 2024
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POLÍTICA | INVESTIGAÇÃO

Ex-esposa de Bolsonaro sacou R$ 1,15 milhão em espécie; 'destinatário das rachadinhas'

MP-RJ incluiu na quebra de sigilo contra ex-funcionários do vereador Carlos Bolsonaro, incluindo Ana Cristina, que foi sua chefe de gabinete entre 2001 e 2008

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Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, sacou R$ 1,15 milhão em espécie ao longo de sete anos, por meio empresa: Valle Ana Consultoria aberta no dia 7 de agosto de 2007, segundo cadastro da Receita Federal. “A elevada movimentação de recursos em espécie por Ana Cristina Siqueira Valle sugere que a mesma seja a real destinatária dos recursos públicos desembolsados em nome dos parentes por ela indicados para o gabinete de Carlos Nantes Bolsonaro”, afirmam os promotores do Ministério Público do Rio (MPRJ). 

De acordo com relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) em mãos do MPRJ, a empresa era usada para operações financeiras escusas. Ana teria realizado 1.185 saques, totalizando a quantia milionária de 2007 a 2014.

Os investigadores ligam a origem da verba a possível prática de “rachadinha” no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente. Carlos contratou Ana Cristina como chefe de gabinete entre 2001 e 2008. 

No relatório, há ainda, informação de outras responsáveis pela empresa. Adriana Teixeira Machado, sócia minoritária de Ana Cristina, com 10% da empresa, e Luci Teixeira, sua mãe. Essas duas ficaram nomeadas como funcionárias de Carlos na Câmara do Rio entre outubro de 2005 e 1º de agosto de 2007, atendo saído no mesmo ano em que a empresa de Ana foi aberta. 

A família Teixeira teve mais um personagem ligado aos Bolsonaros. O bombeiro militar Luiz Gustavo Teixeira (irmão de Adriana), ficou nomeado como funcionário do então deputado estadual Flávio Bolsonaro de fevereiro de 2003 até 14 de agosto de 2007.

“Tais vínculos, associados à expressiva movimentação de dinheiro em espécie na conta da Valle Ana Consultoria, sugerem a possibilidade de que Ana Cristina Siqueira Valle possa ter indicado parentes de sua sócia para atuarem como ‘funcionários fantasmas’, de modo a viabilizar o desvio de recursos públicos destinados à sua remuneração”, alegaram os promotores ao pedirem a quebra dos sigilos fiscal e bancário de Adriana e de Luci. Apesar de citado na investigação, o bombeiro Luiz Gustavo, que atuaria como segurança da família Bolsonaro à época, não teve o sigilo quebrado.

O relatório do Coaf revelou que os saques em espécie correspondem à metade do valor retirado da Valle Ana Consultoria e Serviços de Seguros no período analisado, entre 2008 e 2014.

Para o Ministério Público do Rio (MP-RJ), as “movimentações financeiras atípicas” de Ana Cristina são indícios de que empresas vinculadas a ela “possam ter sido utilizadas para ocultação de desvio de recursos públicos oriundos do esquema de ‘rachadinha’ na Câmara de Vereadores”.

Em 2008, R$ 274 mil deixaram a conta ‘Valle’ em 215 saques. No ano seguinte, foram 168 saques totalizando R$ 194,2 mil. Até 2011, haveria mais 350 saques, em um total de cerca de R$ 352 mil retirados da conta da empresa em dinheiro vivo, de acordo com relatório do Coaf.

Em 2011, diz o relatório, que Ana Cristina fez dois depósitos em espécie na própria conta. O primeiro, em março, no valor de R$ 191,1 mil. O segundo, em julho, de R$ 341,1 mil, ocorreu na mesma data em que Marcelino Murilo de Paiva, sócio de uma corretora imobiliária em Resende, depositou R$ 58,8 mil na conta da ex-mulher de Bolsonaro, conforme consta no relatório.

Em 2014 Ana atingiu a marca de R$ 1,15 milhão movimentados em espécie. 

Ao constatar que os imóveis de Ana Cristina, vendidos em 2011 por R$ 1,9 milhão, apresentaram valorização de 1.100% para o preço original de compra, o MP afirmou que a discrepância “sugere a possibilidade de subavaliação no valor de aquisição, mediante complementação do pagamento com valores ‘por fora’”. Ana Cristina, contudo, sempre negou as acusações.

Em 2018, a empresa Valle Ana Consultoria, foi declarada inapta por omissão de declarações, segundo o cadastro da Receita.

O MP disse que enxergou indícios de que Ana Cristina controlaria nomeações de parentes, vários deles moradores de Resende, como funcionários do gabinete de Carlos Bolsonaro na Câmara Municipal do Rio e no de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa (Alerj), ambos a mais de 160 km de distância do município do Sul Fluminense. Uma dessas ex-funcionárias, Maria José de Siqueira, sua tia, fez um repasse de R$ 30 mil de sua conta-salário para Ana Cristina enquanto estava nomeada no gabinete de Flávio, “em operação sugestiva da prática de ‘rachadinha’”, analisa o MP.