04 de dezembro de 2024
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ESPORTE

Futebol para todos: torcedores se mobilizam por bandeira LGBTQIA+ na arena do Palmeiras

Promessa é de que símbolo da PorcoÍris seja colocado na arquibancada nesta segunda-feira

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Era Camila, João Vitor e Mariana. Mas poderia ser José, Gabriela, Bruno ou Bruna. Todos (ou todes) os palmeirenses devem estar representados no fim da tarde desta segunda-feira no Allianz Parque, palco do duelo entre Palmeiras x Atlético-MG, pela 19ª rodada do Campeonato Brasileiro. Por iniciativa dos três primeiros, ao lado de um grupo com o total de 15 palmeirenses, o público LGBTQIA+ vai ter em breve o seu espaço em um estádio de futebol, ainda muitas vezes hostil.

Mesmo em uma arena sem público, um coletivo chamado PorcoÍris, do qual fazem parte Camila Taraborelli, João Vitor e Mariana Mendonça, se encontra sob a expectativa de ver uma bandeira do grupo na arena. A ação, que será definida pelo Palmeiras no dia do jogo, quer abraçar muito mais do que os 15 membros do grupo. O objetivo é expandir a causa, acolher e ratificar: o futebol tem espaço para todos.

— A gente está só começando um espaço. Acho que pode começar a ganhar corpo ou ter sentido quando essa união tiver algum efeito maior. Óbvio que sou grato ao Palmeiras por ter aprovado a bandeira e tomara que ela esteja lá, mas é só um começo. Ainda há um pessoal que não aceita, né? Mas nós estamos aqui, nós vamos falar de futebol e vamos torcer pelo Palmeiras — falou o engenheiro João Vitor, fundador da PorcoÍris.

O coletivo nasceu diante de uma percepção de João Vitor nas redes sociais. Quando clubes, como o Palmeiras, compartilhavam imagens para celebrar casais, havia uma regra: heterossexuais. O palmeirense questionou a postura e rapidamente recebeu uma enxurrada de respostas preconceituosas de outros torcedores. Ali, veio a necessidade de um espaço para abraçar não apenas João, mas Mariana, Camila e tantos outros.

— Tive a ideia de fazer um perfil anônimo para dar essa voz, no sentido que as pessoas dessem um lugar para a gente na torcida. Alguns vieram falar que a gente tinha que "torcer para o time do outro lado do muro" (em alusão ao São Paulo, vizinho de CT do Palmeiras). Mas a gente é palmeirense. Sempre fui palmeirense; aliás, o primeiro da família. A gente precisava marcar esse lugar e deixar uma voz para o torcedor. Queremos falar de futebol — declarou.

O pensamento se assemelha ao da advogada Mariana Mendonça, que conheceu a PorcoÍris pela internet e rapidamente se identificou com companheiros de luta, que, no caso das minorias, une rivais clássicos sob uma mesma bandeira de defesa da igualdade e do espaço LGBTQIA+ dentro do futebol brasileiro.

— Muito antes de me perceber LGBT, eu já me conhecia como palmeirense. É triste pensar que isso acontece e que tem torcedor que enxerga a gente assim, e também até o rival dessa forma. É uma definição que nasceu pelo preconceito contra um jogador no rival e até hoje ele sofre desse preconceito, e o time sofre esse preconceito — reforçou.

A iniciativa PorcoÍris começou há um ano e quer fazer história no Palmeiras ao estampar um espaço da arena com a bandeira LGBTQIA+. Os três palmeirenses são unânimes de que a possível ação surge apenas como um pequeno simbolismo diante de uma longa luta das pessoas no esporte mais popular do planeta.

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Nosso logo oficial! Somos um grupo de torcedores LGBTQIA+ do @Palmeiras e estamos aqui pra promover a inclusão! #FutebolÉPraTodos #AvantiPalestra

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A peça produzida após uma “vaquinha” dos membros da PorcoÍris está entregue ao departamento de marketing do Palmeiras. Na segunda-feira, antes da partida contra o Atlético-MG, todas as bandeiras serão revisadas pelo clube para, enfim, serem transportadas para o estádio. A expectativa é grande no grupo.

— Sentimento é de pertencimento. Esse clube é meu, esse estádio é meu, essas pessoas são minhas. Essa história é minha, porque tomei como minha. Eu escolhi esse grupo, poderia ter escolhido tantos outros. É esse o sentimento — afirmou a psicóloga Camila Taraborelli.

— Futebol é um meio muito machista e misógino. Quando a gente propõe que o Palmeiras nos proporcione um espaço de segurança para exercermos nossa paixão, acho que o clube valoriza a sua própria história de luta e resistência. Quando um grupo se denomina LGBT, se organiza e se articula para também ter o seu espaço de respeito e proteção dentro do futebol, o Palmeiras deve isso por resgate histórico da marca de luta e construção a partir das minorias — acrescentou.

Estádio de futebol, lugar hostil

Pertencimento e segurança foram duas palavras bem repetidas por João, Camila e Mariana durante a conversa com a reportagem do ge. Dentro do estádio, no entanto, esses dois fatores estão distantes da realidade do trio e de membros de minorias. Tais situações, contudo, superam o esporte popular. Além do futebol, o preconceito e a violência contra LGBTQIA+ são pandêmicos no Brasil.

Segundo relatório divulgado em abril pelo Grupo Gay da Bahia, o país teve 329 mortes violentas por homotransfobia em 2019. Ou seja, a cada 26h, uma pessoa morreu no Brasil por homicídio ou suicídio relacionado ao puro preconceito. Os números assustam e influenciam na escolha dos torcedores. Ir ao estádio com o companheiro ou companheira? Nem pensar.

— Não tenho o hábito de ir ao estádio sozinha. Eu tenho medo não só por ser LGBT, mas também por ser mulher. O estádio soa muitas vezes hostil para a mulher, então sempre vou acompanhada, seja em grupo ou com algum namorado. Com namorada, ainda não tive coragem de ir — confessou Mariana Mendonça.

— O ambiente dentro dos estádios envolve muita homofobia, muito preconceito, não é um ambiente seguro para a gente LGBT ou para a gente que é mulher mesmo. Um grupo como esse (PorcoÍris) tem a importância para trazer essa demanda: a gente gosta de futebol, a gente existe, a gente quer torcer e se sentir seguro no estádio, se sentir seguro comentando na internet sobre futebol — disse.

Assim como Mariana, João Vitor também não tem coragem de ir com o marido ao estádio. A homofobia normalizada nos jogos, em xingamentos contra rivais e até cânticos das próprias torcidas, ainda atinge. E dói...

— Em relação aos homens, a coisa é muito mais pesada. Eu pretendo um dia ir ao estádio com o meu marido. O que a gente quer é ter a nossa família, o nosso emprego e ter o nosso time. A gente é Palmeiras. A gente quer participar, só isso — pediu, sob a expectativa de esse desejo começar a virar realidade nesta segunda, com a bandeira representativa no Allianz Parque.