29 de março de 2024
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Pedro Kemp: só ‘reforma política’ pode resgatar a credibilidade na política

Em época de ebulição, quando a Operação Lava Jato trouxe à luz os bastidores mais sórdidos de uma parte do universo da política, o deputado petista discute de forma transparente, seu partido, as eleições, oposição e reforma política.

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MS Notícias: Deputado, vamos iniciar por um assunto que está sempre em pauta, eleição. Como o Partido dos Trabalhadores está se preparando para disputar as eleições 2016 no Estado e, principalmente, na Capital?

Deputado estadual Pedro Kemp: Primeiramente, o partido está fazendo uma reestruturação nos Diretórios Municipais, teremos eleições em 36 municípios para definir as direções municipais, e faremos também encontros regionais para discutir a conjuntura política e a estruturação do partido em todo o estado.

Após esse processo iniciaremos as discussões sobre as pré-candidaturas, mas não estamos antecipando o debate sobre nomes que irão para a disputa. São vários os nomes que estão sendo cogitados dentro do partido, por exemplo, aqui na Capital estão em discussão o meu nome, o do dr. Ricardo Ayache, deputado (estadual) Amarildo (Cruz), deputado (federal) Zeca (do PT), o (senador) Delcídio (do Amaral). Enfim, são várias as opções, mas o partido vai deixar a definição das candidaturas mais para o final do ano ou início do ano que vem.

Por enquanto só uma análise interna de nomes?

Não só de nomes, mas também da conjuntura política. Hoje estamos vivendo um momento de efervescência do debate político, reforma política, a questão econômica. O partido está muito atento a esse debate, nesse momento de tantos desafios tanto para o PT quanto para o governo da presidente Dilma (Rousseff), então isso é o que está em pauta, hoje, no PT.

Até porque o Parlamento está num momento de níveis baixíssimos de aprovação popular.

Por isso que nosso partido tem levantado essa bandeira da reforma política.  Hoje o foco é o governo. Algumas insatisfações em função das medidas do ajuste fiscal, a questão da corrupção, especialmente por conta da Operação Lava Jato na Petrobras. Mas quando a gente debate com as pessoas, se percebe que existem insatisfações aos políticos de uma forma geral, ao Congresso Nacional. Na verdade, nós percebemos que o que está em xeque é a representação política, que está em crise. As pessoas, muitas vezes, não se sentem mais representadas por aqueles que foram eleitos para legislar, para governar. Nós precisamos resgatar isso, a imagem do político, a credibilidade. Eu penso que a reforma política é fundamental nesse aspecto.

O atual modelo se esgotou?

Com certeza.

Como está se dando a oposição no âmbito da Assembleia Legislativa?

Nós anunciamos desde o início que faríamos oposição ao governo, mas não ‘oposição por oposição’, não para apostar no ‘quanto pior, melhor’, na verdade nós queremos fazer um debate com o governo no sentido de cobrar compromissos de campanha, fiscalizar as ações do executivo, de uma forma a fazer uma oposição propositiva em alguns momentos.

Nós temos consciência que fomos eleitos, a bancada do PT, num outro projeto político, que perdeu as eleições, mas mesmo sendo minoria, nosso papel é de fazer oposição. É importante deixar claro que numa democracia a oposição é necessária. Se houver unanimidade no parlamente, ele perde a possibilidade de promover um debate rico, frutuoso, e o executivo, fica sem o contraponto que é necessário. É esse o papel que nós estamos desenvolvendo aqui.

Até no parlamento toda unanimidade é burra?

Com certeza. Veja bem, se não houvesse oposição nesta Casa, como ficaria, por exemplo, essa questão da taxa do Detran na inspeção veicular? Nós estamos levantando uma insatisfação da população. Estamos sendo cobrados pela população. Se não houvesse a oposição para fazer esse debate, cobrar do governo, exigir providências, provavelmente esse debate não existiria, porque os deputados da base do governo não teriam, vamos dizer assim, disposição para levantar esse debate até para não desgastar a imagem do governo.

A oposição recebe as reclamações da população e cumpre com o seu papel de cobrar explicações e esclarecimentos do governo, e muitas vezes, quando não concordamos com alguns atos do executivo, vamos lutar para que esses atos sejam revogados, sejam revistos.

Como o senhor avalia o relacionamento da bancada com o atual governo?

Apesar de fazer oposição, nós temos tido uma relação de respeito com o governo, e da parte do governo nós também não podemos reclamar, que tem sido respeitoso para com a oposição.

Eu quero dizer que tenho tido retorno constante por parte dos secretários de governo. Por exemplo, a secretária de Educação (Maria Cecília Amendola da Motta) já esteve duas vezes aqui na Assembleia, na Comissão de Educação, debatendo conosco; eu já estive na Secretaria de Educação em duas oportunidades para reuniões com a secretária. A secretária de Direitos Humanos e Assistência Social, Rose (Modesto, também vice-governadora) já me recebeu em duas ocasiões; o diretor-presidente do Detran (Gerson Claro) já me atendeu. Quer dizer, temos tido uma relação de diálogo e de respeito com o atual governo, embora nosso papel, por vezes, seja mais o de cobrar e de fiscalizar.

Eleições 2014: foi um erro deixar todas as ações centradas num único grupo, ou seja, no grupo político do então candidato Delcídio do Amaral?

Acredito que sim. Nós cometemos, e eu vou dizer nós porque acredito que o partido, como um todo, abriu mão muitas vezes de corrigir os rumos da campanha. O partido deixou muito nas mãos do candidato a governador a coordenação da campanha, a linha política. Enfim, nós cometemos muitos erros.

Tínhamos uma eleição praticamente ganha, até o início da campanha eleitoral e, por conta desses erros, por exemplo, nós não soubemos fazer uma avaliação correta do governo André Puccinelli, do qual nós éramos oposição, e não soubemos nos apresentar para a população como uma alternativa de mudança, e o partido na condução da linha da campanha foi perdendo espaço, e o discurso da terceira via, no caso do Reinaldo Azambuja, cresceu e conseguiu dialogar melhor com a população.

Internamente nós já discutimos isso. O PT que sempre foi um partido democrático, que sempre fomentou o debate interno, abriu mão disso tudo para deixar o Delcídio tranquilo como candidato a governador. Na minha opinião, nós perdemos com isso.

O atrito entre as correntes ligadas ao ex-governador e deputado federal Zeca do PT e ao senador Delcídio do Amaral, na sua opinião, vem prejudicando o partido aqui no estado?

Já prejudicou. Essa divisão entre o grupo do senador Delcídio e o grupo do Zeca, já prejudicou muito o PT. O partido sofreu muito com essa divisão. Hoje, eu diria que praticamente não existe mais essa disputa, esse racha interno. Talvez porque o PT se encontre hoje numa situação de fragilidade em função dessa crise política que nós estamos vivendo...

E até a derrota nas eleições estaduais.

... a derrota, isso levou o partido a buscar uma unidade interna. Hoje o senador Delcídio e o deputado Zeca estão trabalhando no sentido de garantir essa unidade, o diálogo interno, o debate entre os vários grupos e correntes. Hoje o que nos une é o fortalecimento do PT, a necessidade do partido se reestruturar para continuar sendo uma força política aqui no estado.

Sobre a recomposição dos cargos federais aqui no estado, como estão as negociações?

Essa questão está sob a responsabilidade da bancada federal. O senador Delcídio e os deputados federais Zeca e Vander (Loubet) ficaram encarregados de serem os porta-vozes junto ao governo federal para a renovação dos cargos federais aqui no estado.

Eu penso que a nossa bancada deve exigir, do governo federal, a nomeação de pessoas que vestem a camisa do governo.

Nós tivemos na eleição passada, pessoas que estão à frente de alguns cargos federais, que fizeram oposição à presidente Dilma, na campanha. Essas pessoas estão respondendo por cargos no governo federal, mas estão em oposição ao governo. Isso é uma incoerência, uma contradição e, eu penso que elas não devem continuar à frente desses cargos. Nós precisamos pessoas que estejam defendendo os projetos do governo e que falem a mesma língua do governo federal.  

Que eles mantenham essa discordância, sobre determinados aspectos, no âmbito do partido?

Exatamente. E temos pessoas que nem são do partido, mas de partidos aliados e que fazem oposição mesmo ocupando cargos. É uma incoerência. Elas mesmas deveriam pedir para sair porque se não concordam com a administração federal não deveriam estar à frente desses cargos.

Em relação à Campo Grande, Alcides Bernal (PP) foi eleito num sentimento de mudança e acabou sendo cassado. O vice Gilmar Olarte assumiu com certa rejeição popular, ainda sem conseguir se desvincular da imagem de “golpe”, e vem fazendo um governo questionado. Nas próximas eleições o PT pode se beneficiar desse sentimento de ‘mudança’ uma vez que na Capital ele nunca assumiu o cargo executivo?

Eu acredito que o PT, nas próximas eleições, vai apresentar um candidato que possa representar esse sentimento da população, que dê uma nova perspectiva para a administração municipal.

Veja bem, nós poderemos ter vários candidatos disputando a eleição (em razão da proibição de coligação nas proporcionais) e provavelmente não teremos nenhum com favoritismo muito grande. Talvez uma disputa mais equilibrada, e o PT poderá apresentar uma candidatura que venha a dialogar bem com a população naqueles anseios, nas expectativas que da população em ter uma administração diferente, com maior participação popular, mais democracia, transparência e, é claro, com eficiência na gestão da máquina pública. Hoje Campo Grande sofre muito pela falta de eficiência, inchaço de cargos comissionados e pelo distanciamento do gestor da população.

Eu acredito que o PT poderá apresentar um projeto que venha ao encontro dessas expectativas da população.

Para o senhor, quais os aspectos da reforma política que poderiam ser aprovadas de imediato?

Eu defendo o fim do financiamento privado de campanhas, para mim o ponto essencial da política. Hoje, o clamor popular pelo fim da corrupção, exige mudanças no comportamento dos políticos. Para mim a corrupção começa durante a campanha eleitoral.

As empresas privadas, quando financiam os candidatos, na verdade estão fazendo um investimento e elas esperam um retorno e, esse retorno vêem na forma de licitações fraudadas, desvios de recursos públicos para poder saldar essas dívidas com as empresas. Eu costumo dizer que empresa não vota, quem vota é o eleitor, então ele é quem deveria financiar as candidaturas.

A gente tem que acabar com o abuso do poder econômico nas eleições, nas campanhas eleitorais. Nós temos campanhas milionárias, campanhas para prefeito que chegam a gastar R$ 40 milhões, R$ 50 milhões. Nós já tivemos campanhas caríssimas aqui em Campo Grande. O principal ponto para mim é o financiamento público para campanhas.

O fortalecimento dos partidos políticos; o fim das coligações proporcionais, inclusive já isso já passou no Congresso; um mandato de cinco anos, eleições proporcionais em dois turnos, onde no primeiro ele votaria no partido e no segundo nos candidatos...

Com a unificação das eleições?

Eu tenho dúvidas em relação à unificação das eleições, em todo caso acho que deveria ser melhor discutido, até porque se uma pessoa se candidata a prefeito e perde as eleições, ele tem que esperar quatro ou cinco anos para se candidatar a outro cargo.

Perderia essa janela de dois anos entre as eleições.

Nesse caso, ele ficaria muito tempo no ‘sereno’, como dizemos. E os bons políticos, os que têm um bom trabalho, devem ter a oportunidade de disputar outros cargos eletivos.

Creio que devem haver mecanismos para aumentar a representação feminina nos parlamentos. Uma maior igualdade na disputa entre os gêneros, para que as mulheres, que hoje são a maioria do eleitoral possam ter uma representação maior.

?Foi praticamente triplicado o fundo partidário, isso gerou um enorme mal-estar na população. Quando nós vemos que a grande discussão se dá em torno do financiamento público e privado, perguntamos se a maior questão a ser discutida não deveria ser o Caixa Dois, que é o grande tumor das eleições. O financiamento público teria como colocar uma fiscalização mais rígida sobre o Caixa Dois?

Eu acredito que tanto no sistema atual quanto no sistema que nós defendemos, que é o financiamento público de campanha, deve haver uma fiscalização maior e mecanismos de controle para evitar o Caixa Dois.

Nós sabemos que mesmo que aprovado o financiamento público, as pessoas poderão se utilizar desse mecanismo. Precisa haver maior controle, inclusive da sociedade. Se um eleitor denuncia que recebeu um dinheiro que não está contabilizado, isso pode ensejar na cassação da candidatura.

Hoje o Caixa Dois é estimulado pelos eleitores que aceitam essa realidade.

Quando não cobram.

Exato, quando não cobram. Eu vejo que deve haver um controle por parte dos órgãos de fiscalização, da Polícia Federal, do TRE, mas também por parte do eleitor, que hoje está nas ruas gritando contra a corrupção, também ele tem que colaborar para que essa corrupção não aconteça.

É importante lembrar que nós não conseguimos ver nas ruas, com força, essa reivindicação da reforma política. A gente vê palavras de ordem contra a corrupção e outras, mas é importante que a população entenda que a causa principal da corrupção hoje, no poder público, na política, está no financiamento de campanha.

O principal exemplo está no caso Petrobras, onde há denúncias de que obras foram superfaturadas para que as empresas devolvessem uma parte do dinheiro em forma de contribuição aos partidos. Se isso é o que está sendo provado, só existe uma forma de mudar, fazendo uma reforma política que impeça as empresas de serem as principais financiadoras das campanhas. Esse debate precisa ser colocado na sociedade.