26 de julho de 2024
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DIREITOS HUMANOS

Com 'urgência', indígenas manifestam contra o PL do 'Marco Temporal'

Bancada ruralista pressiona o Congresso Nacional para passar o PL da ganância dos que querem abrir os territórios para exploração, dos que só conseguem ver a terra como forma de ganhar dinheiro, sem que haja qualquer receio em destruir o Meio Ambiente

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Indígenas Guaranis bloquearam a rodovia dos Bandeirantes na madrugada desta 3ª feira (30.mai.23) em reação à votação do Projeto de Lei do marco temporal, o PL 490.

O direito dos indígenas à terra está garantido na Constituição Federal de 1988, porém, sempre foi alvo de contestação, e é aí que entra a tese do Marco Temporal.

Se aprovado, o PL condiciona a demarcação das terras tradicionais à presença física dos indígenas nas respectivas áreas em 5 de outubro de 1988.

O texto atual foi aprovado em 23 de junho de 2021 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC). No entanto, os deputados aprovaram, na última 4ª feira (24.mai), o requerimento para que a proposta tramite em regime de urgência. Com isso, o PL pode ser analisado diretamente em plenário, sem passar por comissões mistas.

A tese do marco temporal consolidará, caso seja aprovada, inúmeras violências sofridas pelos povos indígenas, como as remoções forçadas de seus territórios, os confinamentos em pequenos espaços territoriais e os apagamentos identitários históricos. 

Outro aspecto considerado crítico é a possibilidade contida no PL 490/2007 de contato forçado com populações em isolamento voluntário para a realização de “ação estatal de utilidade pública”. Essa medida também se mostra inconstitucional, pois a Carta Magna reconhece expressamente o dever de respeitar a organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos indígenas.

MANIFESTAÇÃO

Contra a aberração jurídica, às 5h30, cerca de 100 indígenas e apoiadores, que fizeram vigília desde a tarde de 2ª feira (29.mai) na Terra Indígena do Jaraguá, em São Paulo, desceram dos fundos da aldeia principal, na altura do Km 20 da rodovia dos Bandeirantes, com faixas contra a PL 490 e material inflamável, interditando a via com pneus em chamas.

Segundo a concessionária Autoban, há registro de congestionamento na rodovia dos Bandeirantes do km 27 ao km 25, no sentido capital, e do km 56 ao km 50, na altura de Jundiaí. Na rodovia Anhanguera, também no sentido capital, o congestionamento está entre os km 26 e e o km 21, e em Campinas, do km 95 ao km 98.

Na pista, mulheres homens e crianças iniciaram o bloqueio sob cânticos indígenas, formaram cordões com escudos de bambu e estenderam faixas contra a aprovação do projeto. Motoqueiros e um carro da Secretaria da Saúde de São Paulo furaram o bloqueio pelo lateral da pista.

A Polícia Militar chegou com viaturas e motos no local por volta das 6h. Inicialmente, os policiais ainda estava se "inteirando" da situação, como disse um dos agentes.

Após 2h de protesto, as lideranças acordaram com a Polícia Militar Rodoviária de liberar a passagem de motociclistas, ambulâncias e pessoas que eventualmente passam mal por conta da fumaça.

Sob intermediação de advogadas da Comissão Guarani Yvyrupa, que dá suporte no protesto, o diálogo entre lideranças indígenas e agentes policiais resultou, logo em seguida, na liberação de uma das cinco faixas da rodovia.

A líder Ara Poty, das terras do Jaraguá, concordou em liberar parte do tráfego com a condição ser acompanhada pelos policiais até o início da marginal Tietê.

Em nota, a Polícia Militar Rodoviária afirma que os agentes no local buscam identificar lideranças e negociar a liberação da via.

"A PM esclarece que todos os meios estão sendo empregados para garantir a segurança da população, a fluidez no trânsito e o direito à livre manifestação", diz a nota.

BUSCA DE DIREITOS 

Lideranças indígenas da Terra Indígena do Jaraguá, em São Paulo, afirmam que o bloqueio da rodovia tem como objetivo chamar atenção para a "mudança na história do Brasil" que a aprovação do PL 490 possivelmente representa. "Se perdermos, vamos, por assim dizer, para o 'tudo ou nada'. A gente pode perder vidas com isso, mas é a guerra que a gente vai lutar", disse a liderança indígena Matheus Werá.

Segundo Werá, Guaranis de outras três aldeias do município de Mongaguá (Baixada Santista) e da Reserva Indígena Gwyra Pepo (Taperí, SP) foram de ônibus e vans para vigília e o bloqueio.

Ambientalistas e entidades do setor criticam o projeto e veem brechas para permitir garimpo, atividade agropecuária, abertura de rodovias, linhas de transmissão de energia ou instalação de hidrelétricas, além de contratos com a iniciativa privada e não indígena para empreendimentos.

A medida em que a bancada ruralista pressiona o Congresso Nacional pela aprovação do projeto, secretários do governo de São Paulo sinalizam apoio à aprovação. O secretário de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, Fábio Prieto, disse em manifestação enviada no último dia 19 ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) que o projeto evita ruptura do território nacional. "O julgamento poderá afetar todo território nacional, inclusive, ou principalmente, a propriedade urbana privada, no estado de São Paulo e em todo país", disse Prieto.

O QUE DIZ MPF 

A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), órgão superior vinculado à Procuradoria-Geral da República (PGR), divulgou na 2ª feira (29.mai) nota pública reafirmando a inconstitucionalidade do Projeto de Lei (PL) 490/2007. 

Na nota, o MPF chama atenção para a impossibilidade de se alterar o estatuto jurídico das terras indígenas (disciplinado pelo artigo 231 da Constituição) por lei ordinária, o que torna a proposta frontalmente inconstitucional. Além disso, os direitos dos povos indígenas — em especial à ocupação de seus territórios tradicionais - constituem cláusula pétrea, integrando o bloco de direitos e garantias fundamentais que não poder ser objeto sequer de emenda constitucional.

“A Constituição garante aos povos indígenas direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sendo a tradicionalidade um elemento cultural da forma de ocupação do território e não um elemento temporal. Fixar um marco temporal que condicione a demarcação de terras indígenas pelo Estado brasileiro viola frontalmente o caráter originário dos direitos territoriais indígenas”, destaca a nota.

A Nota enfatiza ainda que o PL 490/2007 não foi submetido à consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas, em desrespeito à Convenção 169 da OIT. “A 6CCR/MPF vem a público reafirmar seu entendimento quanto à inconstitucionalidade e inconvencionalidade do Projeto de Lei 490/2007, ao tempo que espera, diante da gravidade e das possíveis consequências nefastas de sua aprovação, que o Congresso Nacional rejeite-o integralmente”, conclui o documento.

O QUE DIZ A APIB 

Articulação dos povos indígenas do Brasil (Apib), convocou os indígenas de trodo o Brasil para atos nesta 3ª feira (30.mai) contra o PL. 

"Levantemos nossos maracás e ecoemos nosso grito, toda nossa rede, povos, comunidades, organizações e lideranças a se mobilizar em manifestação e protesto hoje 30/05 - terça-feira, em Brasília, nas suas cidades, nas capitais dos estados, nas comunidades, aldeias, onde for necessário, demonstrando o nosso repúdio aprovação do PL 490 e mostrando nossa força na luta pela defesa dos nossos direitos. Façam seus cartazes, suas faixas, pinturas corporais, atos de protesto, se mobilize em defesa da vida e dos nossos povos e territórios", disse a entidade representativa.  

*Com Folha de S. Paulo.